A CAVERNA, OS MERCENÁRIOS E OS DESPOJOS
 
Nos arredores daquela caverna, escondida nos confins do sul do País, se encontraram em suas buscas por despojos de antigos exploradores, dois mercenários rivais em suas buscas e semelhantes demais em suas atitudes e personalidades. Um esguio, alto, moreno de olhos azeitonados e pequenos, de uns 35 anos de nome Nestor “O pagável”, tem esse codinome por se sujeitar a enfrentar qualquer demanda, desde que aceitem seu preço, era tremendamente impulsivo.  

O outro loiro, de estatura mediana, olhos verdes felinos e ferinos, louro, de corpo bem formado de seus 28 anos, embora tenha a pele fustigada pelo sol e aparente ter um pouco mais de idade, seu nome é Renan “O sábio louco”, tinha esse apelido, por ser um aventureiro sagaz, mas, que pensava bastante antes de agir.

Ambos encontraram nos antigos arquivos da prefeitura da cidade, a indicação de que um grupo de exploradores, se perdera nas diversas vielas dentro daquela caverna e nunca mais foram encontrados, nem seus pertences, alguns de algum valor e outros se valorizaram, pelo tempo que já havia se passado. A expedição estivera por lá nos idos de 1730, e como a caverna ficava em meio a uma mata muito fechada, o acesso era difícil, e diziam ser mal assombrada, e isso afastou por séculos qualquer outro curioso.  

Eles já se conheciam de outras jornadas arriscadas, e não se espantaram com o encontro, sabiam que a competição seria acirrada, pois pelo vil metal, eles faziam coisas absurdas, até mesmo roubar os despojos de outros concorrentes. Acenaram com um leve balançar de cabeça, não eram amigos, buscavam as mesmas coisas. Cada qual segui uma pista, se distanciaram, levavam mochilas com víveres, água, pequenas ferramentas, lanterna e pilhas, pequenas barracas de acampamento e uma manta, tudo estava bem acondicionado, para que seus braços ficassem livres durante a exploração.

Depois de dois dias de muita procura e suor, Nestor encontrou próximo a uma rocha pontiaguda e não muito segura, que parecia prestes a cair, algo que brilhava. Olhando mais de perto, verificou tratar-se de um bracelete cravejado de pedras, mas estava difícil de alcançá-lo, procurou por algum tipo de galho fino, retornou por uns 30 metros do lugar onde estava e achou um que parecia servir, retornou ao lugar, mas, não avistou mais o bracelete, não ouvira nenhum ruído na caverna escura e adivinhou, que Renan o havia encontrado e achado uma maneira de tirá-lo de lá, sem que a rocha caísse, isso lhe deixou irado, e resolveu contornar a rocha e seguir em outra direção, pois quem sabe não poderia recuperá-lo mais tarde, o desafio estava ficando interessante.

Numa fenda bem no alto da caverna estava entrando um fino faixo de luz, Nestor, resolveu parar naquele ponto, para esticar um pouco as pernas, comer uma barra de cereais e um gole d`água, quando se sentou, algo espetou sua coxa e torceu para que não fosse algum bicho, percebeu que era um punhal com o cabo feito de ouro com uma pedra vermelha incrustrada, o metal devia ser valioso também, pois apesar dos anos, ainda mantinha um brilho necessitado de trato, mas, em muito bom estado, colocou-o rápido na mochila, expandiu o foco da lanterna no entorno de onde estava e deu uma sorte danada, uma pequena bolsa de couro, bastante dilacerada estava bem às suas costas, meio soterrada por pedrinhas e cascalhos, ele a pegou com cuidado e dentro havia um espelho, provavelmente de uma mulher, dois anéis de ouro sem pedras e um outro punhal de cabo de madrepérola contornado de ouro, ficou enormemente satisfeito com seus achados, era sinal que a expedição era de pessoas abastadas, talvez curiosos da corte, pôs tudo junto com o outro punhal, e relaxou um pouco mais, sua aventura estava começando muito bem. Ouviu passos se aproximando e tratou de se esgueirar por outra viela da caverna, pois não queria encontrar com Renan, caminhou bem rápido, apagando seus passos com o graveto que havia buscado para tentar pegar o bracelete, Renan que seguisse suas próprias pistas, ele não iria auxiliá-lo.

Renan, não havia percebido a presença de Nestor, achara o bracelete por pura sorte, ao tentar se desviar da rocha que parecia prestes a cair. Como em seus apetrechos tinha um arame fino bem enrolado, fizera com ele um anzol e retirara o bracelete até com muita facilidade, era uma joia caríssima pois tinha muitos rubis encravados em toda a sua volta, ao chegar ao mesmo ponto onde Nestor estivera, não percebeu seus vestígios, e por puro acaso se sentou para descansar praticamente no mesmo lugar, já tinha bebido água em outra parada, apenas comeu um grande biscoito seco e se recostou na parede, ficou pensando e colocando o foco de sua lanterna nas áreas mais próximas a ele, e notou uma coisa metálica meio enterrada há alguns passos de onde estava, levantou e seguiu até o local, pegou uma pequena pá em sua mochila e foi cavando cuidadosamente e quase pulou de susto, era uma mão desossada com vários anéis todos cravejados de pedras preciosas, tirou-os rapidamente dos dedos do finado e riu de alegria por seu achado valioso, guardou tudo na mochila, e resolveu investigar mais fundo no mesmo lugar, apoiou a lanterna no chão para ficar com as mãos livres e se pôs a cavar, era mesmo um expedicionário nobre, pelas roupas que trajava, já muito corroídas pelo tempo, achou um cinto de couro bem podre, mas, que tinha uma grande fivela de ouro com uma única pedra brilhante, que não soube precisar qual era, separou e continuou cavando, descobriu uma outra ossada e uma bolsa de couro esfacelada  no meio dos dois esqueletos, provavelmente de uma mulher, aí sua sorte brilhou mais do que as joias, encontrou umas 12 moedas de ouro e prata, um carteira de fumo bordada a ouro, um anel com uma enorme esmeralda e um pequeno punhal de cabo cravejado de brilhantes, que devia pertencer a mulher, achou também, cálice de ouro dentro da esfacelada bolsa de couro. Guardou todos os seus despojos e saiu bem rápido de lá, entrando em outra viela da caverna, por um caminho diferente do que fizera até ali. Renan era um louco e um sábio, por onde entrara na caverna deixou bem escondido, pequenos sinais feitos com spray de tinta para achar o caminho de volta, não queria ter o mesmo fim de seus antecessores, nem queria facilitar a vida do impulsivo Nestor.

Os víveres e água que ambos levaram estavam acabando, só poderiam ficar na caverna por mais um dia, ainda não haviam se encontrado até agora. Renan, se deu por satisfeito e já estava fazendo o caminho de volta seguindo os sinais que deixara, quando encontrou com Nestor muito machucado e com a perna presa por uma rocha, parecia que a perna estava esfacelada, e Nestor estava desmaiado, pegou um pouco de água em seu cantil e passou por seu rosto, deu umas palmadas nas faces para ver se ele recobrava os sentidos, e lembrou que havia trazido um pequeno frasco metálico com rum, e fez com que Nestor o cheirasse e isso o reanimou.

Olhou à sua volta, para ver se havia alguma maneira de soltá-lo, mas a rocha era muito pesada, sem uma alavanca e ajuda seria impossível retirá-lo de lá. Perguntou a Nestor o que iriam fazer, a única solução seria cortar a perna de Nestor na altura do joelho, mas, ele sangraria demais até que saíssem da caverna, o moribundo Nestor, lhe apontou para sua própria mochila, pediu que ele deixasse o rum, levasse sua mochila e continuasse seu caminho, para ele a aventura terminara.

Renan era mercenário é verdade, mas também era um ser humano, não queria deixá-lo para morrer, mas, a situação era difícil, seguiu o caminho da saída da caverna, dizendo que iria buscar ajuda, mal dera cem passos e um enorme estrondo pôs abaixo a entrada da caverna, fechando-a completamente, agora bastava rezar pela alma de seu concorrente, nada mais havia para se fazer, chegara mesmo sua hora.


Passados alguns dias do acontecido, Renan amealhara um bom dinheiro, mais ainda do que esperara conseguir, com a venda no mercado negro das antiguidades encontradas. Não sabe o motivo, mas, guardara consigo o somente o bracelete encontrado por Nestor, apesar de valioso, ele não se desfez dele.

Num outro dia qualquer, estava num bar gastando parte de seu dinheiro, e avistou uma moça muito jovem e bonita, que parecia triste, se aproximou dela, puxou assunto, ela era simpática e aceitou a abordagem. travou uma conversa inocente com ele, que claro, perguntou o motivo de estar com o rosto tão triste.

Ela explicou que seu pai desaparecera há alguns dias, ele era um comerciante de armas, e disse a ela (moravam só os dois) que iria fazer uma entrega numa cidade nos confins do sul do País, descreveu seu pai, e Renan logo percebeu, que o pai da moça, se tratava do falecido Nestor, e ele não havia contato para a filha, sua verdadeira profissão. Renan fez mais algumas perguntas e disse ter conhecido seu pai, e a notícia que tinha para dar pra ela não era boa, ela se assustou, e ele disse que seu pai havia sofrido um acidente, e como não havia aparecido nenhum parente para reclamar o corpo, ele havia sido enterrado como indigente, deu a moça o bracelete dizendo que ele fora encontrado nas roupas de seu pai. Renan, não desfez a imagem de Nestor como comerciante de armas, nem falou dos outros despojos que estavam com Nestor.


Ela chorou copiosamente, depois que se acalmou, bebeu água, Renan lhe perguntou se ela tinha algum outro parente, para onde pudesse ir, ela disse que não, então Renan, tomou a decisão de ajudá-la a vender o bracelete, e como ele era bem valioso, ela poderia se manter bem até encontrar algum trabalho, ela aceitou a ajuda, pois nesse momento estava completamente atordoada. 

Combinaram de se encontrar dois dias depois no mesmo bar e ele lhe daria notícias se havia encontrado um comprador e assim a coisa deu certo, conseguiu um excelente preço, mas, não poderia entregar o valor para ela, no bar. Seu nome era Nádia, acertaram de ir juntos até um banco e abrir uma poupança em nome dela, pois era mais seguro. Tudo feito e acertado, se despediram e Renan foi embora para sua cidade no centro sul do País. Na sua memória e em seus sonhos às vezes vinha a imagem de Nestor, como que agradecendo o que ele fizera, sentiu-se bem com o feito.

Uma semana depois, recebeu uma dica que haviam encontrado numa aldeia indígena lá nos confins do Acre, vestígios de uma antiga civilização muito rica, e logo despertou seu ímpeto aventureiro, fez contatos com as pessoas que geralmente lhe pagavam, para essas empreitadas para o mercado negro, aceitou a proposta e lá se foi para mais uma jornada, quem sabe eu não conto essa história depois....

 
Cristina Gaspar
Rio de Janeiro, 05 de março de 2015.
Cristina Gaspar
Enviado por Cristina Gaspar em 05/03/2015
Reeditado em 06/03/2015
Código do texto: T5159615
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2015. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.