Raul, Eu e uma ponta no ponto, sem Luar
Estava perdido, junto e misturado na multidão. Parecia riacho de águas correntes assediando lavadeiras de roupas. Um bate e torce em forma de curtume, dos diabos. Só faltava o cheiro de bodum das peles rançosas. Contudo, gargalhei ao afastar-me do furdunço. Dou risadas de todos e tudo; por exemplo, se vejo alguém usando cotonetes, choro de rir e filosofo: "cotonetes de duas pontas é utilizável e reutilizável." Deveras, cotonetes de duas pontas entram, examinam e limpam, no mínimo dois buracos.
Continuo ruminando: "tem ouvido que é surdo e só ouve quando as propostas são cotonetes sedosos e macios de puro algodão, tocando-o no âmago."
Fui saindo de "fininho" em direção ao ponto de ônibus. Banco livre e espaçoso. Ninguém ali para me importunar. Com dois dedos, estilo pinça, catei a ponta - mais conhecida como bituca - de cigarro no chão. Daquele momento em diante, ela, somente ela, teria dono e seria pitada. Sempre carrego no bolso a binga. Toquei fogo. Dei duas baforadas e a fumaça subiu incendiando minha juba de cabelos com as cores do arco-íris. Cada um dos sete chumaços, uma cor.
Travei batalha com meus fantasmas. Falávamos de tudo. Eu não, mas Eles são viajados. Assim que paramos, levei um lero comigo. Eu e Eu, sozinhos em uma noite sem luar. - palíndromo de Raul- Fazia de tudo para fugir de mim.
Foi quando numa das escapadas mentais, lembrei-me do nostálgico Raul doideira Seixas, ao dizer que "Eu nunca cometo pequenos erros, sendo que Eu posso causar terremotos". Será que naquele tempo Ele já imaginava o Bolsonarismo? Bem, por ser oitentista, Raul conheceu, viu de perto, o Lulismo piqueteiro em portas de empresas. O sujeito barbarizava, incitava o quebra-quebra, quando os milicos pintavam na área, o sujeito sumia feito corisco.
"Eeei, anos oitenta, charrete que perdeu o condutor, Eu disse, eeeei anos oitenta..." - cantei.
Terminada a ponta - devo dizer que ainda estava no ponto - me vi personagem do verso "Eu nunca cometo..." do cantor e bom baiano, nascido em Qrenhenhém: oito horas de mula, cinco horas a pé, mais doze de trem. Raul Seixas, meu amigo beleza, adoro ocê, tá!?
Feita a celebração, antes de estirar o corpo no banco, apaguei a ponta e dei risadas. Dormi...; mais tarde despertei com o zunzunzum da cidade. Bati em retirada à procura de outra ponta, próximo a outro ponto. Puxar uma ponta no ponto, dá "barato". Ilumina. Viagem fora do corpo.
Aí, ponta fumegando, fumaça entorpecendo e a mente em rodopios, só resta-me berrar: "Toca Raul,
Lua aponta onde está a ponta! Beleza, com uma puta ponta, nesta noite sem luar, toca Raul no ponto; e Eu me policio para não cair nas garras da polícia e o político inimputável apodera-se do poder e pronto."