Saudade

Tenho uma lembrança bem viva na memória sobre percepções de vida aonde o pano de fundo foi o oceano. Estar isolado do mundo me fez pensar em coisas que são despercebidas em terra firme. Lá no Atlântico deu para diferenciar solidão de saudade, do jeito que diz Amir Klink: Solidão é não ter ninguém para lembrar e saudade é lembrar de alguém que está distante (ou quase isso ele disse). É verdade, é assim mesmo.

Refleti sobre isso em uma faina a noite. Dizem os religiosos que o jejum liberta o espirito, meu espirito estava mais que liberto... As ondas jogavam o NOc Antares (H40) e o enjoo não me permitia comer como de costume, meu corpo estava fraco e ainda tinha a saudade das coisas que deixei em terra, tudo isso parecia ter me dado uma percepção a mais da vida, tal qual um cego que valoriza mais o som, o cheiros, os sentidos que ainda existem, em detrimento a visão perdida.

No final da faina todos se recolheram menos eu que fiquei na poupa devidamente atracado com o cabo de segurança. Como eu estava com enjoo tive uma imensa repulsa a minha cabine e estar na polpa com toda aquela liberdade era mais agradável. Eu observa os peixes voadores prateados que na verdade davam pulos de mais de 20 metros e enquanto isso passava um animalzinho estranho rosado, uma caravela e as luzes da polpa foram desligadas. Em fim escuridão.

Uma onda me acertou de cheio e deixou na minha perna um punhado de grãos de sal. Segurei o grãos com a mão e imaginei um deles como sendo o mundo em minhas mãos, nisso o vento tentava limpar o céu e eu vi um objeto reluzente, aumentando seu brilho, em minha direção. Sabe quando você vê uma cena de abdução no cinema ? Foi assim que me senti.

Aquele ponto brilhante deixou de crescer mas descreveu um uma trajetória intrigante, circulava o barco e tive a sensação de estar sendo observado a centenas de metros por aquele objeto brilhoso. Ora estava na direção da popa, fazia um giro e estava na direção da proa. Eu estava só, não tinha testemunha que pudesse compartilhar a mesma emoção.

Perplexidade, medo, curiosidade... Me levantei, não tinha como correr e nem para quem gritar, todos estavam dentro do navio e o vento e o barulho das ondas fariam minha voz desaparecer se eu tentasse chamar alguém. A medida que as nuvens se dissipavam ia percebendo que um véu se abria em minha frente, aquele brilho passou a ser acompanhado por outros pontos reluzentes que tomavam formas geométricas já conhecidas.

Curioso o que a fraqueza física e a saudade pode fazer, possibilita a interpretação precipitada daquilo que te cerca. Essas condições ambrem a tua alma para risos ou para lágrimas, no caso vi o que queria ver e me senti especial ao imaginar que poderia ser abduzido.

Esses pontos brilhante, geometricamente conectados eram estrelas no céu, tomando forma de constelações e regiões de poeira cósmica como nunca vi antes no continente. Vi o brilho das estrelas longe da luzes das cidades e o esplendoroso braço da via-láctea.

... Mas não estou aqui para falar de geologia.

Esse momento, olhando para as estrelas, voltei a me sentir especial mais uma vez pois interpretei que as estrelas poderiam significar as pessoas que deixei em terra e as mais brilhantes as pessoas que realente amo e para quem devo voltar. O corpo ainda estava franco mas me senti renovado em minhas emoções pois sabia que parte do que eu sentia não tinha nada ver com solidão, era saudade mesmo.

Nesse momento entendi o que Amir Klink quiz dizer.

Shahriyar Tahan
Enviado por Shahriyar Tahan em 12/08/2014
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