AVENTURAS DE UM SOLDADO DA BORRACHA
Entre os anos de 1943 a 1945 milhares de nordestinos caíram no conto do vigário promovido pelo governo de Getúlio Vargas ao se alistarem no “Serviço Especial de Mobilização de Trabalhadores Para a Amazônia”, SEMTA. Este órgão, criado em 1943, como parte dos Acordos de Washington, tinha por finalidade o alistamento compulsório, o treinamento e transporte de nordestinos para servir de mão de obra na extração da borracha na Amazônia, objetivando fornecer tal matéria-prima para os aliados da II Guerra Mundial.
Entre os muitos recrutados estava o jovem Celestino Falcão da Silva, que deslumbrado pelas vantagens do programa, viu a oportunidade de realizar o sonho de servir seu país como “Soldado da Borracha”, ao mesmo tempo em que teria a chance de ganhar muito dinheiro com a extração do ouro branco providos dos seringais da Amazônia. Ledo engano...
Cinquenta anos depois, esquecido pelo Estado que serviu, e sem ter logrado êxito algum com a fortuna prometida nas falsas campanhas propagadas pelo governo Vargas, Celestino, sentado à beira do barranco que margeia o Rio da cidade que o acolheu, pitando seu cigarro de palha, começou a prosear com seu amigo Menescal. Recordando algumas de suas muitas aventuras lembrou que, em meados de 1945, ao caminhar por das muitas trilhas do seringal acreano de onde recolhia o leite das seringueiras, percebeu que atrás de si despontava entre os folhareis um barulho de pisada forte que se assemelhava a de um animal selvagem de porte grande. Parou, olhou para trás, e o que viu lhe deixou apavorado: era uma enorme onça pintada, magra e faminta que espreitava com sua avantajada boca salivando.
Celestino com sua voz fanha e rouca, narrou que, mesmo apavorado, não sabe dizer como conseguiu manter o “sangue frio”. Devagarinho colocou no chão o cesto com os seus apetrechos de trabalho, armou sua espingarda com o cartucho que tirou do bolso e mirou entre os olhos da ardilosa onça, que como se tivesse tirando onda do “arigó” sentou-se e passou a lamber as patas fixando seus olhos naquilo que certamente seria sua futura e apetitosa refeição, ou seja, o próprio Celestino.
O jovem seringueiro sabendo que a onça pintada o via como desjejum, ficou com suas pernas tremendo mais que vara verde, e mesmo assim, conseguiu apontou sua arma, mirando bem entre seus olhos, disparando-a sem pestanejar contra a fera. No entanto, para surpresa de Celestino o cartucho não disparou, bateu “catolé”, como diz o caboclo. Na sombra de todo seu desespero viu-se armando o gatilho de sua espingarda, uma, duas, três, quatro vezes, e em todas às vezes os cartuchos falharam. Celestino não viu alternativa contrária a não ser pensar rápido. Se corresse a pintada o agarraria e o esfolaria em poucos segundos, sendo de certo devorado com muito gosto pela fera. Se ficasse e enfrentasse a “mardita” talvez pudesse lograr uma oportunidade de sobreviver.
Mesmo franzino e sabendo que suas chances eram mínimas resolveu enfrentar a temível fera. Sacou da bainha seu afiado facão, e antes que a fera avançasse, com sua fala macia, Celestino fez um apelo ao seu santo protetor: - Meu São José, se o Senhor for meu amigo, e não for amigo da onça, fazei que eu mate essa “mardita” fera com uma só estocada. Mas, se o Senhor não for meu amigo e for “amigo da onça”, eu vou logo lhe avisando, pode procurar um tronco de árvore apodrecida que está aqui no chão e sentar-se nele, porque o Senhor vai ser testemunha de uma briga porreta entre duas bestas, pois eu não vim aqui pra morrer comido por fera não, eu vim aqui pra servir o meu país e ganhar muito dinheiro!
Celestino em confronto mortal com o gigantesco felino, milagrosamente acabou por vencer o combate, e ainda levou o couro da danada para secar e pendurar na parede de seu casebre, servindo-lhe de troféu e lembrança de sua vitoriosa batalha. Diga-se de passagem, essa não foi sua pior experiência nesses ermos hinterlandinos. Quanto ao Santo, este mostrou ser realmente seu amigo. Celestino continuou fazendo suas orações em agradecimento a São José, seu protetor, amigo e companheiro inseparável de suas histórias.
Eis o fim da aventura, entretanto, vale lembrar que Celestino não ficou rico como prometera seus patrões aliciadores. Morreu de velhice esperando receber do governo o reconhecimento de seu trabalho e dos serviços militares a nação prestada, assim como os proventos prometidos como Soldado da Borracha. Foi mais um dos milhares de nordestinos que sonhou com o eldorado e que fizeram nossa história. Foi também um artista, poeta, contador de causos e herói anônimo...
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