Tiepi e a cobra grande
Um dia, na Aldeia Yawalapiti, no Alto Xingu, aconteceu que uma índia virgem em reclusão se sujou toda de pintura de menino. Quando o dia amanheceu e iluminou seu corpo de menina moça, logo a mãe viu. Indignada com ela e com ele, quis saber urgente quem aquilo fizera. Como era véspera de festa e todos os meninos já estavam prontos e pintados, a mãe chamou um por um pra ver qual das pinturas havia carimbado o corpo de sua filha. A fila andava, um a um, passando pela analise da mãe. Enfim, parou. Ela ergueu os olhos e viu o próprio filho.
Desesperada, inconformada bateu nos dois de pintura igual e mandou o filho embora de casa, embora da aldeia. “Sai da minha vida”. Não conseguia mais ve-lo. Espancado, arranhado e humilhado, o jovem foi embora para o mato. Ele havia amado a própria irma. E ali ficou. E ali ficou. E no mato ali ficou.
Tiepi, seu melhor amigo, levava comida e mingau de beiju todos os dias para ele. Todos os dias. Mas o tempo passou e o menino no mato sentia que cada vez mais não mais menino se sentia. O mato o estava tomando, o dominando. E o espírito da cobra grande rondava pesado sobre ele. “Por favor, Tiepi, não volte mais” - o amigo implorava. “Não preciso mais de comida. Não venha mais, posso ser perigoso para você.” Mas Tiepi não temia o mal para salvar o amigo. Insistiu e, vez em quando voltava.
Um dia entrou no mato e não mais o encontrou. Viu um grande trançado de buriti, em formato cilíndrico. Assustado, largou a comida e foi embora. Ao sair, ouviu uma voz que gritava: “Não venha Tiepi, por favor não volte mais amigo! Não volte mais!” - mas não viu o amigo.
Tiepi desesperou. Guerreiro e lutador, chegou na aldeia aos prantos e contou pra todos o que havia acontecido. Ele precisava salvar o amigo. Tiepi amava o amigo. Em pouco tempo toda a aldeia estava mato a dentro. Viram com os próprios olhos o grande trançado que já se mexia como cobra, como a maior cobra que eles já haviam visto. Sua mãe e sua família já o haviam perdoado e, mesmo cobra, queriam contê-lo.
– Meu filho não vai, meu filho não vai! Não vamos deixar que vá embora! – gritava a mãe, em profundo desconsolo. Fizeram então um grande círculo em volta do medonho animal. Mas a cobra trançada, de vida ganhada, se mexia nervosa e chorava por dentro. Não queria machucar ninguém, mas era tarde demais, impossível conter seu instinto matador. Por fim a cobra deu o bote, pulou alto e saiu rasgando a grande mata, matando e derrubando quem, por amor, ali passava.
Baseado na mitologia xinguana