TUDO POR UM BEIJO

TUDO POR UM BEIJO.

Os quatro chegaram a frente à antiga construção. As paredes quase pretas tomadas pelo mofo exalavam um cheiro desagradável. Parte da parede lateral já havia caído e toda a construção ameaçada desmoronar. Estavam arrepiados. As historias que contavam sobre aquele lugar eram muitas e tudo cheirava a desgraça e horror. Mas precisavam cumprir o desafio: entrar naquela casa que todos diziam mal assombrada e tirar algo lá de dentro. Quando chegassem à praça de volta, cada um ganharia um beijo na boca ofertado como prêmio pela linda Andresa. A adolescente safadinha gostava de brincar com os garotos. Aquela turma aprontava todas na pequena cidade. Marcos o garoto mais velho tinha 14 anos, era negro, forte e sempre ganhava todas as brigas, era uma espécie de chefe do bando. Roberto de 13 anos, longilíneo, quase albino, usava enormes óculos e era o mentor intelectual dos demais. Gersom era irmão gêmeo de Roberto a única diferença entre os dois era que Gersom não usava óculos. E Rubinho de apenas onze anos, moreno franzino, extremamente medroso era o motivo de gozação de toda a turma. Aqueles garotos paralisados diante dos fantasmas dos seus medos, e daquela construção em ruinas, precisavam entrar lá para provar sua coragem, pegar algum objeto e receber um maravilhoso prêmio.

Pensaram em cabular a menina inventando que entraram e levando uma coisa qualquer no lugar, mas ela exigiu que a incursão à casa fosse toda filmada.

Ouviram um ruído estranho vindo lá de dentro e quase saíram correndo. Ficaram em silencio tentando conter a tremura, mas outros sons esquisitos foram ouvidos.

Marcos disse:

-Gente! Nós vamos ou não? Se estamos aqui vamos em frente. Ligue o celular Roberto, o meu está sem bateria. - Roberto ligou seu aparelho, mas não conseguiu focar direito porque tremia muito - Gerson falou impaciente:

-Me da isso aqui seu medroso. Eu vou filmar. – então vamos. - Rubinho vai à frente – ordenou Marcos rindo porque sabia que o garoto não se aguentava de tanto pavor

-Eu por quê? Porque você é o menor da turma, então é mais discreto, qualquer coisa avisa e a gente corre. E me obedeça porque sou eu quem mando aqui.

-Mas vocês são mesmos uns bananas. - Vamos deixar de conversa e vamos logo – disse Gerson tentando parecer corajoso

E foram bem devagar em fila indiana. Assustaram-se que quando a porta rangeu. Entraram sorrateiramente . O lugar era uma sujeira só e um enorme fedor invadiu suas narinas

-Ai que horror! – disse Marcos - isso aqui é banheiro e abrigo de moradores de rua. Tudo sujo demais

Foram andando pelo local, iluminando tudo com a lanterna do celular, não viram nada apesar de ouvirem sons bem estranhos.

-Estão ouvindo isso? – disse o medroso Rubinho

-Devem ser ratos - Disse Roberto

-Não, não são ratos, são como correntes sendo arrastadas. Rato nenhum faz isso. Disse Marcos.

- Um gemido, eu ouvi um gemido – disse Rubinho começando a chorar.

-Cambada de medrosos – disse Marcos – Toda casa mal assombrada tem gemidos e correntes.

-Mas você é surdo Marcos? Todos estamos ouvindo.

-Roberto assumiu um ar de professor que daria uma amostra do seu conhecimento a todos: -Vocês sabiam que essa enorme casa antigamente era uma prisão. E que durante uma rebelião, vários presos foram torturados e mortos? É possível que seus espíritos vaguem por aqui. Eles eram acorrentados e alguns mortos. E nós ouvimos correntes e gemidos . Deviam gemer de dor com os castigos aplicados naquela época

-Gente, vamos pegar alguma coisa e vamos embora – disse Rubinho.

-Sim. Olha ali aquele negocio: parece uma... uma argola. Pode ser das tais corrente que prendiam os revoltosos. . Um elo que ficou perdido por aqui até os dias de hoje.

- Vamos levá-la – ordenou Marcos. Filme bem para mostrarmos a Andresa.

Pegaram a argola e saíram correndo dali.

Quando chegaram à praça mostraram para a garota, já ansiosos pensando no beijo. Ela insistiu em ver o vídeo para ter a certeza de que não a estavam enganando. Eles mostraram e ela foi observando tranquila até que se espantou com algo.

-Olha isso no vídeo. – O que foi Andresa perguntou Rubinho

-Aqui no canto dessa parede tem um homem preso a uma corrente e ele geme de dor. Parece ter sido espancado. Ele parece estar morrendo. Olha isso.

-Será que é o fantasma de um homem que morreu acorrentado. Porque eu já ouvi contar que praticavam muitas crueldades ali. Alguns prisioneiros foram acorrentados e morreram de fome e sede. Ah naquele lugar só aconteceram cosias ruins – Disse Marcos .

-Olha só o sofrimento dele – Andresa falou quase chorando. – Eu não suporto ver. Vou desligar isso. E saiu do vídeo – Roberto tomou o celular da mão dela e disse. – Eu quero ver esse vídeo até o fim, ainda restam quase cinco minutos de gravação. Vou assistir o vídeo desde o começo todo para observar melhor. Assistiu o vídeo todo, mas dessa vez não tinha nada diferente, nem homem acorrentado, nem gemidos, apenas o interior de uma construção muito antiga, caindo aos pedaços e cercada de mistérios.

A realidade era apenas a realidade.

Os meninos nunca esqueceram o beijo que ganharam e também nunca esqueceram aquela noite nem os gemidos do pobre homem acorrentado.