BEM OS VEJO!
São cinco e meia , o sol ainda se intimida por de traz da serra, acendo o fogão a lenha agora, junto gravetos menores da grossura de lápis e coloco-os sobre as cinzas que ocultam as brasas da queima da noite, fico profundamente agradecido pelo calor que o fogo proporcionou, o inverno aqui no alto da serra é rigoroso, pronto ! uma fumaça branca começa a sair em fumarolas lembrando o incenso, logo surgem pequenas labaredas alaranjadas, fico esperando aumentar e olhando agora pela janela que emoldura a serra ao leste, vejo a luz do sol avermelhando toda a silhueta altiva da velha montanha, são tons fugazes, instantâneos e que logo mudarão para cores mais vivas, acabo me distraindo e o fogo quase que consome com os gravetos, a coluna de ar quente dentro da chaminé já estava puxando o fogo para o interior da câmara ardente, apresso-me em colocar uma lenha mais robusta, dois paus, logo um terceiro e o fogo se instala no seu ninho, a casinha começa a se aquecer, ouço os sons que surgem com o amanhecer, uma corruira pequenina faz do seu despertar uma festa, seu canto parece ser de um pássaro bem maior, mas quando tento localiza-la nas árvores, não a vejo! Sua cor castanha confunde-se com a mata seca do inverno e a sua minúscula figura desaparece da vista dos predadores, mas também do seu admirador. A água sobre a chapa do fogão está quase quente, a chaleira começa a assobiar, concorrendo desafinadamente com a cantoria do pequeno pássaro, acho injusto com o animalzinho alado, retiro a chaleira do fogo, meto dentro duas colheres cheias de pó de café e uma pitada de sal, ajuda a deixar o café mais cremoso e menos ácido, devo esperar alguns minutos, três ou quatro, o aroma arábico toma conta da pequena morada serrana já defumada levemente e agora com o suave perfume do café, olho a moldura da janela, o sol parece que se recusa a sair sem convite, outros pássaros tomam coragem e se expõe na manhã gélida em busca da sua primeira refeição, lá na serra que começa a sair da escuridão e do frio, bugios lançam seus primeiros sussurros que logo virarão gritos, tucanos e jacus já estão mais barulhentos e bem perto da casa um bem-te-vi dá o alerta! _-Bem te vi, -bem te vi, -bem te vi!_ Pronto, o café pode ser servido, passo o líquido preto no coador de pano, é um coador minúsculo para duas pessoas, coloquei há pouco um copo de leite para esquentar e estou atento para que o calor da chapa do fogão a lenha não derrame o leite, quando derramado na chapa o leite queima e o cheiro não agrada, se isso acontecer terei que abrir portas e janelas e o calor que acumulei durante a noite irá sair todo do interior do chalé. - Pronto, retiro o leite do fogo e faço a mistura em uma caneca alta de porcelana, meio a meio com uma colher generosa de açúcar mascavo e uma pitada de canela em pó. A nossa estrela se insinua no horizonte, já é possível identificar a paisagem e suas cores, a luz reflete matizes da serra: azul, verde, o amarelo dos ipês ao longe, a mata seca, o bambuzal bem próximo da casa, as palmeiras reais gigantescas que demarcam os limites da propriedade, antes no escuro, agora se apresentando para a jornada diária, na jaboticabeira do quintal , em outro ângulo da janela, já vejo o casal de tucanos, seus peitos rubi e bicos avantajados amarelos, laranjados e vermelhos, estão comendo. Atravesso a pequena sala e abro a cortina do quarto e ainda na penumbra e em meio ao edredom de penas consigo ver a panturrilha alva, torneada e jovem, não vejo mais nada, seu pé direito está calçado com uma meia de listras coloridas, como um doce de confeitaria, descubro um pouco a cabeça e logo surge a visão angelical, seus cabelos negros e compridos, desarrumados como se em seus sonhos ela tivesse enfrentado um vendaval! Descubro seu rosto do emaranhado negro, seus cílios e pálpebras estão cerrados, os olhos ainda se movimentam lentamente em um sono profundo, acaricio a sua face e assopro levemente o vapor do café com leite no seu rosto de anjo, ela repete o ritual já conhecido; Ainda de olhos fechados, sorri meigamente, vira-se para o outro lado, suas costas brancas contrastam com seus cabelos escuros, vejo a loba, acaricio a sua pele e ela vai se alinhando felinamente na cama, sentada, junta os cabelos com as duas mãos, sempre acho que vai se espreguiçar ou me abraçar, mas pega o volume todo de cabelo e o traz em único movimento a um dos lados do corpo, pega a caneca de café com leite, cheira profundamente e dá o primeiro gole, só depois me pede um beijo, assim, fazendo beicinho com os lábios, aquela boca expressiva e seu olhar profundo, negro como seus cabelos, depois do beijo e daquele suspiro matinal, diz baixinho e com a voz rouca como uma carícia : - Amo você! Meu peito se enche, como se tivesse voltado de um mergulho em águas profundas, volto a vida! Olho para fora pela porta que agora se alinha com a janela da saleta e vejo o Sol iluminando em mil cores a natureza, a algazarra de centenas de pássaros e mamíferos, os animais domésticos com seus chamados por alimento, sinto o calor que aprisionamos na choupana e ouço um pouco mais longe o alerta : _-bem te vi, -bem te vi, -bem te vi, -bem te vi, -bem te vi, -bem te vi, -bem te vi....._