Mais perto do céu
Homens muito bem treinados e de excelente preparo físico e psicológico compunham a Força Tarefa, naquele inverno dos anos 70. O meio de transporte era um avião bimotor C-45, da década de quarenta, apelidado mata-sete. Logo descobrimos o porquê da alcunha pouco feliz.
Éramos quatro militares do Exército e três tripulantes da Aeronáutica.
Voávamos felizes e tranquilos, em céu de brigadeiro. O azul contrastava com o verde longínquo do horizonte.
Quando atravessávamos o Paraná, em direção ao Rio Grande do Sul, o Piloto falou-nos que haveria turbulência. Viam-se nuvens grossas à frente. Então, determinou que colocássemos os cintos de segurança. “Coisa de rotina”, foi o comentário.
O C-45 não voava por cima das tempestades e não havia como desviar. A situação começou a ficar muito difícil. Os tripulantes operavam uma parafernália de instrumentos. À nossa retaguarda, o Rádiooperador redobrou as atividades. Radar e rádio ligados e o pequeno mata-sete, com os dois motores acelerados, entrou no negrume da enorme tormenta. Relâmpagos e trovoadas, misturadas ao ronco ruidoso dos motores, entravam pelos nossos poros e ouvidos como o show dos Rolling Stones no Maracanã lotado. O avião parecia carroça velha em estrada pedregosa. O exímio Piloto, de muitas horas de voo, tentava desviar das dificuldades, como um taxista na hora do pique, no centro paulistano. Via-se suor escorrendo pelo seu pescoço. Sentimos que a situação era muito séria. De repente, pareceu que havíamos trombado contra um trem. Nosso Comandante gritou:
– Quem for religioso comece a rezar!
O avião despencou com um motor trancado fumaceando e o outro, em altíssima rotação. O Piloto, agarrado ao manche, como se fosse os chifres de um touro brabo. Naquele momento de desespero, mil coisas passaram pela minha cabeça. O que seriam de minhas filhas e de minha esposa? E minha mãe, que sempre rezava por mim, quando eu saía de casa? Com sua intuição materna, estaria ajoelhada pedindo a Deus que Seu Filho protegesse o filho dela. Há muito tempo, eu não fazia sequer uma oração.
O avião, com somente um motor funcionando em rotação máxima, subia e descia. Para piorar, o motor que restava começou a ratear, soltando óleo e fumaça. Olhei para meus companheiros. Todos em silêncio. Não dava para disfarçar que estávamos com medo da morte iminente.
Abaixo, via-se a Serra Geral, muito próxima. Acima, nada se via. O céu estava muito, muito distante de nós. Nosso caminho era difícil, escuro e pedregoso. Parecia haver chegado nossa hora. Então, rezei uma prece desconexa, desesperada. Não sabia se pedia pela vida, ou se agradecia pelas benesses conseguidas. O suor agora escorria pelas nossas frontes de veias saltadas. Vi lágrimas nos olhos de soldados duros de matar que naquele momento percebiam como o homem é pequeno, impotente, medroso e agarrado à vida.
Reconhecíamos a fragilidade humana e a grandeza divina.
Mas... Como dizia minha sábia avó: “Deus é grande!”.
O pequeno mata-sete aterrissou, rateando, meio de lado. E nós, os sete homens, vimos com muita alegria o gado correndo pela grama verde da pequena planície nos Campos de Cima da Serra.
Olhei para cima, o céu novamente estava azul, abençoado e infinito. Então, dei graças pela vida. Eu passaria a refletir mais, sobre algumas questões importantes e esquecidas de nossa existência e novamente abraçaria meus amores, agora com mais força e mais amor.
(Do meu livro Concerto Divino)