Revolta e o cangaço moderno

REVOLTA E O CANGAÇO MODERNO

Outro dia sai pelas estradas das Serras Gerais, visitando pessoas e famílias agredidas em constantes roubos que aconteceram e vem acontecendo recentemente em Espinosa. Passei pelo Pernambuco, Charco, Pajeú, Mingu e Santo Antonio, retornando à cidade muito chocado com as narrativas e acontecimentos criminosos. Foram várias visitas em companhia dos companheiros Wagner do Jornal de Espinosa e do professor Amadeu.

Ao chegar ao Pernambuco fomos recebidos por um senhor que narrou a seguinte história:

Saiu de sua residência naquela comunidade e foi em direção a cidade de Espinosa, com a intenção de comprar ali quatro sacos de cimento. Voltando com o material adquirido, nas proximidades da casa do pai do professor Amadeu, foi surpreendido por quatro elementos em duas motos que o rendeu, ameaçou, agrediu e enfiando a mão em seu bolso retiraram dali os últimos dezenove reais que possuía e que sobrara da compra do cimento. Diz ter sido momentos de muito nervosismo dos assaltantes e terror da sua parte.

Continuamos a viagem chegando à comunidade do Charco. Encontramos velhos amigos, como Nogueira e Domingos Fagundes, comentamos sobre o nosso objetivo ali que era de ouvir as pessoas que sofreram agressões em assaltos, quando apareceu uma senhora e uma criança que vinham pela estrada abaixo do asfalto, nas proximidades da casa do senhor que sabíamos ter sido vítima da ação dos marginais. Então, o Nogueira disse:

- Olha ai, é a filha dele.

Indaguei então:

- Será que ela se importaria de nos contar a história?

- Acredito que não. Veja com ela - respondeu Nogueira.

Abordamos então a senhora que prontamente nos levou a casa. Uma velha residência no centro e única praça da comunidade, com velhas portas e janelas ainda fechadas com “tramelas e trancas”, pequenos pedaços de madeira utilizados para travar em substituição a fechaduras comuns. Abriu, mostrou o local onde o pai teria sido agredido e contou a seguinte história:

- Os bandidos chegaram de madrugada na casa do meu pai, agrediram muito e exigiram a entrega de valores em dinheiro.

Nesse momento, dentro do quarto da vítima, ela aponta um canto entre uma velha cama de casal e um guarda roupas, um espaço de no máximo um metro, e diz:

- Meu pai caiu ali, onde está a marca de sangue. “Parece que mataram um bicho de tanto sangue”. As manchas não saíram do chão. Bateram muito nele. Encontramos caído ai, o pegamos e levamos ao hospital, levou muitos pontos na cabeça. Hoje está em São Paulo tratando. Vendeu seu gadinho e foi prá lá. “Não quer voltar mais não”.

Talvez o fato mais grave e chocante tenha sido este, do senhor do Charco.

Mas, seguimos viagem até a comunidade do Pajeú, chegamos à porteira e perguntamos pelo senhor que havia sido agredido e assaltado próximo aquela comunidade. Antes, não pudemos deixar de ver as belezas daquela propriedade, uma lagoa ao fundo da residência onde nadavam alguns patos silvestres entre outras aves.

Entramos na residência e conversamos com o proprietário, um senhor de aproximadamente 90 anos, com sérias dificuldades de locomoção e portador de ponte de safena.

Ao indagarmos a sua idade ele nos respondeu:

- “Olha meu filho, eu acredito ter 89 a 90 anos, porque quando fui casar com essa dona ai – a senhora dele estava em pé junto ao batente da porta. Uma senhora que aparentava a mesma idade daquele senhor - Precisava saber a minha idade e, como não tinha documentos e não sabia, procurei o meu avô e padrinho, que matutando um pouco disse que eu teria nascido nos anos da revolta do cangaço, lá pelos anos de vinte e seis. Explicou então que naquela época os revoltados chegavam aos bandos de cangaceiros, assaltavam fazendas, sequestravam proprietários rurais (fazendeiros) e também saqueavam os armazéns e residências. Então, o avô padrinho aliou o fato ao seu nascimento, que ocorrera dentro das veredas e cavernas em fuga e defesa do ataque do cangaço”.

Esse movimento de revolta e cangaço narrado pelo senhor, foi originado principalmente nos estados nordestinos do Ceará e Pernambuco, devido ao agravamento da seca, miséria, fome e violência no sertão, formaram-se grupos ou bandos de cangaços liderados por Inocêncio Vermelho, João Calango e Virgulino, o Lampião, entre outros. O movimento do cangaço durou entre os anos de 1870 a 1940, quando então, em 1938, forças militares comandadas pelo tenente João Bezerra e pelo Sargento Anacleto Rodrigues da Silva, armados com metralhadoras, abriram fogo e acabaram com o grupo mais famoso e temido, o liderado por Lampião.

Voltamos aos tempos atuais e a narrativa do senhor:

- “Quando eu trouxe água aqui para comunidade, foi de lá dessas veredas. Depois voltei e comprei o direito de outra água mais distante. Hoje o povo não agradece, e olha que não aparece outro para fazer o que fiz”.

Nesse ponto da narrativa escuto um resmungo da sua esposa:

- Hum! Encontra sim.

O senhor então narrou o acontecimento, objetivo da nossa ida ali, um assalto ocorrido ao ônibus em que estava, quando seis assaltantes renderam motorista, passageiro e mais um motoqueiro que transitava pelo local, levando valores e pertences.

- “Um deles me deu uma pernada nos peitos e derrubou no chão, onde fiquei deitado olhando para eles e pensando: se estivesse armado queimava pelo menos uns dois. Eu podia até morrer, mas levava pelo menos um”.

Novamente a senhora resmungou:

- hum! – como quem não confiava muito na valentia do marido.

Despedimos daquela família, após fotografias e um cafezinho quente, partindo em busca de outros fatos relacionados a atual violência, desta vez, na comunidade do Mingu, caminho de volta a Espinosa. Conversamos com outra família agredida e assaltada. Ali percebemos o medo, a insegurança e a falta de confiança em continuar naquela residência, local de dezenas de anos de vida e história familiar. Partimos dali e nos dirigimos a comunidade do Santo Antonio, local onde reside outro senhor assaltado nas mesmas condições. Novamente o medo, só que desta vez de repreensão do chefe político, acreditando que contando a história prejudicaria o seu chefe político e então prefeito. Lembrei-me aí dos tempos dos coronéis, situação semelhante a vivida em Espinosa neste período de governo dos fatos narrados. Onde as pessoas são reprimidas e, com medo da perseguição política do prefeito, preferem o silêncio.

Após um tempo ouvindo as narrativas dos acontecimentos, visitamos a pequena igreja que fora reformada e com reinauguração prevista para os próximos dias.

Assim, nas andanças relatadas acima, percebemos como estão agindo os novos cangaceiros do sertão, que hoje substituíram os resistentes cavalos e muares de antigamente, por possantes e velozes motocicletas, que usam, para em poucos minutos distanciarem dos locais dos crimes. As barbaridades por eles cometidas nada ficam a dever as covardes ações violentas dos seus antepassados, os revoltados e cangaceiros do sertão nordestino.