Sabe nadar... senhor?
 

Tenho um casal de filhos maravilhosos (ela, 23 anos... ele, 15). Para satisfazê-los, sou capaz de peripécias que fogem à normalidade cotidiana. Vencer o medo diante de aventuras mais radicais, por exemplo.

Ilustrando o sentimento de amor e despojamento à família, relatarei fato ocorrido há oito anos, que nunca me saiu da cabeça... E, assim será, enquanto consciência tiver!

É praxe... muitas famílias nordestinas conciliarem férias laborais, com as escolares dos filhos. No nosso caso, nos últimos quinze dias do mês de julho.

Como não somos criativos e nem temos "expertise" em planejamento turístico, por três anos consecutivos, escolhemos a acolhedora cidade de Fortaleza.

Inicialmente, pela relativa proximidade com Teresina (700 km)... bem como,
em virtude das suas belas e aconchegantes praias; pela quantidade de bons restaurantes; por andar a pé, gostosamente, na feirinha localizada na prainha do Náutico; pelos inúmeros passeios de trenzinho, na orla marítima... e, de bugre, na praia do Cumbuco. E, especialmente, pelo espetacular e concorrido “Beach Park”.

A ida ao “Beach Park”, sempre foi um dos pontos altos nas aventuras da capital alencarina. Gasta-se, de carro, cerca de 01 hora ou até um pouco mais, quando ocorrem engarrafamentos quilométricos... Ufa!!!

O tráfego é intenso nos fins de semana e feriados. Assim, preferimos ir durante dias intermediários... a rodovia é mais livre. De qualquer forma, sempre compensa visitar o Beach Park, em quaisquer ocasiões. "Um dos melhores parques aquáticos da América Latina!", dizem nossos orgulhosos anfitriões cearenses.

Fico feito menino danado. Divirto-me com os filhos, em cada brinquedo. Alguns são bem simples, para os menores. Outros, proporcionam mais emoções e adrenalina... sensação de aventura e perigo, extasiantes.

Vou a todos: uma alegria e tanto. Existe uma única exceção, que sempre me causou pânico (pavor mesmo!), o tal “Insano”: um toboágua com 41 metros de altura. Estrutura compatível a edifícios com 14 andares, segundo li em algum panfleto informativo.

No Insano, em queda livre, o corpo humano pode se projetar a exagerados 105 km/h. Percorrendo 41 metros, em apenas 5 segundos. "É um teste para cardíacos e medrosos", anunciam muitos  frequentadores (Ps: sou os dois!). 

Para se ter uma ideia da altura do "brinquedinho", na estrada que leva ao distrito de Aquiraz, onde se localiza o empreendimento, cerca de 01 quilômetro distante, já é bem visível.

Conquanto não se tenha informações da ocorrência de acidente naquele aparelho, dá medo enfrentá-lo de peito aberto.
CONFESSO !!!

Na primeira vez que fomos ao Beach Park, percorremos todos os demais brinquedos. É óbvio... fora o dito-cujo! Lembro-me que, na volta ao hotel, minha filha fez comentário, assim: “Pai adorei tudo... só estou chateada porque não fomos ao Insano”.

Imediatamente, cheio de energia, eu lhe disse bravamente: “Nem se preocupe, ano que vem viremos novamente e iremos ao Insano... vamos descê-lo diversas vezes, até você abusar do bicho!!!”.

Minha filha me olhou, por instanstes. E, com um lindo sorriso nos lábios juvenis, disse: “Tá bom pai... vou lhe cobrar!”. Esqueci da promessa. Ela, infelizmente, não!

O ano passou rapidamente. Logo estávamos novamente na frente do Beach Park. Absorto, olhava embevecido a tudo, como se fosse a primeira vez... quando, ouvi sua vozinha doce: “Pai... não se esqueça daquela promessa!”

“Qual mesmo?”, perguntei-lhe, desconfiado de que viria uma bomba para cima de mim.

“Pai... ano passado, me prometeu que iríamos descer no Insano... lembra?”, disse enfática e decidida, em tom de cobrança.

Não deixei por menos: “Tá bom ... se você não tiver medo, por menor que seja, vamos sim!”. Torci para que, depois, ela esquecesse minha bravata.

A manhã se passou rápida. Por volta das 14 h, fomos almoçar. No caminho do restaurante, minha primogênita cobrou novamente: “Pai... e o Insano?”.

“Filha... vamos almoçar, depois a gente vê isso!”. Ali, sem muita convicção, prometi o que não queria... e nem deveria.

Terminada a refeição, ela voltou à carga: “Pai... e aí? Vamos lá?”. Tentei argumentar que estava com a barriga cheia. Não colou nada...

Lá fomos nós dois... era o “meu dever de pai” falando mais alto que o medo de enfrentar aquela coisa “Insana”.

Subir àquela escada de madeira, é algo desesperador! Você vai olhando as pessoas, lá embaixo, diminuindo de tamanho... e, cada vez mais longe.

Conselho: “Melhor não olhar... aliás, melhor desistir logo, já no primeiro degrau!”


E, para completar o quadro apavorante, através de um alto-falante, estrondoso, uma voz gutural debochava o tempo todo: “Desista se é medroso... ou se for cardíaco e tem amor à vida!”. Bom... se não for exatamente desse jeito, é bem parecido... garanto!!!

À medida em que subíamos aqueles infindáveis e tenebrosos degraus, tentava desencorajar minha filha. Toda vez que ouvia aquela voz medonha, não me continha e lhe perguntava: “Não quer mesmo desistir?”. Ela apenas sorria, sempre negando com um movimento na cabeça; alimentando mais meu temor.

Sabem o que é ainda pior? É... subir naquela "bendita" escada e ver pessoas, em sentido contrário, com caras assustadas, comentando que não tiveram coragem de descer pelo toboágua!

Quando alcançamos a penúltima plataforma, tentei a última cartada: “Filha... se você quiser desistir, não se preocupe ... não é feio e ninguém nunca saberá ... eu não vou contar, prometo!”. Ela apenas sorriu, continuando a subir.

Para completar meu desespero, chegamos à derradeira plataforma... "topo do Insano". Algumas pessoas se acotovelavam, expremidas na passarela. Talvez, esperando coragem para enfrentar o toboágua ou, quem sabe, divertirem-se com o apavoramento de pessoas como eu.

Minha filha, então, disse determinada: “Pai... primeiro vai você... vou depois!”.

Dirigi-me à borda de lançamento e lá estava um rapaz vestido num calção preto e camiseta branca - nela se via a oportuna identificação “Salva-vidas”.

Ao me aproximar, o fulano me fez a pergunta mais idiota que já ouvi na vida: “Sabe nadar... senhor?”

Com olhar de indignação, fuzilei aquele rapazinho petulante. Eu... ali, me borrando de medo da altura e o cabra vem me perguntar se eu sabia nadar?

"Aquilo, sim, era uma grande sacanagem, daquele moleque insolente e metido... no mínimo, uma piada de mau gosto!". Encarei-o com a expressão mais feia que pude. Naquele momento,
tive vontade de esganá-lo.

Diante daquela disparatada pergunta, mesmo indignado, respondi-lhe baixinho: “Nadar eu sei ... não sei é voar!”.

Fechei os olhos e continuei a minha desventura. Recebi instrução de me manter com as pernas cruzadas e braços por trás da cabeça, com os dedos entrelaçados, tampando os ouvidos. E fui...

Como a plataforma é uma espécie de “L” investido, com a base menor na saída, senti o corpo se descolando na curva. Sei lá quanto tempo durou aquela aflição...

E, quando dei por mim, estava no tanque de recepção, em solo. Sinceramente, meu coração queria sacar pela boca. O short de banho entrou pelo rêgo da bunda, sem pedir licença. Parecia entalado na garganta. Tudo em frações de segundos.

Tenho cabelos grisalhos, rareando no frontal da cabeça... e muitos pêlos espalhados no corpo. Mas, a sensação é de que estavam todos em pé. Inquebrantáveis !!!

Fui logo orientado a sair da "piscininha". Outra pessoa desceria, em instantes.
E... era exatamente minha filha. Vi seu corpinho branco, esguio e diminuto, projetando-se na plataforma. Logo também estava na água.

Pulei ao seu encontro, apressado, dando-lhe um abraço caloroso... de alívio. Olhei bem seus olhos e sua fisionomia, ainda, excitados. Declarei-me, revelando todo o carinho que poderia demonstrar, ali: “Filha ... jamais duvide de meu imenso amor por você!”.

Dirigindo o carro, na viagem de volta, ao longo de quase todo o percurso, uma voz enjoda e atrevida não me saía da cabeça: “Sabe nadar... senhor?”.

Vai tomar no C... seu Filho d'uma Puta !!!

 

Antônio NT
Enviado por Antônio NT em 21/04/2020
Reeditado em 11/07/2022
Código do texto: T6924217
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