FLOR DA SECA

Severino desistiu, mandacarú secou, sete covas no terreno seco, mãe, mulher e cinco filhos, dois burricos mortos e um velho jegue sobrevivente. Sem nenhum alento colocou numa algibeira, um resto de farinha, uma botija com uma água malcheirosa amarelada, uma cabaçinha, quatro nacos de mandacaru e um pequeno calango salgado. Colocou um cobertor, sela e a algibeira no costado magro do jegue e foi arrastando o pobre animal que de tão fraco, não servia de montaria.

Poucas léguas à frente dividiu água e mandacarú com seu amigo de quatro patas, descansaram uma meia hora e seguiram no chão crestado, sob o Sol inclemente. Seguiram por uns três quilômetros, deu o resto do mandacarú ao jegue e água também, o restinho do líquido guardou, se contentou com um naco de calango salgado que aumentou ainda mais a sua sede, mas, o animal precisava bem mais, já estava tão trôpego quanto ele. No estirão à frente viu entre duas pedras uma flor, como sobrevivia naquela secura, pensou. Sem muito raciocinar pegou a flor, prendeu na algibeira, molhou seu fino caule e com um pedaço de pano a cobriu, como que para protegê-la do Sol forte.

Pouco passos além  um filete de água clara se entremeia entre uma trilha de pedras, Severino correu para encher a botija e com a cabaça deu bastante água ao seu companheiro de quatro patas, molhou bastante o caule da florzinha, depois bebeu generosamente e descansaram por umas duas horas...incrível como a flor da seca resistia, seu coração se enchia de esperança, estava acreditando que ela lhe dava sorte.

Com forças aumentadas pela água cristalina seguiram por mais um dois quilômetros tendo passado por vários esqueletos de animais. Mais uma vez sem muito pensar,  num ímpeto pegou uma cabeça seca de boi, prendeu de cabeça para baixo em cima do lombo magro do jegue, quebrou uma pedra esfarelenta, fez uma papa com água e plantou a flor protetora dentro da cabeça do boi, talvez ela durasse mais plantada na terra.

Aí outro fato inusitado e surpreendente aconteceu, um pequeno calango estava escondido atrás de um pé de mandacarú solitário, com cuidado Severino abateu o animal, o limpou e fazendo com certo esforço uma fogueira, botou o bicho para assar, cortou todo o madacarú e deu como alimento para seu parceiro de estrada, como a noite já se aproximava, se deu ao luxo de molhar a plantinha, dividir com o jegue um pouquinho da água, se alimentou do calango, guardando um pouco para  o dia seguinte. Acordaram mais refeitos e seguiram em frente, estavam  aparecendo uns pássaros, talvez estivessem perto de algum povoado.

Aí um milagre aconteceu, o amigo de jornada foi encorpando, ficou um animal forte de aparência saudável e a florzinha guerreira da seca virou uma luz forte, subiu linda dando uma enorme paz ao coração de Severino. A luz era um anjo protetor e todo cuidado desinteressado do homem, com ela em forma de flor e a sua preocupação com o animal, lhe fez merecedor da graça divina. O anjo lhe disse

- Siga por três quilômetros e sua vida terá um novo começo, com menos sofrimento, conseguirá trabalho e uma nova família irá constituir, será um homem feliz e nunca mais colocará a sua fé em dúvida.

O peito de Severino se encheu de imensa gratidão e alegria, se não estivesse tão esgotado, iria de joelhos até o lugar onde seria o recomeço de sua vida.
Cristina Gaspar
Enviado por Cristina Gaspar em 22/03/2019
Reeditado em 23/03/2019
Código do texto: T6604998
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