A Loirinha da Estação Suspiro.
A loirinha da Estação Suspiro
A Estação Suspiro, na época, era uma Estação da Viação Férrea, que ficava no Distrito do mesmo nome, do município de Sã Gabriel.
Quando piá, eu era coroinha da igreja matriz na cidade, sempre ajudava a missa, e era companheiro do Padre, quando ele viajava para as capelas dos Distritos da Campanha, a fim de realizar batizados, casamentos e festas dos padroeiros do local.
Um dos distritos mais visitados, era exatamente o de Suspiro, onde havia uma família de fazendeiros muito rica, e claro contribuía bastante para a Igreja,
Foi numa destas idas que conheci uma menina filha de um fazendeiro do local, e que era muito bonitinha, com seus cabelos loiros caixeados e rosto roseado como é natural das meninas daquela idade.
Fiquei muito impressionado com a mesma, pela maneira gentil com que me tratou, embora não me conhecendo, e apenas sabendo que eu era o “Sacristão” como eram chamados os coroinhas que ajudavam a missa.
Devia eu na época ter mais ou menos treze anos, e ela dava a impressão de estar próxima aos dez anos. Não posso afirmar exatamente, mas o fato é que gostei da menina e fiz uma amizade sincera com ela.
Passados alguns anos, mais ou menos dois ou três, e um dia quando estava ajudando a missa na capela do Colégio Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, que era das irmãs de Santa Catarina, vi entre as internas a menina. Incrível, meu coração deu um salto e ali, eu conheci o amor. A menina me olhou, e deu um sorriso, deixando-me cada vez mais nervoso, que cheguei a derramar o vinho da galheta que tinha na mão para servir o Padre na hora do ofertório.
A partir daquele momento, começou uma relação de namoro adolescente, onde ficou patente o interesse que me despertou para a realidade. Digo que me despertou para a realidade, porque achei que aquele relacionamento não iria prosperar, pois que, ela era uma menina rica, filha de fazendeiro e era interna em uma escola rígida em seus costumes, e as internas não podiam sair do colégio, em nenhuma hipótese. Somente com os pais quando as buscavam, para irem para casa.
Porém, e sempre tem um porém, havia o recurso das cartas que os piás trocavam com as gurias, e eram levadas e trazidas pelas alunas externas e colegas das namoradas da turma. Eu, no entanto, além das cartas, tinha ainda a vantagem de quando ia ajudar a missa na capela, podia dar umas palavras com menina, durante o momento do sermão, ou ainda na hora do café, que era servido para o padre e para mim, pois era também hora de recreio das internas.
E naquele tempo de adolescente, tudo era sonho e vontade. Ela era a rainha de minha vida e eu sonhava um dia ser o seu Príncipe encantado. Triste ilusão, pois quando do sonho acordava, tudo desvanecia, e somente a figura da Loirinha da Estação Suspiro permanecia na mente.
Namoro da adolescência, na época não passava de bilhetinhos, ou de vez em quando, uma sessão de cinema (O Matinê como era conhecido) aos domingos à tarde, que era o auge da felicidade, quando pegava na mão da menina.
Havia também uma oportunidade em que eu encontrava com a Loirinha. Era nos bailes de Carnaval no Clube Caixeiral, onde era levada por uma tia, que era amiga e conhecida da minha família. Naqueles bailes, a gente pulava, se abraçava e aproveitava a ocasião par dizer coisas lindas e fazer juras de amor.
Era Costume naquela época, o Padre ir rezar missa na Capela do Distrito de Suspiro, e eu como era “Coroinha”, aquele que ajudava a missa, que era rezada em latin (língua que eu dominava no sentido litúrgico) e que me serviu depois no ginásio para tirar boas notas na Matéria. Era o único da turma que tinha nota “10”, o que era motivo para os colegas invejosos dizerem que eu tirava dez porque lambia o saco do Padre.
Mas voltando as viagens para as missas, havia ainda a festa do Padroeiro da Capela, e à noite o baile, que era tocado por um gaiteiro, um pandeirista e um tocador de violão. Ali nos bailes eu dançava com a Loirinha de “Par efetivo”. Um dia ela me contou que ouviu o pai dela dizer para a mãe: “a loirinha passou toda a noite de namoro com aquele abacaxi que veio como Padre.” Aquilo me abriu os olhos, e daí em diante, quando eu ia nas missas com o Padre na Estação Suspiro, sempre ficava me cuidando do pai dela, e ele ficava me olhando e indicava os moços com quem ela devia dançar.
Os anos foram passando, e nós fomos crescendo. Um dia, eu fui incumbido pelo comandante do Destacamento da Polícia Rural Montada, para ir na Estação Suspiro, em casa de um fazendeiro que tinha bons cavalos para vender. O Comandante era amigo de meu pai, pois eram companheiros de caçada, e ainda ele era cliente de roupas masculinas que o pai vendia.
Quando chegamos na Fazenda qual não a minha surpresa ¹¹¹, era a casa da Loirinha, e quando ela me viu saiu correndo e fugiu de mim. Eu não disse nada, pois o pai da menina não havia me conhecido. Olhei os cavalos, que na verdade eram bons e podiam ser comprados, mas eu chateado com a menina, disse ao pai dela “São só abacaxi esses seus matungos” e convidei o soldado para irmos embora sem fazer negócio.
Algum tempo depois, fui num baile. Igual os do tempo de guri e via Loirinha dançando apaixonada com um rapaz que eu conhecia e sabia que era filho de outro Fazendeiro da Região. Soube depois que estavam noivos e que iriam casar em breve. Foi a última vez que a vi solteira, e ela, parecendo muito feliz, me olhou e botou a língua. Aquilo me doeu, não por ela estar noiva, mas porque senti que ela ainda gostava de mim, mas não tinha como expressar, para dar-me o adeus definitivo.
Como o tempo passa, passou para mim e para todos. Tive a notícia de que a Loirinha havia casado e que inclusive já tinha filhos com o rapaz com quem ela dançava na última noite em que a vi.
Eu saí de minha cidade, fui estudar e trabalhar em Santa Maria, onde fiz o curso de técnico em contabilidade no colégio marista, e fui trabalhar na Rádio Medianeira, que era de propriedade da Diocese de Santa Maria, onde criei um personagem que fazia um programa sertanejo (na época chamado caipira), personagem este que ficou famoso e conhecido na região como “ZÉ ROCINHA”. Era a moda na época, pois transmitia música, conselhos rurais e principalmente Piadas, que era e é até hoje o meu forte.
Após, fui contratado pela Associação Rural de Tupanciretã, e posteriormente na Cooperativa Rural Serrana, onde tive a oportunidade de estudar e me formar em Direito na Universidade de Passo Fundo. Quando a Cooperativa fechou, voltei para a cidade de São Gabriel, onde iniciei a careira de advogado. Ali, tomei conhecimento de que a Loirinha, já senhora de meia idade, morava perto de minha casa. Aliás esqueci de contar que havia casado e também tinha filhos, e soube que a loirinha estava viúva, pois o marido havia se suicidado, como aliás havia acontecido com um irmão e uma irmã dele.
Fiquei muito triste com a noticia, mas são coisas da vida. Algum tempo depois fui embora de São Gabriel, pois o ramo do direito era mito fraco e eu pretendia dar conforto para minha família, Depois de algumas cidades, me radiquei na Comarca de Novo Hamburgo, onde fiquei bastante conhecido, e cheguei a ser alçado a condição de Procurador Geral do Município, e algumas vezes a substituir o Prefeito. Fiquei conhecido como “Dr, Almada”, como aliás até hoje sou, inclusive aqui em Porto Alegre, pois me aposentei, fui jubilado como advogado, e exerço a função de “Instrutor do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/ RS.
Mas e a Loirinha?
Vejam só a ironia do destino, depois de quase 40 anos passados, tomei conhecimento, através de um amigo, que a mesma ainda morava em São Gabriel, e me deu o nº do Telefone dela. Curioso, liguei um dia e perguntei se era ela (citei o nome) e ela confirmou e perguntou, quem era. Eu disse aqui é o Almada. Ela perguntou, não sei quem é, mas como é todo o seu nome. Quando mencionei, senti eu ela teve um susto, pois nunca mais havíamos nos encontrado. Contou-me de sua vida, de seus filhos e da tragédia de seu casamento. Brinquei com ela, e tu não quisestes de casar de novo, pois que eu me lembro tu eras muito namoradeira. A resposta para mim foi como um tiro.
Ela respondeu assim: “Eu namoradeira, o único namorado da minha vida foste tu. Eu jamais namorei outro, e o casamento, como te contei, foi uma obrigação.” Se não fosse aquela imposição de família, para misturar fortunas, minha vida teria sido outra, cheia de felicidade.
Eu, como disse acima, me casei, e vivi 35 anos com a primeira mulher, a qual faleceu, e eu casei de novo, com uma que havia sido minha namorada na juventude, e hoje já fazem 19 anos que casei de novo. Porém, não nego, pois embora esteja errado, nunca esqueci a Loirinha da Estação Suspiro, e apesar de ser apenas por telefone continuamos amigos, e seguidamente eu ligo para ela. Sei que é uma tentação e um pecado, mas como diz o ditado: Amor da Infância, é como o primeiro brinquedo, sempre é lembrado e nunca esquecido.
Mas, tenho certeza que a Loirinha do Suspiro nunca me esqueceu, assim como eu jamais a esquecerei.
Porto Alegre, 25 de março de 2018