Deposite Aqui Sua Sugestão
Sábado, dia monótono para aqueles que dormem até o meio dia, exceto para Alvinho que despertou cedo, contudo o dia parecia que iria tomar os mesmos rumos do sedentarismo e preguiçosamente modorrento, contar os segundos à espera do macarrão com frango dominical. Surgido dos horizontes da imprevisibilidade, o sujeito examinou a bike, ajustou o alforje sobre a garupeira, calibrou os pneus e soliloquiou: “Pedalar 10 km em 10 min é melhor que deixar de viver 10 horas; e é isso que vou fazer”. Saiu. Para quem o conhecia, aquilo soava estranho, porque alforje estufado aparentava vários 10 km de estrada.
O velocímetro indicava a quilometragem estipulada, quando o pedaleiro imaginou que quem pedala 10 km, repete a dose de igual quilometragem; quando deu por si, estava com os músculos aquecidos, os olhos fixos no ocaso, resistindo intensamente em ver a paisagem ao redor da estrada, fatores que o fez estar completamente fora de área. Diferentemente de certas áreas da tecnologia que dependem da ocasião e condições de relevo, o pedal depende somente do entusiasmo, equilíbrio emocional e a volúpia dos braços do Pedaleiro em abraçar e apoderar-se do mundo.
Da imprevisibilidade fez-se a viagem, levando Alvinho a cruzar as serras do circuito Paulista das Estâncias Hidrominerais; região exuberante e farta em águas medicinais, elementos básicos e elementares para resistir o cansaço e a fadiga daqueles que atravessam o deserto. Afinal, pedalando uma magrela em distâncias longas, sentia-se um dromedário, obviamente, sem corcova. Com esse espírito de aventura e solidão, queimou 350 km de asfalto, passando por oito cidades.
Endereço? Quando o possuía, era itinerante e no máximo por uma noite nos quartos de hotéis; isso porque, sem dar trégua, os marcos de quilometragem das rodovias passavam por ele voando, o que ludicamente o irritava, fazendo-o disputar corrida com aquelas pequenas estruturas de concreto e como quem tenta acompanhar o vento, tentava acompanha-los: disputa inglória e inútil.
Nos quatro dias de estrada, cruzou com miríades de fatos inusitados. Com o suor escorrendo-lhe aos borbotões pelo corpo, lentamente subindo uma das serras, cuja rampa era leve, mas demasiada longa, encontrou um tamanco feminino de madeira maciça. Mesmo perdendo impulso, parou a magrela, fitou o objeto, pegando-o na mão. Ao amarrá-lo em cima do alforje, pensou: “Mais um peso a ser transportado, todavia certamente, esse daqui não será usado para abrir a cabeça de mais ninguém. Também sou cabeça dura e pertenço à classe dos machistas”.
Ainda nesse trajeto, parou numa praça para estirar os músculos, espantar a preguiça e chupar laranjas. Ficou por ali certo tempo olhando os idosos jogando truco, carteado comum e habitual nas mesas das praças públicas, até que um senhor deixando passar a primeira em favor do adversário, encobriu debaixo do baralho a mania na rodada do meio e o Zap para o final; ficando para trás com a mania maior, chamou o truco com um barulhento “Seis” e obviamente, perdendo e afundando o barco com ele e os parceiros. Alvinho balançou a cabeça em sinal de protesto e partiu pensativo: “Se não aprendeu com essa idade, não será de agora em diante que aprenderá! Com todo respeito, Deus dotou o homem de inteligência, corpo perfeito e deles fazer uso para si e coletivamente; no entanto, existem uma gama deles que se forem decapitados, o corpo não sofre nem um pouco; afinal, os pensamentos, as emoções, a inteligência, a percepção e cabeça são tocados pelo vento".
Estando ele na “última e derradeira” cidade do percurso, coerente e priorizando o seu bem estar de viver, dirigiu-se à rodoviária. Comprou passagem e como é também um ser biológico necessitado de pão, água e comida, foi em busca de matar que o matava. Pacientemente, esperou sua vez encostado ao balcão. Ao lado ficava a caixa de sugestão que naquele instante, estava vazia. Entretanto, uma vez que ela presta para isto, um executivo pede para a atendente um pedaço de papel, tira do bolso a caneta e escreve duas frases, (se muito) com incrível conhecimento de causa: “Isso não é filé-mignon nem aqui e nem na China”. Alvinho se perguntou como são os olhos, o ruminar e o defecar dos ruminantes na China; pois o homem deu a entender que sabia tudo e mais um pouco de bois e espécies afins.
- Quanto mais possuem, menos oferecem e mais querem! Brasileiro é um fosso de exigências, exceto de respeito e doação. Ainda pensando baixo com sua magrela, sentenciou: "Deposite aqui a sua sugestão, talvez, quem sabe com elas, na próxima viagem sobre os pedais o que não tardará, possa escrever algo mais útil, benévolo e profícuo".
Depositar aonde? Alvinho transportava tudo dentro do minúsculo alforje: emoções, sentimentos, desilusões, tristezas, meios de sobrevivência, alimentos, alegrias esfuziantes, meias, pomadas, lubrificantes, camisinhas, creme dental, cola, remendo, chaves, escova de dentes, cuecas, papel higiênico, blocos de papel, penas, escrivaninha, cadeiras, tamancos (apagadores de traição); exceto, borracha e caixinha porta sugestões. Alvinho é benevolente e sabido; porém, excessivamente desprevenido.
- Seria esse o mal imperativo da imprevisibilidade residente sobre os aventureiros e experimentalistas? Mandela e Sadam Hussein, como era o filé mignon da África e da Arábia Saudita, porque até onde se sabe, por lá é tudo seco e árido, com a boiada usando óculos de lentes verdes na tentativa de mascarar o capim seco da Natureza e a fome absoluta?!