O voo da doidice
A sensibilidade dos olhos remete a mente às ideias, as mãos à operação e o coração à loucura. E a liberdade de ser do doidão arremata, costura, alinhava o quarteto em um ponto só.
Liberdade doidona em grau, gênero e número, é aquela que anda de chinelos havaianas, falando sozinho, contando histórias, cumprimentando os novos e velhos. Desejando as boas novas aos homens, mulheres e crianças. Abraçando árvores, fazendo carretel com os dedos, fotografando as flores, contando estrelas, brindando a lua com poesias. Correndo da sofrida normalidade da cotia, de noite e de dia. É o mesmo que ainda pára para mirar o pôr do sol; é o mesmo que vê sentindo na falta de sentido. Desfolhando flores; juntando pétalas; construindo castelos de sonhos. Dissecando pensamentos, regozija do redemoinho de um planeta de cabeça para baixo. Doido é aí... É zero, para aqueles que se dizem ser dez. O horizonte não é longe, quando o traz aos seus pés; e quem não pensa assim, doido é...
Cobre-se com a alvura de uma nuvem. Nuvens de algodão são como penas e pesam pouco. Itinerantes, mudam de lugar com o vento. Chegam ao chão. Trazem consigo os mistérios dos elétrons que se amam livres, sem preconceitos, sem pudor, formando gotículas de água; que ao descer à terra regam as plantas, salpicam os sonhos, dão vida às muitas vidas. Em direção oposta, inodora e insípida, é vetor que inunda os infortúnios. Sufoca o mal hálito. Afoga os dissabores.
Para ele, o contrário do certo, é o certo... mas o que é certo? Se desconhece o certo, é porque conhece o que é errado. E é errado vestir a roupa às avessas? Às avessas não é de seu conhecimento, mas é errado caminhar seguido pela sombra; usar guarda-sol em dias de chuva; sorrir para o invisível; sentir a energia vital da relva molhada ao amanhecer? Fazer careta para os injustos, abominar a desigualdade, trilhar a retidão desvelando o novelo de linha sinuosa? Quem souber as respostas, que convença o jamais convencido.
Doidão crente, fiel, companheiro, questionador, viajante. Mochila nas costas, olhar no horizonte, botinas na terra, lá vai ele. Sobe os montes, desce as vertentes, cruza os vales, banha o rosto em regatos, ressona sobre as raízes das árvores, assovia para os pássaros, pede silêncio para a brisa. Abre casulos; liberta borboletas. Depois do discurso, bate-palmas para si; adquire asas; voa para liberdade. Doidão nenhum acha a liberdade tão distante, quando se tem disposição para bater asas. Vai mais distante quem voa para os territórios encravados longe da indolência: a preguiça e o desânimo não tem pernas e não possuem asas.
Encontra o sublime nas coisas simples: nas janelinhas de dentes recém-nascidos; no velho e roto chapéu de palha que voa às alturas carregado pelo vento; na sombrinha que vira as varetas para o ar e dias de chuva; no miado esganiçado do gato procurando pelo amor devasso da fêmea; no cão que corre aturdido em círculos querendo pegar rabo.
Para o doidão, a doidice não exige a complexidade da ciência. Complexidade da ciência com ciente será, quando a ciência tomar ciência, que a consciência está acima da ciência.
Ser doidão não é fácil, ser doidão amado, pior ainda. Deveras, o normais não concordam que ser doidão, é loucura demais para uma vida só... motivo de enquanto a maioria, ou quase todos os normais morrem precocemente, ele continua vivendo. Salve a loucura... risonha, libertária, alquimista, anarquista, extrovertida e tudo mais, nada de fúria.
Enquanto todos choram, lamentam, praguejam e nada fazem, para um doidão desbrava(dor), a dor tão doída, não dói nele, não. O doidão é uma nuvem. Matiz em flor. A aventura desafiadora. O coração que pulsa o devaneio do amor. Do mel, o doce sabor. O doidão poliniza as plantas e sem sofrer debaixo do rega(dor), molha as rosas de quaisquer cor.
Liberdade é sinônimo de doidice, que por sua vez, não se restringe apenas a sinonímia. Doidice é muito mais... porque doidão é aí. Doidão aqui, paz ali, justiça lá, sexo doido em qualquer praça, corpos esparramados em cima das pedras, igualdade acolá e Deus a olhar, a doidice em lugar!