A Esperança é a última que Morre
Nos tempos de faculdade ele deu tudo que tinha e ela declinava. Era uma partida dura jogada entre os opostos. Divididas ríspidas. Sempre levando um não daqueles de lavar cara, mantinha-se esperançoso. A esperança é a última que morre.
Com todo aparato tecnológico de comunicação, fazia tempo que não se falavam. Aconteceu. Trocaram cartas. Marcaram encontro. No dia posterior ao "sim", ela foi ao cabeleireiro. Aproveitou a oportunidade e passeou pelo shopping. Início de ano. Muitas promoções. Queima de estoque. Saiu carregada pelas sacolas. Uma enormidade de compras.
Foi ao dentista. Dando continuidade ao tratamento, remendou o que faltava e colocou o aparelho rosa-claro. Ficaria com ele por tempo indeterminado. Seus lábios avolumaram-se. Ficou bicuda e doía-lhe a gengiva, mas valeria a pena. Precisava realinhar-se toda, inclusive, as emoções. Estudar em demasia deixou-a pença para um lado. Livros, conhecimento e saber demais, além de ocupar espaço nas prateleiras da mente, pesavam em sua consciência. Uma vez que estava matutando tal coisa, descarregou parte da carga no local em que estava. Como pena, ficou leve de responsabilidades e compromissos. Na agenda neuronal, apenas o encontro que se aproximava. Carta magna endreçada à sua virgindade. Tudo ou nada. Abri-la ou fechá-la. Estava disposta a tudo: inclusive quebrar o tabu que importunava os seus hormônios por mais de 45 anos. Nunca é tarde. "Pétalas aureoladas da mesma flor. Mulher amada, de época passada, após deflorada, suspira os devaneios do amor, que um dia fora botão em flor". Nunca esquecera os versos que lera. Por sinal, lia-os sempre antes de dormir.
No dia anterior ao suposto feliz dia, depilou-se de cima à baixo. Sentia-se renovada de alma e espírito. Recomeço é como a claridade de cada amanhecer e sempre abre espaço para novidades. Até esse momento de sua vida, desconhecia o que é iniciar as tarefas cedo, para encerrá-las cedo; assim fazendo, estaria apta às novas experiências. Cada segundo passado, tornaria-se passado e não retornaria jamais. Tal presságio deixava perdida entre a perda e o ganho de tempo.
Frente a frente com o espelho, foi agraciada com muitos sorrisos. Fez até selfies, coisa que nunca se sentiu atraída. Selecionou uma foto postou-a na tela do celular como imagem principal de seu perfil. Ao virar as costas, ouvir um balbuciado: "Felicidades intensas e breve regresso".
Só poderia ser o desejo de seu espelho. Bem-te-vis piam e não falam.
Despertou cedo. Avião é meio de transporte que não espera por ninguém. Chegou atrasado, bau-bau. Antes de qualquer afazer, abriu a janela e ouviu o trinar do bem te vi no pé de ipê que plantara próximo à janela de seu quarto. Ambos estavam festivos e coloridos. "Será que sou merecedora de tamanha dádiva?"
Nesse ínterim, postou uma mensagem no Recanto: "Amigos poetas, ausentarei-me por tempo indeterminado. Impossível descrever tamanha felicidade. Estrelas brilham e os acariciadores sopros vento levam-me de encontro à liberdade tão sonhada, mas jamais conquistada. Fazendo valer o clichê, nunca é tarde para ser aquilo que deveria ter sido décadas antes. Fique todos com Deus que com ele viajarei".
Despediu dos familiares. O carro estacionado na porta. Motorista de prontidão. Partiram. Check-in feito. Chamada para embarque. Vozerio incontido. Último aceno para a família e amigos próximos. Avião embicado em direção às nuvens. Tudo perfeito...
À noite os telejornais noticiavam o choque entre o avião Legacy e outro que seguia para Europa. Trabalho intenso dos Bombeiros nas proximidades do acidente. Mata fechada. Mesmo com parte de uma das asas despedaçada, o Legacy seguiu para os EUA.
Passado mais de um ano e nada da PhD retornar ao lar. Espelho, familiares e amigos, incluindo os virtuais do Recanto, estão apreensivos. Tomara Deus que esteja se divertindo bastante é o que desejamos. Quem a conhece, sabe o quanto é generosa, inteligente e humana.
- Mudou a foto do perfil. Como você está linda, exuberante, renovada..! - esse é um dos comentários postados em sua caixa de mensagens por um dos Recantistas. - "volte logo, mulher ou não, virgem ou deflorada, em qualquer continente, em qualquer canto, da música que encanta, você é a letra do Recanto".
A esperança é a última que morre.