IN : Beijos e Contos - Ruth Collaço e Heterónimos
Chá da tarde e o mar
Naquele dia os joelhos recusavam-se a obedecer com a leveza que ela necessitava. Não era do frio, nem do dia de trabalho que ela já conquistara, mas das vezes que tivera que os dobrar perante tantas regras impostas pelas leis da vida.
Tentou alcançar com o olhar o seu lugar predileto na esplanada, sabendo com uma cega certeza que ele já lá estaria á sua espera.
E estava, sereno, discreto, com aquele brilho no olhar sempre que a via, capaz de iluminar toda a passadeira da estrada só para ela passar. Guiada pelo seu sorriso, ganhou força e direção. Era urgente abraçá-lo.
E foi o sorriso que os embrulhou no abraço, foram os braços que sorriam quando os corpos de encaixaram por breves momentos.
Para ele, era sempre como se os braços não lhe chegassem para a envolver. Queria cobrir o seu corpo, encaixa-la entre os ombros na conchinha que tentava fazer no peito. Ela sentindo-se uma pérola daquele oceano que era o corpo que a acolhia, deixava-se prender, e ficava…. só queria ficar.
Ele suspirou ela inspirou.
Escolheu a cadeira virada para o mar, e ela queria sempre estar de frente para ele. Sabia que mesmo que ele não olhasse sempre para ela, os seus olhos não divagariam para longe do chamado do seu olhar. Queria ser o ponto de fuga daquele quadro que os dois pintavam com as cores da alegria de se verem.
"Um chá de limão e gengibre, por favor, hoje tenho frio e estou cansada." sorriu. Tinha sempre algo mais para dizer, para dar.
"Para mim um whiskey e um café", esperou que ela falasse.
Queria ouvir a tagarelice que ela trazia sempre, queria ouvir o seu riso, falar sobre as estrelas e contar planetas. O céu sempre o seu teto, o desejo sempre o seu chão.
Mas hoje ela não sorria, confuso intuiu-a. Intuía-a sempre, e naquele momento ela tornava-se sempre visível. Havia qualquer coisa nele que fazia com que ela se materializasse Mulher, Viva.
Sentiu-se observada.
Observou-a.
Conhecia bem aquele olhar fundo que ela trazia, os seus olhos pareciam espelhos fundos quando estava triste. Por trás daquele rosto ele adivinhava, que hoje seria melhor ser ele a falar.
Contou-lhe histórias, confessou-lhe saudades. Sabia que juras de amor só fazem sentido, quando o amor se sente.
Ela, aliviada, esticou-se para a frente em jeito de convite urgente e tocou-lhe com as pontas dos dedos, deixando que os seus lábios o chamassem… e era doce o beijo imaginado.
Naquele instante uma borboleta, igual às que sentiram no primeiro beijo, esvoaçou em círculos frenéticos entre os dois, como se lhes quisesse avisar que o tempo voava e que era preciso viver.
"Quero correr contigo na praia!"
Ao longe o sol já se tinha posto, sempre o sol como testemunha, a lua curiosa espreitava. Num ato travesso sorriu, e a prata que tinha espalhado sobre ondas do mar exibia uma coreografia lembrando o bailado das sereias.
Sim, o tempo passa e a vida voa…. e agora já era tarde.
Não havia volta a dar.
Num gesto espontâneo e sincronizado sorriram, deram as mãos, e enquanto foram largando as roupas na areia da praia, correram para mar.
Ela para nadar, e ele para a amar.
E sob o manto de prata da mãe lua, Lua Cheia, esconderam da esplanada ainda dourada, o seu bailado.
Tirado de um conto
Ruth Collaço