Eu Preciso do Seu Nome (revisado)
E eis que a idade vem chegando e o corpo começa a fazer exigências. Minha saúde não andava lá essas coisas, pois sempre fui uma pessoa sedentária, decidi que estava na hora de começar a praticar alguma atividade física. Escolhi caminhar, por imaginar que seria menos sofrido. Mas estava enganado. Inicialmente, foi quase uma tortura, admito. Cansava muito rápido, tinha vontade de desistir no meio do percurso e sentia muitas dores musculares nos dias seguintes. Mas foi questão de tempo. Logo me habituei e comecei a achar as caminhadas prazerosas e divertidas, chegando a sentir falta quando um imprevisto no trabalho me impedia de sair para me exercitar.
Passado o deslumbramento inicial, por estar finalmente cumprindo alguma meta de ano novo, comecei a prestar atenção nas paisagens e pessoas ao meu redor, que caminhavam ou corriam todos os dias no final da tarde, como eu. Os rostos foram ficando conhecidos, eventualmente aparecia algum diferente, mas, alguns destes novos eu nunca voltava a ver.
Foi num destes momentos de observação que o vi pela primeira vez. Não, ele não era o cara mais bonito que eu já tinha visto ali, nem o mais sarado, estava um pouco acima do peso, até. Era um cara comum, de barba mal feita, cabelos negros encaracolados, olhos apertados, pele branca com algumas marcas de acne da recém-deixada adolescência e um jeito de andar meio largado, como se não se importasse com nada a seu redor. Não consegui desviar os olhos, algo me prendeu imediatamente a atenção, uma breve sensação de já tê-lo visto anteriormente, mas nenhuma ideia de onde. Meu coração acelerou de uma maneira que fazia tempo não acelerava. Aquele rapaz despertara instantaneamente algo adormecido em mim, embora eu não soubesse nada sobre ele, nem mesmo o seu nome.
Passei a cruzar com ele todas as tardes, quando estava terminando meu percurso, ele sempre estava iniciando o dele. O encontro de olhares era quase inevitável e, fantasiando milhares de coisas entre eu e ele, comecei a não conseguir evitar um sorriso espontâneo ao vê-lo. Ele sorria de volta na maioria das vezes, o que me levou a acreditar que ele já havia percebido a forma como eu o olhava. Como se no fundo eu soubesse que ele sabia que o desejava. Não bastasse isso, para me iludir ainda mais, o moço mudou o horário da sua corrida, começou a ir mais cedo ao calçadão, e meu coração já apaixonado, decidiu interpretar esta mudança como uma desculpa para ele me encontrar, já que assim nos veríamos no mínimo duas vezes toda tarde. Eu queria acreditar que ele também estava gostando de me encontrar diariamente.
Comentei com algumas amigas, companheiras de exercícios, sobre o sujeito que estava dominando meus pensamentos, e elas começaram a se engabelar comigo, ajudando a alimentar ainda mais minhas fantasias.
Certa tarde, ao voltar para a pista onde fazíamos os alongamentos finais, cerca de trinta minutos depois de encontrar o homem dos meus recentes sonhos terminando sua caminhada, deparei-me com ele sentado no final da pista, olhando em direção de onde voltávamos, como se estivesse esperando por alguém. - Por mim! - gritou meu coração. Sentei-me propositalmente próximo a ele e comecei a me alongar, olhando frequentemente em sua direção, tendo consciência de que ele olhava de volta. E pior, ainda sorria para mim. Até mesmo minhas amigas perceberam que ele retribuía de alguma forma e começaram a incentivar-me uma aproximação, a tentar falar com ele, perguntar seu nome. A principal questão que me inquietava. Ficava imaginando como ele devia se chamar. Brincava dizendo que ele tinha cara de Everton, mas outros dias ele parecia se chamar Wellington, ou poderia ter um nome bem mais comum, como Francisco ou José. E embora a curiosidade também fosse grande, eu temia a rejeição, pois são incontáveis as vezes em que achei que estava sendo correspondido de alguma forma por alguém e só acabava me enganando. A paixão nos faz dar um significado conveniente para qualquer atitude da pessoa que almejamos tocar. Eu já estava velho demais, em vários sentidos, para ser enganado novamente. Pelo menos essa lição, já tinha aprendido.
- Jamais! – respondia eu aos incentivos de minhas amigas – somos dois homens, não posso abordá-lo desse jeito, vai que ele me xingue ou decida resolver isso na mão. Não quero apanhar de um homofóbico!
Eu mantinha o pé no chão. Pois sabia desde os catorze anos, que o mundo real não é como no cinema, onde duas pessoas se esbarram, se apaixonam, e casam no final, antes dos créditos subirem, embora isso seja até possível, acredito que eu não serei uma dessas pessoas. Jamais teria coragem de abordar um desconhecido, mesmo que já tivesse deixado transparecer meu interesse por ele. Ele certamente notara, talvez estivesse apenas achando tudo aquilo engraçado, no fundo gostando, mas poderia responder de maneira agressiva, caso eu resolvesse tomar investidas mais ultrajantes. Mas o meu maior medo, era o de me machucar de novo, quantas vezes já me apaixonei por caras héteros e me decepcionei com os trágicos desfechos a que essas paixões me levaram. Já perdi amigos por isso.
Depois de mais algumas semanas de caminhada e alguns encontros, com a troca de sorrisos ficando cada vez mais sem graça, com o enorme desejo de encontrá-lo acabando por se transformar em uma grande frustração, por não poder tê-lo. Descobri, através de uma amiga, o nome dele. E de repente, a nossa história pareceu ter chegado ao seu desfecho final. O interesse foi diminuindo, até que começamos a cruzar o caminho um do outro sem nos notarmos, até finalmente ele se tornar, para mim, apenas mais um na multidão que corria ali todas as tardes. Já tinha o suficiente para guardá-lo na lembrança, já tinha minha história com ele. Wagner seria apenas um nome que eu esconderia, junto com outras dezenas de nomes, no fundo do meu coração.