Aconteceu em Dezembro de 2017
Caminhando pela cidade, Nadalina cumprimentava os transeuntes: "Bom dia, senhor. Boas vendas, dê um passo à frente. Sucesso em sua caminhada".
- Ué, como; se estou parado...? O trânsito sim, em horários de pico, são galos engarrafados em gargalos. Ah, deixe que vá!
Na flor de seus 80 anos, passos lentos, sorriso em prosa, assim seguia a caminhada descontraída da idosa.
- "Bom dia, senhor. Boas vendas, dê um passo à frente. Sucesso em sua caminhada".
Pai e filho se distanciaram da velhota. Cheio de gracejos, o menino pergunta: "Ela nos desejou um bom dia. E disse dê um passo à frente; sucesso em nossa caminhada, porque é natal e final de ano, certo, papai?"
Impensadamente, de bate pronto, o pai responde: "Não filho, cumprimentar as pessoas é uma maneira educada, respeitosa, humana e aquece o coração. É como uma golada de cafe quente derramado goela abaixo, em dias frios".
- Bom dia! Dê um passo à frente e sucesso em sua caminhada, papai!
- Bom dia! Dê um passo à frente e sucesso em sua caminhada, para você, também filho!
Pararam na esquina seguinte e ouviram o mascate dizendo para seu amigo de profissão, que sua esposa Nadalina, não é da crença natalina.
Pai e filho seguiram o passeio tecendo a colcha de retalhos da amizade dialogada. Entretanto, seu pai não conseguia de maneira alguma, explicar-lhe porque uma senhora de 80 anos ainda não aprendera que comemorar o natal, é comemorar o nascimento de Cristo.
- Será mesmo papai, ou é mais uma maquinação humana, usando a história do Menino Jesus?
- Filho, deixe de perguntas. Dê um passo à frente e sigamos a caminhada, porque amanhã, quando as caixas de presentes forem abertas e os laços de fitas desfeitos, quando a euforia terminar e tudo for esquecido, esquentaremos os ossos das carcaças que sobraram da ceia. Chega de perguntas por esse natal; e para amanhã, restos e sobras de ossos é o que temos para saborear no almoço e jantar.
- Quem sou eu, um nanico com essa minha idade para dizer alguma coisa, papai, mas daqui um ano tudo se repete...; concorda?
- Sim! Menos a ceia e as sobras, pois, como disse, comeremos amanhã; ou por mais dias, tudo dependerá da quantidade e do ranço mandatário, dono majoritário das sobras. Em tempos de crise econômica, saqueiam, roubam até os alimentos das moscas.
- Bom dia, donas Moscas! Dê um passo à frente e sucesso em sua caminhada!
- Meu filho, Moscas não caminham; voam!
- Bom dia, donas Moscas! Dê uma debicada para frente e sucesso em seu voo!
- Meu filho, Moscas não tem que ser tratadas assim. Devem mesmo é morrer...
- Crueldade matar as bichinhas, papai! São sinceras como as pessoas que vejo e necessárias como as proteínas encontradas nas carnes! Eu adoro aquele barulhinho, zummmmmmm, zummmmmmmm feito por elas.
- Daqui a pouco você, meu filho, quer ser uma com asas e tudo mais.
- Exato. Gostaria sim. Com asas e ferrãozinho sugador no bico. Quando isso acontecer, o senhor deverá dizer: dê uma boa debicada para frente, meu filho Marcos Mosca. E completará: Sucesso em seu voo.
- Vamos rápido, chega! Essa foi a pior de todas. Dê um passo à frente! É muita tagarelice para uma caminhada só...- resmungou.
- Por favor, papai, caminhemos serenos. Correr é tolice, lembra da senhorinha Nadalina que nos cumprimentou? O mundo pertence à ela. É a placidez em pessoa. Por isso que é elegante e fina no trato com as pessoas.
- Ô merda de internet, facebook, whatsapp...; no meu tempo não tinha nada disto. Bebíamos e dormíamos abraçados à sagrada ingenuidade. Hoje, eles alimentam da autêntica diversidade dada à cada passo à frente.
- Ainda seremos sábios e inteligentes, nem que seja às quedas, pedradas, dores e tropeções. Resistência, indiferenças e escoriações...
- Ingrata, essa modernidade fez-me derribar os passos na minha insolente caminhada. Vivendo, aventurando e aprendendo!
P.S.: o que deveria ser rotina no cotidiano, foi uma aventura realizada em dezembro de 2017. Desde que fantasiemos menos e realizamos mais; desde que sonhemos menos e conquistemos mais; desde que nos iludamos menos e executemos mais, tudo pode acontecer. Castelos são possíveis de serem edificados; ou a estória da velhota Nadalina foi insignificante como outras?