Histórias da Vida
Cachoeira é uma bela cidade histórica, localizada no estado da Bahia, situada às margens do Rio Paraguaçu, distando 120 quilômetros da capital do estado. Conforme o IBGE sua população gira em torno de 35.000 habitantes. É uma das cidades baianas que mais preservou o seu patrimônio histórico e cultural, o que fez dela um importante centro turístico, abrigando patrimônios históricos como a Igreja Matriz Nossa Senhora do Rosário, Chafariz Imperial, Casa da Câmara e Cadeia, Ponte Dom Pedro II, Igreja da Ajuda, Convento do Carmo, entre tantos outros. Em 13 de janeiro de 1971 a cidade passou a ser considerada Monumento Nacional. A fundação do povoado é atribuída ao português Diôgo Alves correia, todavia somente em 13 de março de 1837 através de um decreto imperial que foi elevada à condição de município. Durante o século XVIII e XIX a riqueza promovida pela cana de açucar e pelo fumo, conferiu a cidade de Cachoeira poder e prestígio na região, chegando a ser a segunda cidade mais importante da Bahia. É nesse lindo cenário que iremos contar a História de dois adolescentes que ali viveram e se conheceram no início da década de 60, Lia e Zima.
Lia era filha de dona Maria Antônia e do seu José Valadares, sendo a primogênita entre cinco irmãos. A jovem era de estatura mediana, cor clara, olhos bem marcantes pretos, o cabelo era liso na cor preta, todavia o que Lia teria de mais marcante, não seria a sua beleza exterior e sim a simpatia e o carisma que havia dentro de si, e seria justamente esse fator, que iria fazer com que o jovem Zima se encantasse por ela.
Zima por sua vez, também era um jovem de estatura mediana, um pouco mais moreno que Lia, seu cabelo era encaracolado e preto, músculos bem definidos, além de ser uma pessoa super risonha, brincalhona, e por onde passava ia acrescentando o rol da sua amizade. Seu Pai chamava Alziro Vasconcelos e sua mãe Estela, e juntos tiveram sete filhos, sendo quatro homens e três mulheres.
Se tinha algo que Lia amava fazer, era passear na ponte Dom Pedro II que fazia o elo entre as cidades de Cachoeira e São Félix do Paraguassú. Essa ponte fora construída no ano de 1865, através de um decreto imperial, e a partir de então faria a ligação do Sertão Baiano ao Litoral, sendo um marco de desenvolvimento para a economia baiana até os meados do século XX. Na época essa ponte era um projeto de muita desenvoltura, exigindo muito esforço do Império, uma vez que a ponte fora importada da Inglaterra, sendo confeccionada toda em treliças de ferro. E sempre que Lia tinha um tempinho, lá estava ela corujando a bela ponte metálica.
E foi justamente nesse patrimônio histórico, no início da década de 60, que Zima, um certo dia, passando por ali, conhecera a encantadora Lia, que estava divagando, contemplando a beleza daquele local, geograficamente aquela região é muito bem dotada. Nessa época tinha Zima 16 anos e a jovem 14 anos. Depois que se conheceram, grande era a afinidade existente entre aqueles adolescentes, sempre estavam juntos, tornaram-se grandes amigos, não havia uma só pessoa que não falasse que eles eram namorados. Talvez a juventude e a ausência de uma estabilidade financeira, constrangesse Zima ao ponto de assumir um namoro.
Cachoeira era uma bela cidade, tinha seus atrativos, todavia ainda era uma cidade pequena, fazendo com que alguns jovens, largassem o aconchego da família, migrando para outros locais em busca de estudo e trabalho. E isso não foi diferente com Zima, o jovem era ambicioso, tinha planos, almejava ter um lugar ao sol, e com muito peso no coração, pelo fato de sempre estar perto de Lia, que era o que mais amava fazer, tomou a difícil decisão de migrar para a cidade de São Paulo, onde sua irmã mais velha, fora morar depois que casara.
Zima chegara em São paulo, no fim da década de 60, cheio de expectativas e a sua irmã Lídia o recebeu com todo carinho. Lia agora ficara para trás, em Cachoeira, por mais que a saudade pudesse incomodar, ela não tinha mais esperança que um dia pudesse rever seu amigo, e consequentemente seu grande amor.
Assim que chegou na capital Paulista, Zima começara a procurar emprego, e depois de um ano fazendo bico, conseguiu fichar numa grande empresa metalúrgica da região. apesar de estar começando sua estabilidade, sempre o jovem lembrava de Cachoeira, dos parentes que ali ficaram, e acima de tudo de Lia, dos tempos que eles ficavam na ponte arremesando pedras na água, e ele ficava disputando com a amada amiga quem lançaria a pedra mais distante, em certos momentos ele compadecia-se dela, e ela ganhava alguns arremessos. Época que não tinha emprego, não tinha dinheiro, mas era tudo divertido, qualquer situação era motivo de umas boas gargalhadas.
O tempo foi passando, Zima com cinco anos na empresa, já estava totalmente ambientado, duas promoções ele tinha recebido no trabalho, agora era Mecânico III, tudo estava indo de vento em popa, apenas as reminiscências de Cachoeira estavam esvaindo.
Num belo dia, Zima foi no centro comercial na expectativa de comprar um ar condicionado. Numa determinada loja, uma vendedora muito comunicativa convenceu o rapaz e conseguiu vender o aparelho para ele. Só que ela não sabia, que além da venda que fizera, também iria cativar o coração desse jovem. Eles trocaram telefone, e continuaram se encontrando, ficaram amigos e essa amizade acabou transformando em casamento.
Nos primeiros cinco anos de casado, foi tudo uma maravilha, Zima e Leila tiveram o primeiro filho, dando a ele o nome de Bernado. Zima agora tinha 11 anos na empresa, só que agora era supervisor da mecânica. Tudo estava bem, tinha um bom emprego, um belo casamento, seu filho crescia saudável, tinha acabado de conquistar sua casa própria, também comprara o seu carro 0 km, contudo a partir daquele momento algo começaria a acontecer que iria desestabilizar a vida do casal. Infelizmente as amizades começariam a inflluenciar negativamente a vida de Zima. Começou a jogar sinuca, baralho, com isso vieram as bebidas, os vícios e as apostas .
Nascera o segundo filho do casal, era uma bela moça, a qual colocaram o nome de Leandra. Bernado agora com cinco anos, teria a companhia da sua irmã, inicialmente enciumado, não via com bons olhos a chegada da irmã, sentira que parte da atenção dedicada a ele, seria focada em Leandra, porém com o passar do tempo, tudo foi ajeitando e as barreiras foram quebradas entre o casal de irmãos.
O que não se ajustava, eram as desavenças que começaram a surgir entre o casal. Tinha noite que Zima não voltava pra casa, do serviço mesmo ia para a banca de baralho, ali começava a jogatina e quando surgia a aurora, zarpava para o trabalho. Essas coisas que iam acontecendo, foram minando a relação do casal, Leila falava, conversava, aconselhava Zima, ele até ouvia pacientemente, mas era só sair de casa que o jogo tomava conta da sua vida. Nesse ínterim, que o marido frequentava a banca de jogo, conhecera uma certa mulher de nome Diana, começara a envolver-se com ela sexualmente, e não demorou muito tempo, ela engravidou de Zima. Assim que o menino nasceu, ele registrou-o em seu nome e no mesmo instante começou a pagar pensão alimentícia para Diana. Sua vida começou a desandar. Um triste dia, Leila ficara sabendo através de Zima, que ele contraíra uma dívida grande na banca de jogo, estava sendo pressionado pelos credores, para ficar livre da pressão e com medo de acontecer alguma coisa de ruim, o marido resolvera colocar a casa à venda. Se não bastasse vender a casa para pagar as dívidas, perdeu também o seu fusca, carro esse que comprara 0 km.
Ter perdido a casa, para pagar dívida da banca de jogo, foi a gota-d'água para Leila, que não conformada com toda essa situação, divorciara de Zima, tinham eles 18 anos de casados quando isso aconteceu. Dessa forma, Zima não tinha mais casa, não tinha mais carro, não tinha a esposa, os filhos foram morar com a mãe.
Zima depois que perdera tudo no jogo, conseguira finalmente colocar na sua caixola que jogo não dar camisa para ninguém, todavia tomara essa decisão, um pouco tarde. Conseguiu libertar-se do jogo, mas grande era a frustração por se encontrar daquela forma, como consolo, aliviava suas dores na cachaça, era muito comum encontrá-lo jogado no caminho bêbado. Uma situação favorecia Zima, pois tinha aposentado, e não corria o risco de perder o emprego. Trabalhou a vida toda na metalúrgica, poderia estar agora desfrutando de tudo aquilo que conquistou ao longo da vida, junto com a sua família, mas muito pelo contrário, não tinha nada, a única coisa que sobrou-lhe foi o salário da aposentadoria, e acima de tudo, teria que contentar com a terça parte do salário, uma vez que o restante ia para Leila e para Diana para pagamento das pensões alimentícias.
Enquanto isso, em Cachoeira, Lia tinha acabado de ficar viúva. Ela tinha casado com Ananias, com o qual tivera três filhos, sendo eles: Ivana era a mais velha tinha 18 anos, Ivan era o rapaz tinha 15 anos e Ivete a caçulinha que tinha 11 anos, sendo que os dois mais velhos estudavam em Salvador e moravam com os tios, ficando com ela apenas Ivete. Lia e Ananias viviam muito bem, os dois se respeitavam, viviam harmoniosamente, compartilhavam o mesmo sentimento, mas amar mesmo, Lia amou apenas seu amigo Zima que estava em São Paulo.
Com o passar do tempo, as reminiscências do passado ficaram latentes no coração de Lia, despertando uma vontade imensa de visitar sua amiga Lídia, que era a irmã de Zima, que morava em São Paulo, consequentemente teria notícia do seu amado. Na época em que ela conheceu Zima, teve a oportunidade de conhecer seus familiares e tornou grande amiga de Lídia. Aquela vontade só foi fermentando dentro do seu coraçâo, procurou saber o telefone de Lídia, para entrar em contato com ela. Depois que Zima partira pra São Paulo, Lia tinha tomado a decisão de não entrar em contato com a amiga, com medo que pudesse interferir alguma coisa na vida de Zima. Agora estava ela ali, com o celular na mão, ligando pra sua velha amiga. Lídia tomou até um susto, ao saber que o telefonema era de Lia, que falava de Cachoeira. Por mais de uma hora, as duas amigas ficaram conversando, afinal de contas, tinham muitos fatos para serem esclarecidos. Todavia o que mais surpreendera Lia, era a notícia que Zima tinha separado da esposa, deixando-a mais desejosa de ir até São Paulo. Ela soubera de tudo que aconteceu com ele, de como perdeu tudo na banca de jogo, o alcoolismo, nada disso afetou ela, mas o fato de saber que ele estava separado, livre, que ainda ela podia continuar sonhando com o seu amado, era tudo que importava nesse momento. Então ela combinou com sua amiga que no máximo dentro de dez dias iria visitá-la, e conforme o combinado cumpriu, no sétimo dia que tinha ligado para lídia, estava Lia chegando em São Paulo, na casa da sua amiga.
Por um bom tempo ficaram abraçadas, matando a saudade de outrora, riram, choraram, e agora de forma tranquila, paulatinamente Lídia foi relatando tudo que tinha passado ao longo de todos aqueles anos.
O verdadeiro amor não precisa de estandarte, dispensa qualquer publicidade, e em qualquer situação ele sempre florescerá. Se o sentimento de Lia, em relação a Zima, não fosse genuíno, tudo aquilo que acabara de ser relatado por Lídia sobre o seu eterno amado e amigo, se algum sonho existia, poderia ter sido sepultado naquele instante, mas muito pelo contrário, toda aquela adversidade que acontecera com seu amado, só iria fortalecer mais e mais tudo aquilo que ela sentia, e mais do que depressa, combinou com sua amiga, um dia para que ela pudesse vê-lo.
Apesar de ser liberto do vício do jogo, algo que Zima não conseguia se superar, era com a frustração que ainda estava arraigada no seu coração. É como se ele não conseguisse se perdoar, diante de tudo que tinha acontecido, perdera tudo: família, casa, carro, respeito, dignidade. Devido a tudo isso, optou por morar não muito perto de sua irmã. Lídia morava no bairro Aricanduva, já Zima morava numa pequena edícula no bairro Guaianases, distando 17 quilômetros.
Lia só teria uma semana ali em São Paulo, afinal de contas a vida não para, e ela teria que voltar a trabalhar, ela lecionava numa escola de primeiro grau, sendo que daqui há dois anos iria aposentar. No terceiro dia que ela estava na casa da amiga, foram de encontro a Zima, pra piorar mais a situação, o seu amigo estava prostrado no chão, totalmente embriagado. Que cena lamentável para que alguém fosse rever o seu amigo, mas nem mesmo isso, foi capaz de abafar os sonhos de Lia. Ela pacientemente, começou a cuidar do amigo, que inicialmente devido a embriaguez não a reconhecia. Com o passar do tempo, foi ficando sóbrio, e aí reconheceu sua velha amiga e amada, e num passe de mágica, veio também a vergonha, por ter reencontrado com ela daquela forma. Jamais Zima imaginaria, que naquele momento mais crítico de sua vida, estaria ali de frente dele Lia, sua eterna amiga, sua amada, jamais tirara ela do coração, mas como na época não tinha condições de encarar algo mais sério, resolveu trancafiar no seu coração aquele sentimento. Só que ali, naquele instante, todo aquele sentimento começou a florescer no seu coração. Os sete dias voaram, mas Zima e Lia tiveram tempo de reviver o passado, a querida Cachoeira, a velha ponte Dom Pedro II, tudo foi ficando latente em sua memória. Lia se despediu da amiga e de Zima, e retornou para sua cidade.
Nada ficou combinado entre o casal, mas a partir daquele dia, parece que algo novo começou a nascer no coração de Zima, aquele sentimento de frustração, de indignação, foi se dissipando e no seu lugar renascia a esperança, uma vontade enorme de colocar em prática aquilo que no passado, ele não teve coragem, e muito menos força, devido a dificuldade financeira da época. Passado todo esses anos, muita coisa não mudara, ele tinha apenas o salário de sua aposentadoria, que ainda era dividido com Leila e com Diana, mas em compensação, um desejo enorme de estar ao lado de Lia ia expandindo em seu coração.
Desde então, fez um propósito de se libertar do alcoolismo, passara a ter contato com Lia todas as semanas pelo telefone. Compartilhou com a amiga a enorme vontade de ser uma pessoa cônscia, de parar com aquela bebedeira, ela dera a maior força pra ele.
Um ano se passou, desde o dia que Lia estivera com eles. 52 vezes tinha Zima ligado pra sua amada, agora mais consciente e praticamente liberto do alcoolismo, teve vontade de ir até Cachoeira rever sua família e consequentemente rever Lia, e foi justamente na virada do ano 2.000, que para muitos o mundo iria acabar, tendo até um ditado muito popular que afirma o seguinte: "Mil anos passará, mas Dois Mil não chegará", e foi justamente na virada do século que o mundo estaria renascendo para Zima.
Aquele não parecia o velho homem, mas sim uma Fênix que tinha renascido das cinzas. De alegria e satisfação, encheu o coração de Zima, ao rever sua família, Cachoeira, e também sua amada. Zima não teve vontade de voltar para São Paulo, aquele local só trazia péssimas lembranças e tomou a decisão de morar ali com seus pais, até decidir sua vida, e eles aceitaram prontamente com a maior satisfação.
Zima pode percorrer toda a senda que no passado fizestes com Lia ali em Cachoeira, inclusive reviveu com a amiga os momentos que na ponte eles ficavam arremessando as pedras. Um ano se passara, e não teve uma semana sequer que o casal não tivesse se encontrado. Até que agora ele se enchera de coragem, que se no passado ele não teve essa ousadia, agora não iria perder essa oportunidade para declarar-lhe o quanto ele a amava, que em momento algum ele esqueceu-se dela, apenas tinha abafado esse sentimento no mais íntimo do seu coração, aproveitando o ensejo, mesmo diante de todas as suas falhas, perguntou se ela queria casar-se com ele, Lia no mesmo instante nem deixou que ele terminasse o pedido, e disse a ele que isso era tudo que ela queria na vida, que em momento algum, ela tinha deixado de o amar, apenas respeitou a sua decisão de ir pra São Paulo e não quis interferir.
Zima pode viver ao lado de Lia sete preciosos anos. Viviam como dois adolescentes, de forma romântica, sempre estavam rindo um para o outro, em momento algum, tiveram sequer, alguma desavença. Ivete considerava-o como pai, grande também era o carinho que ela nutria pelo seu padrasto. Todavia as nossas atitudes geram consequências, e mesmo Zima não tendo mais envolvimento com álcool há um bom tempo, fora acometido por uma cirrose hepática que ceifou-lhe a vida.
Algo cômico acontecera no seu velório. Estavam ali presentes naquele velório, as três mulheres que tiveram algum caso com o defunto, Leila sua ex-esposa, Diana que tinha um filho com ele, só que agora ela não recebia pensão alimentícia, uma vez que seu filho atingiu a maioridade, e Lia que não apenas teve uma relação com ele, mas por toda a sua vida o amou e soube esperar pacientemente, que agora se consolará com as reminiscências do novo Zima Vasconcelos, que renascera das cinzas, tornando mais amena a saudade, que com certeza iria bater naquele coração.
Cachoeira é uma bela cidade histórica, localizada no estado da Bahia, situada às margens do Rio Paraguaçu, distando 120 quilômetros da capital do estado. Conforme o IBGE sua população gira em torno de 35.000 habitantes. É uma das cidades baianas que mais preservou o seu patrimônio histórico e cultural, o que fez dela um importante centro turístico, abrigando patrimônios históricos como a Igreja Matriz Nossa Senhora do Rosário, Chafariz Imperial, Casa da Câmara e Cadeia, Ponte Dom Pedro II, Igreja da Ajuda, Convento do Carmo, entre tantos outros. Em 13 de janeiro de 1971 a cidade passou a ser considerada Monumento Nacional. A fundação do povoado é atribuída ao português Diôgo Alves correia, todavia somente em 13 de março de 1837 através de um decreto imperial que foi elevada à condição de município. Durante o século XVIII e XIX a riqueza promovida pela cana de açucar e pelo fumo, conferiu a cidade de Cachoeira poder e prestígio na região, chegando a ser a segunda cidade mais importante da Bahia. É nesse lindo cenário que iremos contar a História de dois adolescentes que ali viveram e se conheceram no início da década de 60, Lia e Zima.
Lia era filha de dona Maria Antônia e do seu José Valadares, sendo a primogênita entre cinco irmãos. A jovem era de estatura mediana, cor clara, olhos bem marcantes pretos, o cabelo era liso na cor preta, todavia o que Lia teria de mais marcante, não seria a sua beleza exterior e sim a simpatia e o carisma que havia dentro de si, e seria justamente esse fator, que iria fazer com que o jovem Zima se encantasse por ela.
Zima por sua vez, também era um jovem de estatura mediana, um pouco mais moreno que Lia, seu cabelo era encaracolado e preto, músculos bem definidos, além de ser uma pessoa super risonha, brincalhona, e por onde passava ia acrescentando o rol da sua amizade. Seu Pai chamava Alziro Vasconcelos e sua mãe Estela, e juntos tiveram sete filhos, sendo quatro homens e três mulheres.
Se tinha algo que Lia amava fazer, era passear na ponte Dom Pedro II que fazia o elo entre as cidades de Cachoeira e São Félix do Paraguassú. Essa ponte fora construída no ano de 1865, através de um decreto imperial, e a partir de então faria a ligação do Sertão Baiano ao Litoral, sendo um marco de desenvolvimento para a economia baiana até os meados do século XX. Na época essa ponte era um projeto de muita desenvoltura, exigindo muito esforço do Império, uma vez que a ponte fora importada da Inglaterra, sendo confeccionada toda em treliças de ferro. E sempre que Lia tinha um tempinho, lá estava ela corujando a bela ponte metálica.
E foi justamente nesse patrimônio histórico, no início da década de 60, que Zima, um certo dia, passando por ali, conhecera a encantadora Lia, que estava divagando, contemplando a beleza daquele local, geograficamente aquela região é muito bem dotada. Nessa época tinha Zima 16 anos e a jovem 14 anos. Depois que se conheceram, grande era a afinidade existente entre aqueles adolescentes, sempre estavam juntos, tornaram-se grandes amigos, não havia uma só pessoa que não falasse que eles eram namorados. Talvez a juventude e a ausência de uma estabilidade financeira, constrangesse Zima ao ponto de assumir um namoro.
Cachoeira era uma bela cidade, tinha seus atrativos, todavia ainda era uma cidade pequena, fazendo com que alguns jovens, largassem o aconchego da família, migrando para outros locais em busca de estudo e trabalho. E isso não foi diferente com Zima, o jovem era ambicioso, tinha planos, almejava ter um lugar ao sol, e com muito peso no coração, pelo fato de sempre estar perto de Lia, que era o que mais amava fazer, tomou a difícil decisão de migrar para a cidade de São Paulo, onde sua irmã mais velha, fora morar depois que casara.
Zima chegara em São paulo, no fim da década de 60, cheio de expectativas e a sua irmã Lídia o recebeu com todo carinho. Lia agora ficara para trás, em Cachoeira, por mais que a saudade pudesse incomodar, ela não tinha mais esperança que um dia pudesse rever seu amigo, e consequentemente seu grande amor.
Assim que chegou na capital Paulista, Zima começara a procurar emprego, e depois de um ano fazendo bico, conseguiu fichar numa grande empresa metalúrgica da região. apesar de estar começando sua estabilidade, sempre o jovem lembrava de Cachoeira, dos parentes que ali ficaram, e acima de tudo de Lia, dos tempos que eles ficavam na ponte arremesando pedras na água, e ele ficava disputando com a amada amiga quem lançaria a pedra mais distante, em certos momentos ele compadecia-se dela, e ela ganhava alguns arremessos. Época que não tinha emprego, não tinha dinheiro, mas era tudo divertido, qualquer situação era motivo de umas boas gargalhadas.
O tempo foi passando, Zima com cinco anos na empresa, já estava totalmente ambientado, duas promoções ele tinha recebido no trabalho, agora era Mecânico III, tudo estava indo de vento em popa, apenas as reminiscências de Cachoeira estavam esvaindo.
Num belo dia, Zima foi no centro comercial na expectativa de comprar um ar condicionado. Numa determinada loja, uma vendedora muito comunicativa convenceu o rapaz e conseguiu vender o aparelho para ele. Só que ela não sabia, que além da venda que fizera, também iria cativar o coração desse jovem. Eles trocaram telefone, e continuaram se encontrando, ficaram amigos e essa amizade acabou transformando em casamento.
Nos primeiros cinco anos de casado, foi tudo uma maravilha, Zima e Leila tiveram o primeiro filho, dando a ele o nome de Bernado. Zima agora tinha 11 anos na empresa, só que agora era supervisor da mecânica. Tudo estava bem, tinha um bom emprego, um belo casamento, seu filho crescia saudável, tinha acabado de conquistar sua casa própria, também comprara o seu carro 0 km, contudo a partir daquele momento algo começaria a acontecer que iria desestabilizar a vida do casal. Infelizmente as amizades começariam a inflluenciar negativamente a vida de Zima. Começou a jogar sinuca, baralho, com isso vieram as bebidas, os vícios e as apostas .
Nascera o segundo filho do casal, era uma bela moça, a qual colocaram o nome de Leandra. Bernado agora com cinco anos, teria a companhia da sua irmã, inicialmente enciumado, não via com bons olhos a chegada da irmã, sentira que parte da atenção dedicada a ele, seria focada em Leandra, porém com o passar do tempo, tudo foi ajeitando e as barreiras foram quebradas entre o casal de irmãos.
O que não se ajustava, eram as desavenças que começaram a surgir entre o casal. Tinha noite que Zima não voltava pra casa, do serviço mesmo ia para a banca de baralho, ali começava a jogatina e quando surgia a aurora, zarpava para o trabalho. Essas coisas que iam acontecendo, foram minando a relação do casal, Leila falava, conversava, aconselhava Zima, ele até ouvia pacientemente, mas era só sair de casa que o jogo tomava conta da sua vida. Nesse ínterim, que o marido frequentava a banca de jogo, conhecera uma certa mulher de nome Diana, começara a envolver-se com ela sexualmente, e não demorou muito tempo, ela engravidou de Zima. Assim que o menino nasceu, ele registrou-o em seu nome e no mesmo instante começou a pagar pensão alimentícia para Diana. Sua vida começou a desandar. Um triste dia, Leila ficara sabendo através de Zima, que ele contraíra uma dívida grande na banca de jogo, estava sendo pressionado pelos credores, para ficar livre da pressão e com medo de acontecer alguma coisa de ruim, o marido resolvera colocar a casa à venda. Se não bastasse vender a casa para pagar as dívidas, perdeu também o seu fusca, carro esse que comprara 0 km.
Ter perdido a casa, para pagar dívida da banca de jogo, foi a gota-d'água para Leila, que não conformada com toda essa situação, divorciara de Zima, tinham eles 18 anos de casados quando isso aconteceu. Dessa forma, Zima não tinha mais casa, não tinha mais carro, não tinha a esposa, os filhos foram morar com a mãe.
Zima depois que perdera tudo no jogo, conseguira finalmente colocar na sua caixola que jogo não dar camisa para ninguém, todavia tomara essa decisão, um pouco tarde. Conseguiu libertar-se do jogo, mas grande era a frustração por se encontrar daquela forma, como consolo, aliviava suas dores na cachaça, era muito comum encontrá-lo jogado no caminho bêbado. Uma situação favorecia Zima, pois tinha aposentado, e não corria o risco de perder o emprego. Trabalhou a vida toda na metalúrgica, poderia estar agora desfrutando de tudo aquilo que conquistou ao longo da vida, junto com a sua família, mas muito pelo contrário, não tinha nada, a única coisa que sobrou-lhe foi o salário da aposentadoria, e acima de tudo, teria que contentar com a terça parte do salário, uma vez que o restante ia para Leila e para Diana para pagamento das pensões alimentícias.
Enquanto isso, em Cachoeira, Lia tinha acabado de ficar viúva. Ela tinha casado com Ananias, com o qual tivera três filhos, sendo eles: Ivana era a mais velha tinha 18 anos, Ivan era o rapaz tinha 15 anos e Ivete a caçulinha que tinha 11 anos, sendo que os dois mais velhos estudavam em Salvador e moravam com os tios, ficando com ela apenas Ivete. Lia e Ananias viviam muito bem, os dois se respeitavam, viviam harmoniosamente, compartilhavam o mesmo sentimento, mas amar mesmo, Lia amou apenas seu amigo Zima que estava em São Paulo.
Com o passar do tempo, as reminiscências do passado ficaram latentes no coração de Lia, despertando uma vontade imensa de visitar sua amiga Lídia, que era a irmã de Zima, que morava em São Paulo, consequentemente teria notícia do seu amado. Na época em que ela conheceu Zima, teve a oportunidade de conhecer seus familiares e tornou grande amiga de Lídia. Aquela vontade só foi fermentando dentro do seu coraçâo, procurou saber o telefone de Lídia, para entrar em contato com ela. Depois que Zima partira pra São Paulo, Lia tinha tomado a decisão de não entrar em contato com a amiga, com medo que pudesse interferir alguma coisa na vida de Zima. Agora estava ela ali, com o celular na mão, ligando pra sua velha amiga. Lídia tomou até um susto, ao saber que o telefonema era de Lia, que falava de Cachoeira. Por mais de uma hora, as duas amigas ficaram conversando, afinal de contas, tinham muitos fatos para serem esclarecidos. Todavia o que mais surpreendera Lia, era a notícia que Zima tinha separado da esposa, deixando-a mais desejosa de ir até São Paulo. Ela soubera de tudo que aconteceu com ele, de como perdeu tudo na banca de jogo, o alcoolismo, nada disso afetou ela, mas o fato de saber que ele estava separado, livre, que ainda ela podia continuar sonhando com o seu amado, era tudo que importava nesse momento. Então ela combinou com sua amiga que no máximo dentro de dez dias iria visitá-la, e conforme o combinado cumpriu, no sétimo dia que tinha ligado para lídia, estava Lia chegando em São Paulo, na casa da sua amiga.
Por um bom tempo ficaram abraçadas, matando a saudade de outrora, riram, choraram, e agora de forma tranquila, paulatinamente Lídia foi relatando tudo que tinha passado ao longo de todos aqueles anos.
O verdadeiro amor não precisa de estandarte, dispensa qualquer publicidade, e em qualquer situação ele sempre florescerá. Se o sentimento de Lia, em relação a Zima, não fosse genuíno, tudo aquilo que acabara de ser relatado por Lídia sobre o seu eterno amado e amigo, se algum sonho existia, poderia ter sido sepultado naquele instante, mas muito pelo contrário, toda aquela adversidade que acontecera com seu amado, só iria fortalecer mais e mais tudo aquilo que ela sentia, e mais do que depressa, combinou com sua amiga, um dia para que ela pudesse vê-lo.
Apesar de ser liberto do vício do jogo, algo que Zima não conseguia se superar, era com a frustração que ainda estava arraigada no seu coração. É como se ele não conseguisse se perdoar, diante de tudo que tinha acontecido, perdera tudo: família, casa, carro, respeito, dignidade. Devido a tudo isso, optou por morar não muito perto de sua irmã. Lídia morava no bairro Aricanduva, já Zima morava numa pequena edícula no bairro Guaianases, distando 17 quilômetros.
Lia só teria uma semana ali em São Paulo, afinal de contas a vida não para, e ela teria que voltar a trabalhar, ela lecionava numa escola de primeiro grau, sendo que daqui há dois anos iria aposentar. No terceiro dia que ela estava na casa da amiga, foram de encontro a Zima, pra piorar mais a situação, o seu amigo estava prostrado no chão, totalmente embriagado. Que cena lamentável para que alguém fosse rever o seu amigo, mas nem mesmo isso, foi capaz de abafar os sonhos de Lia. Ela pacientemente, começou a cuidar do amigo, que inicialmente devido a embriaguez não a reconhecia. Com o passar do tempo, foi ficando sóbrio, e aí reconheceu sua velha amiga e amada, e num passe de mágica, veio também a vergonha, por ter reencontrado com ela daquela forma. Jamais Zima imaginaria, que naquele momento mais crítico de sua vida, estaria ali de frente dele Lia, sua eterna amiga, sua amada, jamais tirara ela do coração, mas como na época não tinha condições de encarar algo mais sério, resolveu trancafiar no seu coração aquele sentimento. Só que ali, naquele instante, todo aquele sentimento começou a florescer no seu coração. Os sete dias voaram, mas Zima e Lia tiveram tempo de reviver o passado, a querida Cachoeira, a velha ponte Dom Pedro II, tudo foi ficando latente em sua memória. Lia se despediu da amiga e de Zima, e retornou para sua cidade.
Nada ficou combinado entre o casal, mas a partir daquele dia, parece que algo novo começou a nascer no coração de Zima, aquele sentimento de frustração, de indignação, foi se dissipando e no seu lugar renascia a esperança, uma vontade enorme de colocar em prática aquilo que no passado, ele não teve coragem, e muito menos força, devido a dificuldade financeira da época. Passado todo esses anos, muita coisa não mudara, ele tinha apenas o salário de sua aposentadoria, que ainda era dividido com Leila e com Diana, mas em compensação, um desejo enorme de estar ao lado de Lia ia expandindo em seu coração.
Desde então, fez um propósito de se libertar do alcoolismo, passara a ter contato com Lia todas as semanas pelo telefone. Compartilhou com a amiga a enorme vontade de ser uma pessoa cônscia, de parar com aquela bebedeira, ela dera a maior força pra ele.
Um ano se passou, desde o dia que Lia estivera com eles. 52 vezes tinha Zima ligado pra sua amada, agora mais consciente e praticamente liberto do alcoolismo, teve vontade de ir até Cachoeira rever sua família e consequentemente rever Lia, e foi justamente na virada do ano 2.000, que para muitos o mundo iria acabar, tendo até um ditado muito popular que afirma o seguinte: "Mil anos passará, mas Dois Mil não chegará", e foi justamente na virada do século que o mundo estaria renascendo para Zima.
Aquele não parecia o velho homem, mas sim uma Fênix que tinha renascido das cinzas. De alegria e satisfação, encheu o coração de Zima, ao rever sua família, Cachoeira, e também sua amada. Zima não teve vontade de voltar para São Paulo, aquele local só trazia péssimas lembranças e tomou a decisão de morar ali com seus pais, até decidir sua vida, e eles aceitaram prontamente com a maior satisfação.
Zima pode percorrer toda a senda que no passado fizestes com Lia ali em Cachoeira, inclusive reviveu com a amiga os momentos que na ponte eles ficavam arremessando as pedras. Um ano se passara, e não teve uma semana sequer que o casal não tivesse se encontrado. Até que agora ele se enchera de coragem, que se no passado ele não teve essa ousadia, agora não iria perder essa oportunidade para declarar-lhe o quanto ele a amava, que em momento algum ele esqueceu-se dela, apenas tinha abafado esse sentimento no mais íntimo do seu coração, aproveitando o ensejo, mesmo diante de todas as suas falhas, perguntou se ela queria casar-se com ele, Lia no mesmo instante nem deixou que ele terminasse o pedido, e disse a ele que isso era tudo que ela queria na vida, que em momento algum, ela tinha deixado de o amar, apenas respeitou a sua decisão de ir pra São Paulo e não quis interferir.
Zima pode viver ao lado de Lia sete preciosos anos. Viviam como dois adolescentes, de forma romântica, sempre estavam rindo um para o outro, em momento algum, tiveram sequer, alguma desavença. Ivete considerava-o como pai, grande também era o carinho que ela nutria pelo seu padrasto. Todavia as nossas atitudes geram consequências, e mesmo Zima não tendo mais envolvimento com álcool há um bom tempo, fora acometido por uma cirrose hepática que ceifou-lhe a vida.
Algo cômico acontecera no seu velório. Estavam ali presentes naquele velório, as três mulheres que tiveram algum caso com o defunto, Leila sua ex-esposa, Diana que tinha um filho com ele, só que agora ela não recebia pensão alimentícia, uma vez que seu filho atingiu a maioridade, e Lia que não apenas teve uma relação com ele, mas por toda a sua vida o amou e soube esperar pacientemente, que agora se consolará com as reminiscências do novo Zima Vasconcelos, que renascera das cinzas, tornando mais amena a saudade, que com certeza iria bater naquele coração.