Aracu comprar moto

Aracu é um índio de etnia Mehinaku, mora na sua aldeia, no Alto Xingu. Trabalha com madeiras com extrema perfeição. Sabe fazer banco de macaco, onça, anta e urubu de duas cabeças como ninguém. Sentimos, no seu trabalho, intimidade com os animais. Ele sabe direitinho como é o caminhar da onça, o balanço do rabo do macaco.

Um dia Aracu ligou na loja do Marcelo:

- Marcelo, eu queria comprar moto, mas eu não tem dinheiro. Você pode comprar banco pra eu ter dinheiro? – ele tem a fala toda cortada do jeito de índio falar.

- Claro, Aracu. Eu compro banco – Marcelo sabe que ele é um dos melhores em bancos no Xingu. – Mas, quantos bancos você vai fazer?

- Vou fazer dez bancos grandes. Você compra?

- Compro. Quando tiver pronto, você pode me ligar.

Aracu achou de preparar os bancos. Feliz, confiante, sem pressa, porque pressa ele não tem. Desligou o celular e falou com a mulher, na língua Aruak, em comedidas palavras:

- Estou indo fazer os bancos do Marcelo.

Nada mais ele disse. Mas a mulher sabia que ele passaria dias no mato. E que a moto estava garantida! Ela ficou feliz e tratou de preparar-lhe algum alimento para viagem – beiju, mingau, amendoim. Embrulhou numa esteira e deixou junto da sua rede.

Aracu andou pelo mato durante quase três horas. Ele queria achar a árvore certa, ele sabia onde ela estava. Chegou no pé daquele Cumaru já era fim de tarde. Fez uma fogueira, atou sua rede e comeu o beiju que mulher mandou. Essa noite dormiu no mato. Na manha seguinte começou a cortar a árvore com o machado. Cortou a árvore em dez bons pedaços.

O primeiro que ele começou a entalhar foi o macaco. Usando o facão, foi aparecendo as primeiras formas do animal. Trabalhou nele o dia inteiro. Na manha seguinte, carregou a peça, já um pouco mais leve, até a aldeia. Mesmo assim eram 40 ou 50 quilos pela trilha.

Chegando em casa, comeu bem, se banhou no igarapé e passou ali alguns dias terminando o animal.

Voltou. Pelo mesmo caminho. Começou o segundo banco. Onça. Onça em movimento, pulando. Era mais difícil de fazer, seria mais caro. Trabalhou nela por dois dias ali no mato. Sozinho. Só ele e a onça de pau.

Voltou pra aldeia. E depois voltou pro mato. Assim ele fez muitas vezes, sempre pelo mesmo caminho. Na medida que ele ia e vinha naquela mesma trilha ele foi percebendo que alguém o seguia. Ele não viu nada. Pressentimento de índio. Mas Aracu é corajoso. Começou a andar de espingarda. Foi e voltou pra aldeia, foi e voltou pro mato. As vezes dormia no mato, sempre no mesmo lugar. E parecia que alguém olhava pra ele, parecia que ficavam espiando.

Quando Aracu estava tranquilo começando o último banco ele ouviu uma zuada no mato, um barulho de repente. Ele não sabia o que era, ainda não tinha visto. Correu, pegou a espingarda e apontou pra direção do barulho. Do nada a onça surge num pulo pra cima dele. Um barulho feroz. Ele dispara contra ela, mas erra. O bicho foge.

Seu coração dispara, ele continua empunhando a espingarda, espantado, aterrorizado. Nunca esteve tao perto do bicho animal. Olha por todos os lados se certificando de que ela se foi. O índio assustado espera um pouco mais. Ajunta suas coisas e coloca o último bloco, bastante bruto e pesado no ombro, a espingarda na outra mão e trata de voltar pra aldeia, rápido.

Leticia Baeta
Enviado por Leticia Baeta em 13/03/2016
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