DESÍGNIOS DO CORAÇÃO
O novo professor de Estudos Linguísticos entrou na sala, olhou simpático para a turma e a cumprimentou alegremente.
Foi o suficiente para Ana se desmanchar.
"Puxa, que professor lindo! pensou ela. Parece um galã de Hollywood. Vou adorar este curso" .
Alheio aos pensamentos de Ana, o professor continuou: meu nome é Fernando, graduei-me em Letras aqui mesmo, nesta Universidade, fiz mestrado na Universidade de Lisboa, doutorado na Oxford University e pós-doutorado na USP. Passarei esta fase com vocês. E continuou falando...
Ana, no entanto, viajava, imersa no mundo da lua, em êxtase; "Fernando, né? Deve ter entrado aqui por engano. Com uma formação dessa e aqui, na primeira fase de Letras? Era para estar lá no doutorado. Me sentindo honrada, mas também um pouco assustada. Não importa, ele está aqui. Isso basta.
Aquela fase passou voando para Ana e Fernando continuou com a turma na segunda. E Ana apaixonada. Ela já ia para a universidade arenas para ver o professor, que nem prestava atenção nela e se prestava, era apenas por alguns instantes, para fazer-lhe alguma pergunta ou responder as que ela fazia. Esses momentos, todavia, eram fundamentais para Ana, alimentavam sua paixão tresloucada. Seus dias consistiam em pensar no professor; suas noites eram povoadas de sonhos sobre ele. Quando acordava, porém, a realidade lhe mostrava outra face. Mas ela teimava em não dar ouvidos à razão. Estava apaixonada e pronto. Haveria de amá-lo para sempre. Um dia ele também a amaria, tinha certeza.
Ana contava apenas com uma amiga, Elena, com quem confidenciava.
Certo dia, Elena decidiu ter uma conversa séria com Ana sobre o assunto:
- Minha amiga, o que vives é uma paixão desmedida. Não passa de um encantamento, que está te prejudicando. Não vais bem em nenhuma disciplina, não consegues pensar em mais nada. Sábias que ele é casado e tem três filhos? Jamais corresponderá esse "amor louco ", como dizes. Há tantos rapazes bonitos interessados em ti, conversa com um deles, tenta te desvencilhar desse sentimento que não está te fazendo bem, aconselhou.
- Achas que já não tentei? Mas não consegui, é algo que me corrói a alma, mais forte que eu. Só me alivia quando passo a imaginar nós dois juntos, vivendo um amor puro, verdadeiro e eterno. É isso que me faz bem.
O tempo foi passando, o curso caminhava para o final e Ana não parava de pensar no professor. Fizera dessa paixão seu mundo. Terminaria a faculdade a reboque e nem pensava no que faria depois. Sua vida pessoal estava mesmo prejudicada, ela tinha consciência. Sabia que Fernando era comprometido e que jamais a corresponderia, o que, finalmente, a levou a pensar em alternativas para pôr um ponto final naquela história. Não o esqueceria jamais, tinha certeza, mas precisava tocar sua vida. Suas buscas lhe puseram, por fim, de frente a uma saída, segundo ela: sublimar aquele sentimento, dedicando-se a uma causa humanitária e assim o fez.
Hoje, trinta anos depois, Ana continua solteira, mas resignada. Não sofre mais, Fernando é só uma doce lembrança, embora indelével.