O rapto de Sireti Kayabi
Sireti Suhia morava na aldeia onde hoje é o posto da Funai diauarum, na junção dos rios Suhia Missu e Xingu. Morava feliz: marido, filhos, família. Certo dia os Kayapó atacaram a aldeia, chegaram por terra, raptando meninas e mulheres. Eram perto de quatro horas da manha, os homens estavam em pescaria. Cada guerreiro chegou escolhendo a sua. Na correria, na matança. Gritaria, desespero, golpes fatais de uma borduna. Era uma questão de necessidade, sobrevivência de um povo. Levaram seis mulheres e uma criança - uma delas era Sireti. Isso aconteceu por volta de 1930.
- Não! Me larga, me larga! - elas gritavam na sua língua. Quem podia escondia os filhos quem não podia gritava em total desespero:
- corre filho, corre filho!
Esperneavam, gritavam. Eles agarravam, tapavam-lhe a boca, puxavam pelos cabelos, lindos cabelos pretinhos.
Saíram correndo pela mata, seis homens, seis mulheres e uma menina. Mas a cunhantã fazia muito barulho. Parece que ela tinha queimado a perna, devia estar doendo muito e ela chorava demais. Certo momento os homens pararam e discutiram friamente se matavam ou se seguiam adiante. Ela estava atrasando demais a viagem, e os homens Kayabi deviam estar logo atrás.
- Se matarem ela, me matem também - Sireti falou sem medo, olhando pra filha.
- Eu me responsabilizo pela menina. Eu levo a mulher e a filha – afirmou o Kayapo, dono de Sireti.
A decisão foi respeitada e eles seguiram com a fuga.
Corriam mas a menina incomodava. Chorava. Estava enlouquecendo os guerreiros. Pararam novamente. Era questão de sobrevivência de um povo. Um deles pegou a menina pelos pés e, feito um tapetinho empoeirado, bateu sua cabecinha numa árvore. O sangue explodiu.
- Não!!!! Não!!!! Não!!! - a mãe gritava loucamente.
Seguiram viagem.
Chegando na aldeia, as mulheres foram tratadas como deusas. Cada guerreiro cuidava de sua nova esposa com o maior zelo e amor. Mas, Sireti, Sireti não tirava da cabeça a morte da filha. Diferente das mulheres Kayapo, as novas esposas sabiam fazer cerâmica, beiju, perereba. E os homens amavam isso, amavam suas esposas. Tiveram filhos. Os mulheres também amavam seus maridos e a nova vida. Mas, Siteti, Sireti não tirava da cabeça a morte da filha.
Dois anos se passaram e elas nem sentiam mais saudades da vida antiga: aldeia, língua, costumes, filhos, homens. Tinham toda a confiança dos maridos. Iam pra roça e voltavam. Apenas sireti sentia falta de tudo isso, porque ela nunca amou aqueles que mataram sua filhinha. Sireti então começou a conspirar uma fuga. Queria voltar para sua aldeia. Começou a reunir as mulheres na roça para convencê-las, encorajá-las e combinarem a fuga. Nessa época os Kayapo já usavam facões e elas juntaram alguns num esconderijo na roça. A cada ida na roça elas armazenavam um pouco de comidas para levar e combinavam e conspiravam e Sireti não esquecia da morte da filha.
No dia marcado elas saíram pro roçado e não voltaram mais. Abandonaram maridos e filhos pequenos. Andaram. Sireti tinha um senso de direção e uma percepção incrível que deixa marca entre os Kayabi. Andaram por quase dois meses no mato sem se perder. Sofreram. Sofreram. Passaram fome, frio, medo. Quando cruzaram o rio .... Ela teve certeza que estavam no caminho certo, e estava perto. Alegres, emocionadas em reconhecer a área perto da aldeia elas começaram a correr, suas pernas doíam, seus pés sangravam mas elas corriam e choravam.
- Chegamos, chegamos!!!!
Quando elas entraram na aldeia não havia ninguém. Os Kayabi tinham abandonado a aldeia fazia alguns meses. Elas não acreditaram. Não sobreviveriam mais. Não era possível, não era possível! Se tacaram no chão chorando em profundo desespero e se entregaram ao sol quente. Não cabia mais ânimo, não cabia mais força. O suor, as lágrimas, o sangue daquelas mulheres misturava-se a terra árida da aldeia abandonada.
Mas Siteti aos poucos começou a catar pequis pelo chão. Por sorte era época de pequis e elas os comeram sedentas como bichos famintos. De repente viram dois homens chegando e se esconderam assustadas. Depois viram as canoas e reconheceram que poderiam ser parentes kayabi. Kayapos não usavam canoas.
Aqueles homens sempre voltavam nessa época para colher pequis. Então elas gritaram chamado por eles. Os homens foram chegando perto, receosos, e mal reconheceram suas parentes. Elas estavam magérrimas - pele, osso e carrapatos pelo corpo todo. Se abraçaram e choraram. Sireti sabia, Sireti sabia que daria certo. Os homens levaram as mulheres para a canoa, cataram muito pequi e foram embora para a nova aldeia, rio acima, pois era mais protegida contra ataques dos Kayapó.