NOITE - miniconto

A noite foi chegando líquida, caindo devagar, como lágrimas tristes de rosas frias de orvalho. O sereno vai invadindo meu olhar de paz, as memórias gostosas de um passado recente, vão se descortinando lentas, como num flashback amoroso.  Vejo as conchinhas com cheiro de mar, que na infância nós catávamos na areia a beira do mar, éramos crianças felizes em nossa inocente cumplicidade, unidos na alegria e nas travessuras, nas dores dos joelhos ralados e nas gargalhadas de pipas voando no céu. Revejo na mente a silenciosa contemplação ao pôr do Sol, as mãos dadas, o arrepio do primeiro beijo, as dúvidas adolescentes partilhadas, o crescente do amor amigo. A chegada natural da paixão, o acordo tácito para toda uma vida, a família aumentando, o orgulho crescendo, a amadurecência geminada e a gratidão da trajetória. Uma simplicidade rotineira e sempre renovada, crises enfrentadas, lições aprendidas, dores e tristezas vencidas, gratidão e a fé inabalável, votos refeitos, muita paz e alegria nessa passagem de tempo. E hoje, observando a noite chegando úmida, deito ao seu lado de conchinha, como aquelas de nossa infância, me sentindo aquecida pelo calor do seu abraço, como um dos nossos pôres de Sol, vejo nossa história marcada nos fincos maduros que cruzam nossa pele, nascemos pele lisa, crescemos em colágeno adolescente, amadurecemos em linhas finas que chegaram silentes e aqui vamos adormecer com nossas rugas noturnas de muito amor.
Cristina Gaspar
Enviado por Cristina Gaspar em 01/07/2017
Reeditado em 03/07/2017
Código do texto: T6042874
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