RECOMEÇAR

Durante os primeiros cinco anos de casamento, Júlia e Carlos viveram embalados pelo fogo da paixão. Tudo era mágico e encantado, e eles se preocupavam apenas em usufruir ao máximo o prazer de estarem juntos, nos momentos em que o trabalho permitia.

Ela era professora, no período vespertino, na escolinha local, enquanto ele se dedicava ao trabalho na fazenda de gado leiteiro, da qual era proprietário. Não lhes sobrava muito tempo, mesmo assim o mundo girava ao seu redor. E como eram felizes!

Fruíam tão intensamente os prazeres daqueles dias mágicos, que nem cogitavam sobre o futuro, todavia ela engravidou. Embora ainda não houvessem pensado em filhos, ficaram felizes e Júlia teve certeza que o filho viria para coroar aquele amor lindo.

Durante os nove meses seguintes, Carlos cercou a esposa de cuidados, até convenceu-a a deixar a escola. Então, ela passou a se dedicar ao filho que esperava e à casa.

Quando a criança nasceu, um menino, Carlos se ligou a ele de forma impressionante. A esposa, que ficou em segundo plano, entrou em depressão e ele, por ser uma pessoa de poucos esclarecimentos, nem percebeu. Agora tinha o filho.

Júlia sofreu, no entanto, voltou a engravidar ainda na dieta. Mais um filho e no ano seguinte mais um. Agora uma menina.

O encantamento da paixão acabara ainda na primeira gravidez e a realidade escancarou-se, pesada. Carlos só pensava nos filhos e Júlia vivia para cuidar de todos. De sua profissão, que imaginara ser para sempre, agora, só lembranças.

O tempo foi passando e os filhos crescendo. Eles eram o centro, ao redor dos quais Júlia gravitava, a meia luz. Sua vida estava perdendo a graça e embora Carlos continuasse gentil e atencioso, não era mais aquele, junto de quem fora tão feliz e tanto sonhara. Para ele, agora, os filhos e o trabalho vinham antes. E ela? Só à noite, na cama, quando voltava a ser importante. O ato sexual, no entanto, transcorria silencioso, automático, um tanto carente de maiores significados para Júlia, enquanto ele, uma vez satisfeito, mergulhava no sono em seguida. Ela esforçava-se para não chorar. Permanecia longo tempo acordada, vagando no passado. Lembrava-se de quando se conheceram. Ela estava com os colegas de formatura em pedagogia, hospedada num hotel fazenda, próximo à fazenda de Carlos. Conheceram-se no primeiro dia em que chegaram, na portaria do hotel, onde ele se encontrava, conversando com o proprietário. Seus olhares se cruzaram e seu coração disparou.

Naquele dia nada mais aconteceu, mas Júlia não conseguia descolar o pensamento de Carlos. Com ele, algo semelhante acontecera, tanto que, no outro dia, bem cedinho, voltou ao hotel e o encontro deu-se como uma mágica, como se estivesse combinado. Viram-se ao mesmo tempo e ficaram assim, um de frente para o outro, olhando-se, paralisados, depois sorriram e se apresentaram.

Durante aquela semana, em que a turma permaneceu no hotel, Júlia e Carlos se encontraram todos os dias. Passearam muito, andaram a cavalo, de charrete, pescaram, nadaram no poço da cachoeira e juraram que nunca mais se separariam. Estavam apaixonados! Cinco meses depois noivaram. Carlos construiu uma linda casa e casaram. Tudo era belo e maravilhoso. E agora? Amava os filhos e isso a fazia feliz, em parte. E Carlos? Estava, já, tão habituada àquela vida insípida, que nem conseguia mais definir o que sentia realmente pelo marido. Gostar dele, gostava, mas era um sentimento que não a satisfazia.

Carlos comprou um pequeno apartamento na capital para os filhos e, na medida em que concluíam o ensino básico, mandava-os para lá. Precisavam preparar-se para o ingresso na faculdade. Ele não tivera oportunidade de estudar, nem o primário terminara, mas os filhos estudariam, até se formarem na faculdade.

Primeiro foi Fernando, o mais velho, depois, nos dois anos seguintes, Guilherme e Paula seguiram o caminho do irmão.

Como no início, Júlia e Carlos voltaram a ficar sós. Agora, porém, já não havia tanta graça em estarem juntos. Embora não brigassem, não houvesse desentendimento e não pensassem em separação, eram praticamente dois estranhos dividindo, de forma amistosa, a mesma casa. Havia um acordo tácito: ela cuidava zelosamente da casa, como sempre fizera e ele batalhava o dia inteiro, todos os dias, na lida com o gado. Encontravam-se ao meio dia, para o almoço e à noite, quando faziam sexo e ela, apesar de tudo, sentia prazer. Não era um orgasmo como aqueles dos velhos tempos da paixão, mas era orgasmo, não obstante automático.

A vida seguia assim: nas férias os filhos apareciam, trazendo alegria, e Julia voltava a sorrir. Depois eles iam embora e o marasmo reassumia o comando.

Fernando se formou em medicina e ficou na capital. No ano seguinte, Guilherme concluiu engenharia civil e também decidiu permanecer na capital. Paula se tornou advogada e mudou-se para uma cidade do interior, onde se estabeleceu.

Júlia estava com 43 anos e Carlos com quarenta e sete.

A vida seguia sem novidades e Júlia acostumada, já acreditando que esse era o transcorrer normal da vida, acontecia com todo mundo.

Dois anos depois, porém, assim, de repente, ela começou a perceber que o processo de algo importante se desenvolvia em seu organismo e não era nada bom. Os sintomas a deixavam assustada: menstruações irregulares, palpitações e fadiga, mal-estar, sem nenhuma causa aparente, tontura, às vezes náuseas, calorões repentinos. Andava sem desejo sexual e, para piorar, a vagina parou de lubrificar, causando dor na penetração e ela gemia. Era alarmante e o problema da secura vaginal agravou tanto, que se viu constrangida a falar para Carlos sobre a situação e ele não entendeu. Acreditou que a esposa estivesse apenas arrumando desculpas, porque o deixara de amar. Demonstrou seu descontentamento e foi dormir em outro quarto. Júlia chorou em silêncio. Passou a noite insone, pensando que seu casamento terminara e no que faria, doravante.

Nada, todavia, aconteceu, que mudasse a rotina. Carlos levantou-se cedo, como sempre, foi para o trabalho, voltou à hora do almoço e conversou com a esposa, como se tudo estivesse no devido lugar.

Durante alguns dias não fizeram sexo, embora voltassem a dormir juntos, até que Carlos demonstrou desejo, abraçando-a por trás. Ela sentiu a ereção e arrepiou-se toda...de medo, mas cedeu. Sentiu dor, ainda mais forte, gemeu e Carlos tentou sair da cama. Ela o segurou e pediu, tímida:

-Por favor, fica, vamos conversar. Preciso tanto de tua compreensão, alguma coisa muito grave está acontecendo comigo. Acho que tenho uma ferida no útero, ou algo pior, estou sofrendo e com medo. Por favor!

Ele parou e ouviu em silêncio tudo o que a esposa tinha a dizer-lhe. Refletiu durante alguns minutos e por fim demonstrou haver entendido. Prometeu que no dia seguinte marcariam consulta com um ginecologista e assim fizeram.

Os dois foram ao consultório. Era uma médica, a qual, realizados os procedimentos necessários, informou:

- Está tudo bem, Júlia, fica tranquila. Teu útero está ótimo. O que acontece é que entraste na menopausa, um processo normal na vida de toda mulher. As consequências atingem mais fortemente a ti, mas também o marido, de certa forma.

- Menopausa, doutora?! Eu só tenho 45 anos!

Carlos ouvia atentamente, em silêncio.

- É assim mesmo, com algumas mulheres acontece mais cedo, respondeu a médica e tu foste contemplada. Com tratamento adequado, compreensão e carinho do marido, tudo vai ficar bem. Vou te prescrever reposição hormonal, para diminuir os calorões e aumentar a libido, e para a secura da vagina, um gel lubrificante vai ajudar, para que vocês façam sexo normalmente, sem dor.

Para concluir a consulta, a médica se pôs à disposição do casal e o aconselhou sobre como proceder dali em diante, passou a receita dos medicamentos, um pedido de Papanicolau e eles se despediram.

Na volta do consultório, pouco conversaram, iam pensativos, mas aliviados. Em casa, sentaram-se frente a frente e passaram a vida em revista. Lembram os primeiros tempos, de como eram felizes. Agora estavam sós, novamente; os filhos, longe, mas bem encaminhados, com vida própria e eles ali, ainda com muita vida pela frente.

Deram-se as mãos, sorriram e se prometeram um recomeço.

MCSobrinho
Enviado por MCSobrinho em 29/09/2016
Código do texto: T5776651
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