RIO DOCE - TESTEMUNHA DE UM GRANDE AMOR (revisto)

 

Estavam como há muitos e muitos anos Helena e Jaime, sentados às suas cadeiras de balanço defronte ao Rio Doce, calmo e límpido, seguindo seu curso suave e idílico. Desde a adolescência, quando se conheceram, os dois tinham por hábito, tirar uma parte no final da tardinha, para ficarem em silêncio de mãos dadas, se embalando em suas velhas cadeiras, as companheiras de uma vida, apenas observando o passar daquelas águas, era um momento só deles, de mais ninguém.

 

Helena fora uma jovem muito bela, com traços suaves e, uma boca de linhas finas e harmoniosas. Jaime fora um vigoroso rapaz de olhos cor de céu, braços longos de mãos fortes. Logo que se conheceram numa festa da igreja matriz de sua cidade, se apaixonaram, era uma época de namoros e noivados longos, quando se casaram, já tinham uma cumplicidade única, só tiveram que administrar com muito amor e lealdade, as diferenças de namoro e noivado, para um convívio de escovas de dente, lado a lado. Pois, tinham plena certeza de que, a receita de um casamento longo e perfeito, é saber cultivar o amor do outro, com suas semelhanças e diferenças, abrindo mão de uma coisa aqui outra acolá, com o intuito de agradar ao outro e também não se anular, tudo para o bem da relação a dois.

 

Não tiveram filhos, pois Deus assim não permitiu, mas, eram felizes, tinham um monte de sobrinhos, também sobrinhos netos, afilhados e muitos outros que os amavam, seu mundo era quase uma utopia. Eles se respeitavam e se amavam incondicionalmente, eram companheiros. Amantes da vida e da natureza, por toda a vida tiveram animais de estimação à sua volta, matavam a saudade da perda de um com a adoção de outro, dentro deles havia amor de sobra e eles o dividiam com prazer e ternura.

 

Hoje, se passados sessenta anos de casados, a idade madura avançada, ainda estavam ali defronte ao rio em suas cadeiras de balanço, mãos dadas, silentes, entorpecidos de amor, como da primeira vez que assim o fizeram, nada mudara e tudo mudara, ao mesmo tempo. Helena era um pouco teimosa e muitas vezes irritara Jaime. Jaime por sua vez, vez por outra olhara com olhos belicosos outras mulheres e isso também aborrecera Helena, mas, nada que uma boa conversa e um biquinho tristonho, não resolvesse, sabiam como se entender, foram fagulhas de peraltice na caminhada de uma união estável, coisas pequenas que não abalavam a forte estrutura daquele lindo amor.

 

Os amigos que de quando em quando os visitavam, eram também amadurecidos e sempre era uma alegria a chegada deles. Helena era uma quituteira de mão cheia, fazia uns biscoitinhos de nata e uns salgadinhos leves de forno, que eram uma delícia. Jaime era um hábil churrasqueiro, suas bistecas na brasa eram famosas entre a família e seus amigos. Adoravam um bom vinho e contar piadas, Helena bem que preferia poesias, mas, muitas vezes admitia que as piadas de Jaime, alegravam mais o encontro com os amigos, do que suas poesias declamadas.

 

Nesse entardecer, quebraram pela primeira vez o encanto do silêncio à beira do Rio Doce, conversaram sobre a passagem do tempo, de como tinham conseguido chegar até ali, íntegros, felizes, amorosos e saudáveis, apesar dá idade avançada.

 

Lembraram com carinho, de sua vida em comum, Jaime fora contador do único banco daquela pequena cidade brejeira, no interior de Goiás e Helena a professorinha da escola maternal, adorada por todos os seus alunos até hoje, ela era mesmo uma doce criatura. Já na maturidade, após se aposentarem, montaram uma pequena confeitaria que até dez anos atrás, enquanto a saúde lhes permitira eles a mantiveram sozinhos. Aos poucos, foram passando aos sobrinhos netos, o cuidado com seu cantinho saboroso.

 

Tinham uma bela casa de frente para o Rio Doce, toda avarandada, com muitas flores no jardim e plantas por todo lado, macieiras e uma mangueira frondosa, uma trajetória de paz e harmonia. Davam graças todos os dias, pelas bênçãos que receberam, não tinham do que se queixar, talvez, apenas dos ossos hoje oitenta e muitos anos depois, já estavam, um pouco cansados, também não era pra menos, estarem saudáveis e lúcidos até hoje era uma dádiva, já tinham perdido familiares e amigos muito mais novos e eles estavam ali, firmes, ou quase, em suas cadeiras de balanço amigas, em frente ao plácido Rio Doce, em paz em suas recordações de vida.

 

Passaram-se mais oito anos e um dos seus sobrinhos netos, Adolfo, chegou para lhes trazer uma nova torta da confeitaria, já passavam das cinco horas da tarde e ele se dirigiu diretamente à varanda, pois seus tios, com toda certeza estariam absortos observando o caminhar do plácido Rio Doce, como faziam há tantos e tantos anos. Adolfo os encontrou com as mãos dadas, com sorrisos suaves em seus semblantes, mas, já em outra dimensão, só tendo o plácido Rio Doce, por testemunha, de um grande e sereno amor.

 

 

 

 

 

 

 

Cristina Gaspar
Enviado por Cristina Gaspar em 25/09/2024
Código do texto: T8159752
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2024. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.