Na prática a teoria é outra
“Vagabundo”, conforme o dicionário é um adjetivo substantivo masculino, polissilábico, paroxítona, que significa pessoa que perambula, vagueia, vagabundeia, que ou quem leva a vida no ócio, indolente, vadio. Mas por que eu estou ocupando tanto espaço para mostrar uma coisa que qualquer um poderia descobrir ou já tem uma ideia superficial a respeito? O que há de tão relevante nisso? A resposta é simples, foi a última palavra que ouvi de meu pai.
Não se engane, não há nenhum mistério nisso. Realmente foi fruto de uma discussão acirrada entre eu e o “coroa”. Ora, a coisa toda foi por causa de sua implicância com o meu estilo de vida. Tudo bem, alguns podem até achar que meu ponto de vista é errado e que todas as verdades estão do lado do “velho”, mas quero lembrá-los de que a vida que eu vivo foi projetada por ele, logo, tudo que acontece foi por vontade dele. Que culpa eu tenho se disponho mais tempo para as horas vagas? Minha mãe já havia alertado: “filho, quando você vai procurar emprego?” eu respondia: “assim que terminar a ‘facul’”, pô, estou errado? Não pedi essa vida, claro que agradeço por ela, sei da luta dos velhos para me proporcionar isso, não sou tão insensível, mas o que é que tem eu acordar no meu horário, sair de casa a hora que quiser? Eu já estou muito comprometido com a minha obrigação: estudar e me formar. Depois é outra história. Até lá, é justo que eu tenha meu próprio espaço e desfrute disso.
Mas a coisa engrossou para o meu lado. O velho não gostou de, além de ter que pagar a “facul” ainda ter que me dar grana para eu sair com a namorada. Aliás, foi ela quem me abriu os olhos para a opressão que eu sofria por causa da dependência econômica em que eu vivia. Fiquei muito aborrecido, com as acusações de “preguiçoso”, “inconsequente” e o tal “vagabundo”. Minha mãe, tadinha, de tão chorosa, nem quis se meter.
Estranho, na escola sempre nos ensinaram que a multiplicação é uma série de operações de adição, e o resultado é o produto, que é sempre maior que os fatores que sofreram a operação. Porém, a vida ensina que o sinal “X” é, na verdade, um combate, uma adversidade, cujo produto é o opróbrio que sempre diminui os partícipes.
Por fim, cá estou, num albergue fedorento, com minhas roupas amontoadas num amarrado vulgar, dividindo o alojamento com estranhos, bêbados, maltrapilhos, minha namorada não aguentou a falta de grana e meteu o pé. Agora eu penso: “que vida miserável eu levo!” onde está todo meu orgulho? “Não preciso do seu dinheiro para nada!” que idiota eu sou. Onde eu estava com a cabeça? “Nunca se deve tomar decisões de cabeça quente” vovô (que Deus o tenha) sempre me dizia isso. Sábias palavras. Não tomei café da manhã hoje, nem sei como farei para almoçar, o prato daqui é indigesto, já passei mal três vezes. Não sei como esse povo aguenta. O pior de tudo, ainda vou ter que pedir grana à minha mãe para pagar a “facul”. É isso aí, complicado. Mundo amargo sem o apoio da família e sem perspectiva de melhora. Não tem jeito:
- Alô?
- Mãe?
- Meu filho? Graças a Deus!
- Como você está?
- Estou bem e você?
- Vou indo... e o...
- Espera aí, seu pai esta aqui e quer falar contigo!
- Filhão?
- Oi pai!
- Volta pra casa e desculpa o seu velho, eu estava com a cabeça...
- Pai, eu te amo!