Ilustração de Ilana Gil
Amor na melhor idade 10 – Despedidas
Muitos meses se haviam passado, e ela se mantivera ocupada com diversas coisas, inclusive a visita da filha e da netinha, vindas de Nova York. Agora ela as deixara no aeroporto e voltava para casa, relembrando as divertidas semanas que desfrutaram juntas. Abriu a porta de seu apartamento, deixou a bolsa sobre a mesa de jantar e seu celular tocou.
“Alô...”
“Mmm... ãã... Sou eu.”
Ela sentiu uma onda de calor descer da sua cabeça até as solas dos seus pés. Ouvir a voz dele depois de mais de um ano e meio era um choque.
“Como você está?”
“Bem... Estou ligando para... para... para...”
“Sim?”
“Eu queria lhe pedir desculpas. Por tudo.”
“Você sabe que já está desculpado. E por favor perdoe-me também por todas as minhas loucuras.”
Ele riu, mas ela não conseguiu nem mesmo sorrir. Estava congelada.
“Ok... E como você está?”
“Muito bem, obrigada.”
“Também liguei para me despedir. Estou indo embora.”
“Embora? Você quer dizer do Brasil?”
“Isso.”
“Era o que você queria, não é mesmo? Deve estar feliz. E para onde? Estados Unidos? Europa? Israel?”
“Israel.”
“Aliah, finalmente?”
Ele riu outra vez.
“Finalmente.”
“Eu lhe desejo toda a felicidade do mundo. E toda a força e coragem de mudar tão radicalmente de... de... de tudo.”
“Obrigado. Olha, meu avião parte de São Paulo. Vou ficar aí uns dois dias resolvendo coisas. Gostaria de ver você.”
“Ok...”
Combinaram de se encontrar na Starbucks do Shopping Morumbi na quarta-feira. Ela desligou o telefone e se sentou vagarosamente, o pensamento em branco.
É claro que chegou mais cedo. Ficou à distância, esperando que ele chegasse. Contudo, o tempo foi passando e nada dele aparecer. Ela correu os olhos pelas pessoas que olhavam vitrines, caminhavam... E lá estava ele, encostado numa loja, mudando o peso do corpo de uma perna para outra. Provavelmente fazendo o mesmo que ela – esperando, para não ser o primeiro a chegar. Alto, forte, pele dourada e cachos escuros. Ela sentiu suas pernas virarem geleia.
Finalmente ele a viu e caminhou em sua direção e pararam um à frente do outro.
“Ei.”
“Ei você.”
Ele pegou seu braço e a dirigiu a uma das mesinhas, e se sentaram frente a frente. “Não morda a boca”, pensou ela. “Por favor não morda a boca.” Ele mordeu a boca.
“Tire esses óculos escuros. Quero ver seus olhos.”
O que seus olhos mostrariam? Ela não queria tirar os óculos. Não queria olhar direto naqueles escuros olhos penetrantes, que despiam sua alma. Baixou a cabeça, tirou os óculos e o encarou.
“Eu tinha saudades desses seus olhinhos de vidro.”
“Nem comece. Primeiro porque você tem menos da metade da minha idade, segundo porque foi aí que tudo descambou.”
“Idade não tem nada a ver. E descambou quando você me chamou de gigolô.”
“Descambou quando fiquei sabendo que você dera cantada na metade das minhas amigas.”
“Vai começar a me criticar?”
“Não. Águas passadas.”
“É, mas você me prejudicou muito.”
“Eu lhe avisei para não se aproximar demais. Você não precisava, não com tantas mulheres jovens e lindas ao seu redor. Eu não sou nem linda nem jovem nem coisa nenhuma. Mas você insistiu, e nunca descobri o porquê até muito tempo depois.”
“E qual foi a sua conclusão? Você sempre tirou conclusões erradas a meu respeito.”
“Eu sei, e já pedi perdão. Só que essa não foi errada. Você gosta de desafios. Eu só lhe fui mais um desafio, quando você não tinha nada melhor para fazer numa noite fria e sem novidades. E você nunca pensou no que eu poderia sentir. No efeito que teria em mim.”
“Já pedi desculpas.”
Ela riu.
“Parece que até para pedir desculpas nós discutimos... Mas eu sei que você mudou. Deixou tudo aquilo para trás. E pare de morder a boca.”
Foi a vez dele dar risada.
“Foi assim que você confessou que estava a fim...”
“Não foi. Não me venha com essa de que foi tudo culpa minha.”
“Tudo o quê?”
“Ok, ok, assunto encerrado. Fale de sua viagem.”
Durante os próximos vinte minutos, ele lhe contou de toda sua batalha para conseguir fazer Aliah. Ela interrompia aqui e ali com um “ah”, “sei”, “entendo”.
“Com quem você está viajando?”
“Com meu filho.”
Os olhos dela se encheram de lágrimas.
“Por que você está chorando?”
“Não estou chorando. Bom, estou sim! É a melhor coisa que você poderia fazer. A melhor coisa que eu poderia desejar para você. Deixar tudo para trás e seguir em frente com seu filho. Vocês dois merecem um novo começo.”
“Acredita em mim agora?”
“Na verdade, sempre acreditei...”
Ele se levantou e puxou-a pela mão, dando-lhe um abraço de despedidas. Ele era tão alto que ela precisou se levantar na ponta dos pés, então ele se curvou e ela mergulhou o rosto no seu cabelo cacheado. Ele cheirava a suor e a perfume, e ela gostaria de nunca mais se afastar.
“Seja feliz, menininho. Você merece.”
Ele deslizou a boca pelo seu rosto e encostou os lábios nos seus. Ela se afastou.
“Não.”
Ele só olhou bem no fundo dos seus olhos, puxou seu rosto e a beijou. Tinha a boca firme, mas o beijo era inseguro. O mundo começou a rodar, e ela abriu os lábios e o beijou de volta, como para firmar o beijo inseguro, que talvez ele nem quisesse dar. Afinal, ela não era nem jovem nem bonita. Ou talvez...
Ela se afastou antes que qualquer outro pensamento lhe viesse, voltou-se e caminhou rapidamente para a saída, sem olhar para trás.
“Next year in Jerusalem!”, bradou ele às suas costas.
"Não", pensou ela. "Não nos encontraremos em Jerusalém no próximo ano, meu amor. Agora um caminho totalmente novo se estende à sua frente, e você precisa segui-lo sozinho, e sem elos com o passado. Precisa amadurecer. Aprender a ser um homem honrado e honesto, a controlar seus instintos e seus pensamentos. Sobre tudo, meu amor, você precisa aprender a ser pai. Depois, num futuro não muito distante, você estará pronto para ser um esposo dedicado a alguma mulher de valor."
Com passos decididos, dirigiu-se à calçada e acenou para um taxi. “Nunca me esquecerei de você, meu querido. Você foi o último grande amor da minha vida.”
Uma garoa fina começara a cair. Ela entrou no taxi e, olhando para trás, viu-o caminhar na direção oposta, dobrar a esquina e desaparecer em meio à névoa.
Capítulos de "Amor na melhor idade":
1 - O Início - The Beginning
http://www.dalvalynch.net/visualizar.php?idt=5796098
2 - Transformação - Transformation
http://www.dalvalynch.net/visualizar.php?idt=5828297
3 - A Rival - The Rival
http://www.dalvalynch.net/visualizar.php?idt=5832665
4 - Vergonha - Shame
http://www.dalvalynch.net/visualizar.php?idt=5853797
5 - À Beira da Piscina - By the pool
http://www.dalvalynch.net/visualizar.php?idt=5854619
6 - O Campo de San Nazario - The Camp of San Nazario
http://www.dalvalynch.net/visualizar.php?idt=5885000
7- Amor ou ridículo? - Love or Ridicule?
http://dalvalynch.net/visualizar.php?idt=5888217
8 - Solidão - Loneliness
http://dalvalynch.net/visualizar.php?idt=5892472
9. Amor na era do medo
http://dalvalynch.net/visualizar.php?idt=5896710
10. Despedidas
http://dalvalynch.net/visualizar.php?idt=5911689
11. Desfecho
http://dalvalynch.net/visualizar.php?idt=5959256
Amor na melhor idade 10 – Despedidas
Muitos meses se haviam passado, e ela se mantivera ocupada com diversas coisas, inclusive a visita da filha e da netinha, vindas de Nova York. Agora ela as deixara no aeroporto e voltava para casa, relembrando as divertidas semanas que desfrutaram juntas. Abriu a porta de seu apartamento, deixou a bolsa sobre a mesa de jantar e seu celular tocou.
“Alô...”
“Mmm... ãã... Sou eu.”
Ela sentiu uma onda de calor descer da sua cabeça até as solas dos seus pés. Ouvir a voz dele depois de mais de um ano e meio era um choque.
“Como você está?”
“Bem... Estou ligando para... para... para...”
“Sim?”
“Eu queria lhe pedir desculpas. Por tudo.”
“Você sabe que já está desculpado. E por favor perdoe-me também por todas as minhas loucuras.”
Ele riu, mas ela não conseguiu nem mesmo sorrir. Estava congelada.
“Ok... E como você está?”
“Muito bem, obrigada.”
“Também liguei para me despedir. Estou indo embora.”
“Embora? Você quer dizer do Brasil?”
“Isso.”
“Era o que você queria, não é mesmo? Deve estar feliz. E para onde? Estados Unidos? Europa? Israel?”
“Israel.”
“Aliah, finalmente?”
Ele riu outra vez.
“Finalmente.”
“Eu lhe desejo toda a felicidade do mundo. E toda a força e coragem de mudar tão radicalmente de... de... de tudo.”
“Obrigado. Olha, meu avião parte de São Paulo. Vou ficar aí uns dois dias resolvendo coisas. Gostaria de ver você.”
“Ok...”
Combinaram de se encontrar na Starbucks do Shopping Morumbi na quarta-feira. Ela desligou o telefone e se sentou vagarosamente, o pensamento em branco.
É claro que chegou mais cedo. Ficou à distância, esperando que ele chegasse. Contudo, o tempo foi passando e nada dele aparecer. Ela correu os olhos pelas pessoas que olhavam vitrines, caminhavam... E lá estava ele, encostado numa loja, mudando o peso do corpo de uma perna para outra. Provavelmente fazendo o mesmo que ela – esperando, para não ser o primeiro a chegar. Alto, forte, pele dourada e cachos escuros. Ela sentiu suas pernas virarem geleia.
Finalmente ele a viu e caminhou em sua direção e pararam um à frente do outro.
“Ei.”
“Ei você.”
Ele pegou seu braço e a dirigiu a uma das mesinhas, e se sentaram frente a frente. “Não morda a boca”, pensou ela. “Por favor não morda a boca.” Ele mordeu a boca.
“Tire esses óculos escuros. Quero ver seus olhos.”
O que seus olhos mostrariam? Ela não queria tirar os óculos. Não queria olhar direto naqueles escuros olhos penetrantes, que despiam sua alma. Baixou a cabeça, tirou os óculos e o encarou.
“Eu tinha saudades desses seus olhinhos de vidro.”
“Nem comece. Primeiro porque você tem menos da metade da minha idade, segundo porque foi aí que tudo descambou.”
“Idade não tem nada a ver. E descambou quando você me chamou de gigolô.”
“Descambou quando fiquei sabendo que você dera cantada na metade das minhas amigas.”
“Vai começar a me criticar?”
“Não. Águas passadas.”
“É, mas você me prejudicou muito.”
“Eu lhe avisei para não se aproximar demais. Você não precisava, não com tantas mulheres jovens e lindas ao seu redor. Eu não sou nem linda nem jovem nem coisa nenhuma. Mas você insistiu, e nunca descobri o porquê até muito tempo depois.”
“E qual foi a sua conclusão? Você sempre tirou conclusões erradas a meu respeito.”
“Eu sei, e já pedi perdão. Só que essa não foi errada. Você gosta de desafios. Eu só lhe fui mais um desafio, quando você não tinha nada melhor para fazer numa noite fria e sem novidades. E você nunca pensou no que eu poderia sentir. No efeito que teria em mim.”
“Já pedi desculpas.”
Ela riu.
“Parece que até para pedir desculpas nós discutimos... Mas eu sei que você mudou. Deixou tudo aquilo para trás. E pare de morder a boca.”
Foi a vez dele dar risada.
“Foi assim que você confessou que estava a fim...”
“Não foi. Não me venha com essa de que foi tudo culpa minha.”
“Tudo o quê?”
“Ok, ok, assunto encerrado. Fale de sua viagem.”
Durante os próximos vinte minutos, ele lhe contou de toda sua batalha para conseguir fazer Aliah. Ela interrompia aqui e ali com um “ah”, “sei”, “entendo”.
“Com quem você está viajando?”
“Com meu filho.”
Os olhos dela se encheram de lágrimas.
“Por que você está chorando?”
“Não estou chorando. Bom, estou sim! É a melhor coisa que você poderia fazer. A melhor coisa que eu poderia desejar para você. Deixar tudo para trás e seguir em frente com seu filho. Vocês dois merecem um novo começo.”
“Acredita em mim agora?”
“Na verdade, sempre acreditei...”
Ele se levantou e puxou-a pela mão, dando-lhe um abraço de despedidas. Ele era tão alto que ela precisou se levantar na ponta dos pés, então ele se curvou e ela mergulhou o rosto no seu cabelo cacheado. Ele cheirava a suor e a perfume, e ela gostaria de nunca mais se afastar.
“Seja feliz, menininho. Você merece.”
Ele deslizou a boca pelo seu rosto e encostou os lábios nos seus. Ela se afastou.
“Não.”
Ele só olhou bem no fundo dos seus olhos, puxou seu rosto e a beijou. Tinha a boca firme, mas o beijo era inseguro. O mundo começou a rodar, e ela abriu os lábios e o beijou de volta, como para firmar o beijo inseguro, que talvez ele nem quisesse dar. Afinal, ela não era nem jovem nem bonita. Ou talvez...
Ela se afastou antes que qualquer outro pensamento lhe viesse, voltou-se e caminhou rapidamente para a saída, sem olhar para trás.
“Next year in Jerusalem!”, bradou ele às suas costas.
"Não", pensou ela. "Não nos encontraremos em Jerusalém no próximo ano, meu amor. Agora um caminho totalmente novo se estende à sua frente, e você precisa segui-lo sozinho, e sem elos com o passado. Precisa amadurecer. Aprender a ser um homem honrado e honesto, a controlar seus instintos e seus pensamentos. Sobre tudo, meu amor, você precisa aprender a ser pai. Depois, num futuro não muito distante, você estará pronto para ser um esposo dedicado a alguma mulher de valor."
Com passos decididos, dirigiu-se à calçada e acenou para um taxi. “Nunca me esquecerei de você, meu querido. Você foi o último grande amor da minha vida.”
Uma garoa fina começara a cair. Ela entrou no taxi e, olhando para trás, viu-o caminhar na direção oposta, dobrar a esquina e desaparecer em meio à névoa.
Capítulos de "Amor na melhor idade":
1 - O Início - The Beginning
http://www.dalvalynch.net/visualizar.php?idt=5796098
2 - Transformação - Transformation
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3 - A Rival - The Rival
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4 - Vergonha - Shame
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5 - À Beira da Piscina - By the pool
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6 - O Campo de San Nazario - The Camp of San Nazario
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7- Amor ou ridículo? - Love or Ridicule?
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8 - Solidão - Loneliness
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9. Amor na era do medo
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10. Despedidas
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11. Desfecho
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