A MORTE RIU DA MINHA CARA

Darmos um jeito de ludibriar a vigilância de nossos pais, para tomar banho, pelados, na represa da hidrelétrica, fazia parte do jogo.

Há uns quinze dias, porém, não saíamos de casa, impedidos pelo mau tempo. Isso nos deixava inquietos, à espera de que a chuva nos desse uma chance e ela nos atendeu; então, corremos para lá. Éramos em cinco e eu, o mais velho, com treze anos e o único que sabia nadar uma coisinha de nada. Mas era atrevido. Não obstante, só nos arriscávamos nas partes mais rasas, onde desse pé.

Ah, que festas eram aquelas! Que brincadeiras! E as apostas sobre quem ousava mais? Eu ganhava todas. Era o mais arrojado e determinava o que deveríamos fazer e até aonde poderíamos ir.

Naquele dia, em razão do longo tempo de chuva, a represa estava enorme, assustadora. As águas se estenderam e grandes extensões de terra estavam cobertas.

Chegamos ao local de nossa preferência, mais afastado e onde não corríamos o risco de sermos descobertos com facilidade. Despimo-nos e ali ficamos, contemplando, respeitosos e pelados, aquela imensidão, sem coragem de qualquer iniciativa. Eu, que me arvorara em líder, sentia-me na obrigação de ser o primeiro, para dar exemplo de coragem. No entanto, naquele momento, coragem era o que me faltava. Estava até arrependido de ter provocado meu grupo de traquinagens para aquela aventura. Ninguém abria a boca. A vontade mesmo era de vestir a roupa e dar meia volta, mas alguém ousou me provocar:

- Aí, Neco, tá com medo?

- Com medo, eu? Não me conheces!

Com os brios feridos, fanfarroneei, estufando o peito:

- Atravesso isso aqui de costas. Querem apostar?

Tudo, para nós, era desculpa para apostas. Eram as apostas que nos moviam e ninguém jamais queria perder.

- Tu não sabes nadar o bastante para ir daqui até lá – disse meu irmão, apontando com o dedo, a margem do outro lado - por isso eu não quero apostar.

Os outros concordaram, prudentes e medrosos, mas eu estava disposto a provar que era capaz e entrei na água, antes que alguém mais tentasse me convencer do contrário.

Caminhei um pouco mais de dois metros, até que a água atingiu o umbigo e comecei a nadar de costas, sem muita convicção. Fechei os olhos e não prestei atenção em mais nada. Cinco intermináveis minutos depois estava terrivelmente cansado. Imprimi mais força nos braços e a margem oposta não chegava. O cansaço tomou conta. Com os músculos já entorpecidos, tive a impressão de ouvir vozes. As sensações se misturavam em minha mente e a noção de realidade se extinguia rapidamente. Não poderia sequer pedir socorro, porque meus colegas eram todos pequenos e não sabiam nadar.

O medo da morte me assaltou, impiedoso e as lágrimas, silenciosas, salgaram as águas da represa. Era o fim. Nunca mais brincaria com meus amigos. Nunca mais apostaríamos nada. Perdi os últimos resquícios de força e simplesmente parei, deixando-me afundar, impotente, para a morte.

Quando meus pés tocaram o fundo, surpreendi-me, incrédulo, com a água não mais que dez centímetros acima do umbigo.

A madame da foice, surpreendente, como às vezes costuma ser, só queria brincar comigo, dar-me uma lição, fazendo-me nadar em círculos, até minhas últimas reservas de força, sem dar-me conta de que não saía do lugar.

MCSobrinho
Enviado por MCSobrinho em 16/11/2016
Reeditado em 05/06/2020
Código do texto: T5825377
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