AS TRÊS MARIAS
AS TRÊS MARIAS
Conto de Solano Brum
PRIMEIRA PARTE
... “O bom cabrito não berra!...” - Se o ditado popular é realmente certo, vou ficar esperando, até ver aquele rostinho bonito!
Cheguei de Angra à tardinha e corri para cá. Este Terminal Rodoviário, no Centro da Cidade do Rio de Janeiro, seja dia, noite ou madrugada, está sempre cheio. As pessoas chegam e saem indiferentes a tudo e seguem seus destinos. Não param nunca. Estão sempre apressadas. Veem ou vão para diversos lugares!
Foi ontem que recebi ordens de meu chefe para uma viagem. Mas, quando vi o itinerário, percebi que não era bem uma “viagem” e sim, um passeio a Angra dos Reis! Um pé lá e outro cá – pensei. Seria bom para mim. Vou refrescar a cabeça! Trabalho para uma Seguradora. Roubos, batidas, incêndios e outras coisas mais que venham a acontecer com carros. Investigo, faço um relatório, entrego para o Advogado e saiu “de fininho” da área, para não aparecer. Assim que cheguei, de posse de uma procuração, fui a Delegacia e procurei pela Cópia da Ocorrência. Antes, porém, fui olhar o carro, - se é que se podia chamar de “carro”, aquele amontoado de ferro retorcido e queimado. Batida sem vítimas, sem sangue... Incrível! Conversei com o dono. Estava um tanto nervoso e me pareceu não querer detalhar os fatos. A princípio, ele quis saber quem eu era e o que pretendia, o que lhe dava o direitos a respostas, é claro, dentro das possibilidades. Um homem que, enquanto o inquiridor abria a boca, na dele já havia duas ou mais palavras com ou sem fundamentos. Vez por outra respondia ironicamente referindo-se já haver prestado depoimentos na Delegacia. Reclamou, dizendo que enquanto fazia a Ocorrência na DP, o ladrão, por sua vez, fazia aquele estrago todo em seu carro. – Falava e mostrava-me o estrago no carro. Alegou ter sido roubado. Será? – “Sei não!” Tive dúvidas, mas não falei nada. Abri a pasta e retirei dela uma máquina fotográfica pequena, e comecei a tirar fotos na frente do homem e anotei tudo que vi, para anexar à cópia da Delegacia. O Detetive de Plantão recebeu-me cordialmente.
Embora eu esteja meio preocupado, neste Terminal, não estou na fila... Como eu disse no começo, espero por um rostinho bonito... Tampouco atrapalho as pessoas que passam apressadas. Espero e penso: De repente sinto meus pensamentos serem desmotivados. “Acho que ela não vem. Deve ter ficado aborrecida comigo. Dei-lhe um chá de espera... E logo em que lugar! - Aqui, onde todo mundo é despejado pelos ônibus e saem apressados ou são engolidos apressadamente ao interior dos veículos de massa, para o transcurso às suas residências. Mas, só Deus sabe o quão preocupado fiquei, lá, onde achei que seria um pulo pra lá e outro pra cá, quando percebi que já se aproximava a hora de nosso encontro, aqui.”
- Estarei aqui amanhã! – ainda a ouço pedindo-me para confirmar: – Você também?
E nesse curto diálogo, sem a absoluta certeza do meu “amanhã”, porém, sendo eu o maior interessado, respondi-lhe:
- Sim. Pode me esperar!
Eu mal sabia o que estava à minha espera! Minha residência fica em Nova Iguaçu. É uma modesta casa. Solteiro, bom emprego, terminando a faculdade, procurando alguém... Já é tempo – acho até que está demorando muito! Um amor verdadeiro, - pois, os que passaram por minha vida até então, foram apenas despretensiosas namoradas -, são difíceis! Nenhuma fez até então grande jogada... Nenhuma que me deixasse atirado ao chão, sem defesa. Procuro alguém! Mas, aquele rostinho... Ah! Aquele rostinho bonitinho que vi... me fará sujeito aos seus encantos! Era para esperá-la ontem, no entanto, só agora o faço pelo imprevisto alheio à minha vontade. Digo: “ -como aparecer ao tal encontro, se ao chegar à Delegacia, o Escrivão informara-me que a cópia da Ocorrência só ficaria pronta no dia seguinte.” Quando ouvi, fiquei como que prostrado. “ - Somente amanhã? E como ficaria o meu encontro?” – Pensei rapidamente. Não tínhamos nenhuma comunicação. Apenas um “trato”. Encontraríamos aqui, neste local, - ontem - e lá estava eu, sem ter como voltar, por estar tão longe! O que me parecia um passeio, tornou-se um pesadelo. Como ela receberia minhas desculpas? E o que lhe dizer, logo no primeiro encontro? Primeiro sim. Apesar de estarmos sempre nos vendo todas as tardes, era o nosso primeiro encontro “marcado”. Que fazer? Não sei! Naquela hora, sai da Delegacia, preocupado. Enquanto o sol se despencava no horizonte, eu entrava no hotel, de onde, a contra gosto, permaneceria até as primeiras horas da manhã do dia seguinte. Quanto mais se aproximava a hora do nosso encontro marcado, - ontem - mais e mais eu ficava nervoso. Minha preocupação era com ela. Nesta hora, - eu pensava - ela deve estar naquela fila... Ficará ali, à minha espera, quem sabe, cheia de pensamentos... A pergunta rodava em minha cabeça: - Ficaria ou não até o seu último ônibus? De certo modo, não encontrava resposta. Duvidando, achava que não... Mas, na segunda-feira da semana passada, cheguei atrasado, de propósito, sem termos nenhum trato de encontro. - Aliás, nunca havíamos trocado até então, sequer palavra. Apenas nos víamos de longe... E eu, por vê-la, sentia que ela estava ali, a me esperar. Mas, por que ela me esperava?
Todos os ônibus foram remanejados para este local, destras da Central do Brasil, como Terminal Rodoviário Mário Fontenelle, mudando, com isso, os hábitos dos usuários seguirem pela Avenida Rio Branco até a Praça Mauá. Somente os de Tarifas “A” permaneceram naquele antigo terminal. Era um cordão de formiguinhas humanas... Todos nós seguíamos apressados, Avenida abaixo, e, o grande encontro era ali, naquele velho terminal que outrora pertencera aos ônibus Interestaduais. Eu mesmo quando desembarquei, voltando de Recife para um longo trabalho que exigiu até a presença de um advogado e uma audiência, desembarquei nele. Retirando dali os desembarques intermunicipais, O propósito fez centralizar todas as Empresas de ônibus num só Terminal. Assim foi feito e aqui estou, olhando para um lado e outro, - no outro dia do encontro marcado - sabendo que aquele rostinho lindo, logo, logo aparecerá.
Dias atrás, ela ficou na ponta de sua fila, um bom tempo, esperando que a minha, à sua frente, andasse para que pudesse me ver. Passei e ela apenas me olhou. Matando sua vontade de me olhar entrou no seu ônibus. Tal fato, eu só percebi depois de uns dez a quinze dias consecutivos, entrando na mesma fila, defronte à sua, no mesmo horário. O engraçado, é que somos vigiados o tempo todo por alguém ou por mais de um alguém, e nunca percebemos. Meu pai sempre me dizia: “Meu filho, nunca passes por um só caminho e procure sempre observar todos os detalhes à sua volta!” Mas, quem poderia me garantir que um alguém como ela, estaria me espreitando? Passei a vigiá-la, também.
Nunca havíamos trocado uma palavra sequer até àquele instante. Olhávamos apenas um para o outro. Eu, que até então de nada havia desconfiado, fiquei a observar. Um dia, ficamos frente a frente. Nem ela, nem eu entramos em nossos ônibus. “Está lotado!” Disse-lhe. Ela, com apenas um balançar de cabeça confirmou que “sim”, e seus cabelos louros acompanharam os movimentos imprecisos. Depois, sorri discretamente. E vi apenas sua boca franzir desenhando um leve traço, sem deixar-me ver brilho dos dentes. “-E pensar que vários nervos se contraem para nos mostrar no rosto um belíssimo sorriso!” Mas o que vi, foi apenas “um breve traço encerrando um despretensioso sorriso”. Entrei no próximo que parou na plataforma e a vi, tentando encontrar-me pelo lado direito. Escondi-me de propósito. Mas, pensei nela, todo o tempo em que permaneci dentro daquele veículo, ao longo da viagem. – Será? Não sei! Prometi a mim mesmo que arrancaria dela uma explicação. No outro dia, às mesmas horas, fiquei mudo. Tremi nas bases. – Será? – Não sei! Dizem que, é assim que o coração da gente dá o sinal ao ser flechado! – Será? – Não sei... Acho que sim! Amanhã ponho tudo em pratos limpos falando com ela. Afinal, já me lançara seu sorriso esplendoroso! Boca fechada, sim, mas, senti a penetração do dardo. No outro dia, lá estava eu. E logo eu que sempre enfrentei tudo e dei em cima de todas, - pois, não é que afrouxei! Fiquei na dúvida: Ela sempre pega seu ônibus depois de mim. E se ela espera por outro, coincidindo com minha passagem por ela? – Será? - Não sei! Amanhã, vou chegar um pouco mais tarde, e se ela estiver mesmo à espera de outro, não a encontrarei mais na fila. Foi o que fiz. Cheguei bem tarde. Eu chegava àquele Terminal, por volta das dezoito, dezoito e meia e, nessa noite, cheguei, precisamente às vinte horas e quarenta e cinco minutos. Cheguei mais tarde do que pretendia. Não vi ninguém na minha fila a esperar pelo meu ônibus. Entretanto, um ônibus estava chegando. Era o dela. E para minha surpresa, lá estava ela, pequenina à distância, ostentando uma saia rodada e pernas roliças. Estava concentrada na leitura de um pequeno livro. Calma e transparente, quando me viu, entrou rápida em seu ônibus, o qual, como num passe de mágica, roncando o motor, saiu acelerado, deixando em mim, nítida impressão de que o motorista estava só esperando que ela entrasse. – Será? – Não sei! Mas, senti que havia nascido na minha pobre cabeça um montão de caraminholas. Ao passar por mim, deu tempo apenas de voltar-se para o lado e olhar-me através dos vidros grossos da janela. Entrei no meu ônibus, arrependido do que havia feito. Para ela, talvez, tenha sido uma prova dura! Ficou a esperar-me e nada me disse. Ficou apenas para me olhar? O que é que ela quer afinal, comigo? – Será? – Não sei! Tenho certeza de que ela não me conhece! Amanhã, vou falar com ela.
No outro dia, cheguei com uma amiga. Assim que ela me viu, deu um sorriso e minha amiga percebeu dizendo-me em tom harmonioso:
- Xiii! Acho que estou sobrando... Até amanhã!
Entrou em seu ônibus e ficou me olhando. A fila em que eu estava moveu-se, dando-me oportunidade de ficar frente a frente com ela, há uma distância de uns... dois metros, talvez. Sua cabecinha loura brilhou. Muitas pessoas transitando por entre as filas e um festival de ambulantes cruzava a nossa frente. Nossas cabeças ficavam procurando de um lado a outro, uma maneira de nos olhar. Eu queria vê-la e um vendedor abaixava-se para pegar alguma coisa no recipiente de isopor, impedindo-me. Espichava o pescoço e tombava a cabeça e ela, seguia meus movimentos. A cena era engraçada. Quando ela me via, eu a perdia. Resolvi dar cabo em tudo aquilo. Afinal, sou bicho caçador! Vou lá e pronto. Antes de eu dar o primeiro passo, bateu forte meu coração. Fiquei nervoso. Afinal, quem estava sendo caçado, era eu. Isto explica ser o homem a própria caça. Nenhuma mulher é caçada... Essa conclusão chegava-me naquele instante, posto que, jamais havia pensado nessa possibilidade! – Mas, enchi-me de coragem... – Sou ou não sou – convenceu-me o lado machista - bicho caçador? Sai da fila e aproximei-me. Mas, o que devo lhe dizer? E muito perto, sem ter tempo de criar um rápido diálogo, arrisquei:
- Oi! – Mas quanta gente, não é?
Ela apenas deu um sorriso.
Aquele sorriso... Aquele sorriso poderia endereçar uma flecha bem mais certeira do que saíra das mãos de “Diana” à caça pretendida. Como qualificar aquele sorriso de flecha? Que sim... Que... eu a estava sendo inoportuno? Será que ela não entendeu que aquela era a minha primeira cantada? Ou ela seria muda? Sei lá. Fiquei olhando seus pequeninos olhos e, entre milhões de pensamentos em um milésimo de segundo, viajei ao infinito que, de tão infinito, é além do além e voltei. Enchi-me de coragem outra vez e falei:
- Eu estava te olhando... Mas, aquele vendedor ali... Culpei-o.
- Eu também te olhava! Cortou-me a palavra enquanto eu agradecia a Deus por não ter que recorrer a mais nenhuma. Naquele instante, todo o repertório que eu havia criado, escrito e decorado, que estava dentro de minha cabeça, havia se deteriorado; derruído... - sei lá - e fiquei sem nada para lhe dizer. Mas, protegido por alguma deusa do amor naquela hora, disse-lhe:
- Então, você estava me olhando enquanto eu te olhava?
- Sim! Respondeu-me, rápida, deixando visível na boca o colar de pérolas alvíssimas ao sorrir. Seus lábios eram carnudos. A boca, um tanto grande para aquele rostinho redondo!
- Estás aborrecida comigo? - Ah, me vinha à cabeça cada coisa – arrependi-me.
- Eu teria razões? Respondeu-me, encenando um espanto.
Que burrada a minha! Não ter o que perguntar! A razão foi ficar a minha espera, mas, acho que ela não entendeu. Ainda bem que, o obvio para mim, não o foi para ela.
- Não. Claro que não!
- Então, não estou! Respondeu-me categoricamente. Ao falar, seus pequeninos olhos se fecharam, deixando à vista o rigor extremado da pintura em tons azuis, à sua volta.
Aquele diálogo, sem nexo algum estava me deixando nervoso, pois, eu deveria aproveitar aquela oportunidade. Afinal, sou caçador! Porém, essa caça está me dando nos nervos! Um pequeno silêncio se fez e ela o quebrou dizendo:
- Preciso entrar nesse ônibus. Amanhã te vejo por aqui?
- Sim. Respondi-lhe meio sem graça, porque minha intenção era conversar um pouco mais. Mas, ante o convite, fiquei maravilhado. Não o esperava assim, vindo dela.
- Então, até amanhã? Perguntou-me acenando com a mão como quem espera pela confirmação.
- Até amanhã! Confirmei. Era nosso primeiro encontro “marcado.”
Seu ônibus partiu e eu voltei à minha fila. No outro dia, lá estava ela. Fui direto a seu encontro. Num breve espaço de tempo, disse-me chamar-se Maria, já que nos conhecíamos de vista. Conversamos por um bom tempo. Coisas sem nenhuma importância. Foi assim que lhe pedi para que ficasse à minha espera no dia seguinte pois, não queria tomar-lhe muito o tempo, ali, naquele terminal. Ela aceitou. Meu coração pulou de alegria. Fui aos céus e voltei num piscar de olhos. Acho até que ela percebeu minha alegria. Só que, no outro dia, recebi a danada da missão. Mas, pensando que seria apenas ir e voltar, antes mesmo de secar meu cuspo no chão, por lá fiquei. Agora, aqui estou e, o que é pior, ela ainda não apareceu. Estou a esperá-la e o ponteiro menor do meu relógio estacionara no número nove ( vinte e uma hora ) e o maior, já indicava vinte minutos a mais da bendita promessa. Preocupo-me por ela. Meu ônibus estava para sair e ela não aparecia. Dava-me o troco? - Será? – Não sei! Entrei no veículo, sentei-me e adormeci de cansaço, só acordando no ponto final.
Eu morava perto do ponto final. Era só dobrar a primeira esquina, seguir uma rua iluminada e lá estava meu portão à minha espera. Quase defronte a uma Clínica “Centro Médico Geriátrico”. Não é o meu caso, é claro. Tenho apenas vinte e oito anos. Solteiro, procurando por alguém!
No outro dia, cheguei mais cedo. Fiquei afastado para vê-la passar. Queria vê-la andando. Meu coração batia forte, quase descompassado e eu, parecia um menino a espera de sua primeira namorada.
O Terminal Rodoviário tem cerca de quatro pistas de embarques, com, aproximadamente, quatrocentos metros cada. O rumor forte, a fumaça de descargas, bem como as buzinas, tudo se espalha por seu interior. Vendedores ambulantes, gritos e até prostitutas, desde o começo da tarde, varando a noite a emendando com o dia seguinte. Algumas casas de entorno – antigas casas que o Estado tentava desapropriar - estavam sendo demolidas, porém, o processo de indenização, vinha de encontro aos protestos dos proprietários. Um degringolar de progresso inesperado, por assim dizer, aos usuários, não acostumados com a passagem estreita daquela Rodoviária recém-inaugurada. E as “famosas meninas” transitam pelas imediações da Central do Brasil, onde fazem seus pontos. Todas, sem exceção, quando chegam de outros localidades dessa imensa Guanabara, se fixam, sentenciando assim, suas decadências como última estremadura! Não abordam a nenhum homem. Eles é que chegam e elas os atendem. Nunca ultrapassam a linha imaginária do Terminal, misturando-se aos familiares moradores dessas casas. Suas órbitas eram em volta da Central, pelas calçadas e algumas, recém-chegadas, voavam, às vezes, pelas adjacências.
As casas velhas eram derrubadas de um dia para o outro. Subia uma poeira pegajosa, quando não, uma infernal lama nos dias de chuvas. Mas, que fazer? - “Todo progresso exige um pouco de sacrifício...” Foi o que falei a uma amiga, quando ela reclamou daquela passagem estreita. Naquele instante, esperando como estava, a um canto, sem entrar na fila, vendo quem passava ou quem retornava, tive a infelicidade de, ao erguer os olhos, tentando ver quem eu pretendia ver, deparar-me com dois olhos azuis na multidão. Eram tão azuis, que mais pareciam dois faróis acesos. De repente, percebi que a dona daqueles olhos que tanto me impressionaram a distância, vinha em minha direção. Magra, alta, cabelos maltratados... Um espectro delido de gente, talvez! A deslanchada vida destruiu, de seu rosto, a beleza peculiar e a seguir, fez murchar todo seu porte, tornando-o macilento, contrastando, com seu passado, quiçá, altiloquente. Calmamente, ela aproximou-se e fez-me sua proposta:
- Quer fazer amor comigo, querido?
Assim. Na lata. Sem nenhum pejo, já que não seria capaz de se encontrar pejo algum naquela pobre criatura. Surpreso, pois, nunca em minha vida havia deparado com tal situação, olhei-a com o coração partido.
– Não, obrigado! Respondi-lhe preocupado com o que ela poderia falar... Retornar o diálogo, pois, eu não sabia o que mais conversar. Faltava-me folego. E foi o que aconteceu.
- Mas, você me olhou! – Deu um sorriso malicioso, como se revelasse: “Não tem escapatória!”.
- Sim. Olhei-a, mas, não para a senhora. Perdoa-me! Olhei e seus olhos estavam na direção em que eu olhava.
- Ah! Entendo. Olhou-me, mas, não olhou para mim, estou certa?
- Sim. Não quis espichar a conversa. - A Senhora está certa!
- Não me chame de Senhora. Resmungou. Meu nome é Maria. E então, você quer ou não fazer amor comigo? Sorriu, deixando à vista os dentes bem conservados, apesar do tom amarelo, provocado pela nicotina de algum tabaco, sabe-se lá Deus!.
- Não. Obrigado, Dona Maria!
Ela saiu de perto de mim, como se nada houvesse acontecido, à procura, - talvez, de outro qualquer. Eu menti para ela. Eu a olhara sim. Olhara para os seus lindos lindos olhos azuis. Mais encantado do que atinado a atenção! Eu sabia que era uma mundana. Mas seus lindos olhos fotografaram-me, como se dizia. Só não poderia adivinhar que ela viesse até a mim para oferecer-me seu corpo. Não foi uma imprudência. Eles apareceram justamente para onde eu havia olhado. Bem no instante em que um apontador do “Jogo do Bicho” bateu com sua régua sobre a mesa, gritando para chamar a atenção dos passantes adeptos a aquela espécie de aposta. Minha cabeça se voltou e lá estavam aqueles olhos azuis... Por um instante, os fitei admirado. Agora, tento imaginar o porquê daquela vida? Como teria ela chegado a tal decadência? Que pecado cometera, se um dia, gozara dos mesmos direitos de todas as crianças! Meu Deus, que penso eu? Mas, quem a empurrara para tão profundo abismo? Como podemos, nós, desta sociedade medíocre, resgatarmos desse lodaçal, pessoas infelizes - como ela?
Virei, e lá estava o meu alguém esperando por seu ônibus. Havia passado por mim, sem dirigir-me uma palavra. Enquanto me preocupava com estas coisas que me partiam o coração, lá está o alguém que terá o prazer emendá-lo, de agora por diante, com seu jeitinho de mulher!
Aproximei-me, não tão eufórico como sempre me aproximei das outras. Ela sorriu. Quebrou o gelo e começamos a conversar. Aproveitei para pedir-lhe desculpas por não ter comparecido ao encontro do dia anterior. Ela sorriu e revelou:
- Fiquei te esperando... Disse-me como se me cobrasse uma explicação.
Eu estive trabalhando em Angra! Confirmei o nosso encontro, mas sou subordinado ao trabalho que faço. Às vezes, chega uma ordem da qual não estou esperando... Quer dizer, ordem que me tira o itinerário do dia a dia... Você entende?
- Claro que sim! Lá é bem melhor que isto tudo aqui, não é?
- Sim. Mas, bem melhor seria se eu tivesse voltado ontem mesmo e te encontrado aqui, como hoje o faço! Não pude regressar a tempo!
Ficou a ouvir minhas lamentações. Nada falou. Nada pediu. Nada reclamou. Achei estranho, mas, enquanto eu falava, seus olhinhos procuravam os meus, como se quisessem buscar uma interrogação. Assim, fez-me parar de falar com uma pergunta afiada:
- Você estava conversando com uma mulher... Eu os vi!
Será que era uma cobrança? Espantei-me com tal pergunta.
- Sim. Ela se aproximou de mim pedindo-me um cigarro.
- Mas você não fuma, não é?
- Claro que não! Foi o que lhe disse. Faz mal à saúde!
- Eu também não fumo! Revelou-me como se houvesse obrigação em me falar de seus vícios. Depois, sorriu e adiantou:
– Amanhã, aqui, as mesmas horas?
- Claro que sim!
- Então, até amanhã?
Terminou o nosso curto diálogo como quem corta uma batata. Mandou-me um olhar sorridente que me enlouqueceu por uns instantes. O motorista arrancou com o veículo ainda de portas abertas, assim que ela entrou. Tive a impressão de que o tal motorista estava esperando o fim de nosso diálogo para, ao vê-la entrar, sair em desabalada correria. A cisma cresceu em minha cabeça. Cisma passageira... Cisma que se apodera de alguém roubando-lhe a autoconfiança. Alguém como eu. Então, porque deixei que ela partisse? Odeio quando posso fazer algo e não o faço, para depois, sentir esse turbilhão de incompetência. Ainda a vi, de pé, dentro do veículo em movimentos, procurando um lugar seguro, acenando-me a mão, tentando fixar seus olhos nos meus. Perdemo-nos. Fiquei só, desolado e entristecido com a perda dela e da oportunidade de arrastá-la para outro lugar. Deixei-a escapar! - Pensei - Entrei no meu ônibus e segui viagem, tão desolado como uma nau sem rumo.
Todos os dias eu tinha uma missão. Algumas por perto, já outras mais distante, como as cercanias dos Subúrbios e outras, como a de Angra... No outro dia, assim que deixei o elevador no terceiro andar da Firma, ainda no corredor, recebi a recados de que meu Chefe já me aguardava. Uma pequena e rápida reunião, talvez. Era o advogado. Ele vivia anunciando a todos sobre meu trabalho bem feito, incluindo minha sagacidade. Dizia-me: “– Assim que você colar grau, será o chefe dessa repartição!” Eu apenas ouvia. Nada de dar pulos para o alto antes do tempo! Por enquanto, sou apenas o “investigador”, como me apelidaram! Nem me deixou entrar em sua pequena sala. De pé, estendeu-me uma procuração. Fui para o Bairro bem afastado do Centro. Bem perto da famosa Invernada de Olaria – Batalhão de Polícia. Acho que é por isso que não tenho nenhuma namorada fixa. Estou sempre ocupado! Vou aqui, sigo para ali, volto tarde e às vezes, nem volto à repartição, tomando outro destino que sempre termina na Faculdade. Porém, agora estou de férias e, nesse vai e vem, não tenho ninguém. Empenhado em minha labuta, resolvi o que estava pendente até àquele momento e voltei direto para a Rodoviária, pensando encontrar-me com aquele rostinho lindo. Meu coração bate forte todas as vezes que penso nela. Será por quê? - Não sei! Fiquei esperando-a bem na parte da entrada, agora, acabrunhado em não olhar muito para os lados, pois, poderia outra vez encontrar olhos verdes, azuis... sei lá! Não demorou muito e a vi pisar no corredor da plataforma e eu, ansioso, apresentei-me. Ela sorriu sem demonstrar surpresa. Deu a entender de que sabia que eu a esperava! Por isso aquele “ar” de superioridade!
- Espere, por favor. Não passe agora! Segurei-lhe o braço. Pareceu-me estar segurando em um... Delicado buquê de flores! Suavemente, ela virou-se para mim.
- Aqui, não é um bom lugar para se conversar, você não acha?
- Não sei... Disse-me, duvidosa em aceitar qualquer convite posterior. Existem lugares bons para o que você disse?
- Ora... Você sabe que sim! – sorri. - Posso te esperar amanhã em outro lugar?
- Você tem certeza de que quer se encontrar comigo, mais uma vez?
Mas porque aquela pergunta tão inesperada? Senti um zumbido no ouvido. Fiquei tonto. Porque eu tinha que ter certeza? Olha só... Eu, o caçador, sendo testado pela presa?
- E por que não? - Respondi-lhe espantado com sua pergunta repentina.
- Está bem! Exclamou rápida, tentando desvencilhar-se do meu espanto. E surpreendeu-me com outra pergunta: - Em que lugar, por exemplo?
- Bem... Entre um esbarrão e outro, fiz força para lembrar-me de um lugar discreto. Não descobri. Mas, existem tantos! Não. Levá-la no primeiro encontro para um Motel, pode espantar a caça! E num átimo feliz lembrei-me depois de mil pensamentos: - Você conhece o Edifício Central? – Perguntei-lhe?
- Sim. É lá que você quer que eu te encontre? E você acha lá um bom lugar?
- Isso mesmo. Porque não? Estarei a tua espera lá pelas dezessete horas, defronte a uma Lanchonete, do lado esquerdo, pode ser?
- Claro que sim! Mas, agora sem a interferência de “Angra”, pois não? Sorriu ao dizer. Depois, repentinamente ficou calada. Alguma coisa a preocupava, impedindo-a de falar comigo. Talvez, tenha ficado embaraçada por ter aceitado a proposta tão de repente. – Sei lá. O certo é que ela aceitou! Subimos juntos os primeiros degraus da Plataforma.
- Fique calma, que desta vez, não haverá nenhuma interferência!
Entrou em sua fila e antes que desse o primeiro passo no degrau do seu ônibus, segurei-a pelo braço e ela, leve com uma pluma, deixou-se abraçar. Foi assim que a beijei no rosto e nos despedimos. Sorriu meio envergonhada. Olhou-me por uns segundos e desejou-me “Boa-noite!” Que doçura no falar! Que voz melodiosa! Porque ela tinha que se ir assim, sem mim? Eu poderia conversar um pouco mais com ela, mas, estava tenso e meu coração batia forte. Poderia até jurar que naquele instante, voltava a ser menino e que conquistava de sua primeira namorada. Mas, isso que não. Eu sou “Bicho caçador!” Jurei, naquele instante que ela seria a mulher de minha vida!
Quando cheguei a casa, eu irradiava uma satisfação tão grande que até meu cachorro sentiu enorme diferença. Não que o tratasse mal, claro – Mas chegando tarde, pouco lhe acariciava. E desta vez, chamei-o pelo nome, deu-lhe carinhos por sobre a cabeça e compartilhei com ele a mesma alegria. As pessoas me olhavam com outros olhos! Sorriam para mim, como se compartilhassem da minha alegria. Eu via a diferença nos olhos de todos... Sou um homem apaixonado! Eu estava mais alegre, mais remoçado! Nada comentei com minha amiga, - a que nos viu juntos, lá na Rodoviária, instantes depois de ela ter-se ido, enquanto eu fazia um lanche, naquela hora da noite. No outro dia, tudo parecia lento... As horas não passavam. Eu contava os minutos e os ponteiros pareciam parados. É sempre assim... Se você olhar o relógio, verá que a ansiedade trava os ponteiros e o tempo se arrasta! Porém, eu que sempre foi lesto nos meus movimentos, não senti que meus passos eram maiores que os da minha ansiedade. E antes mesmo do horário combinado, cheguei e procurei um lugar seguro. Mas, por que um lugar seguro? Eu deveria ocultar a todas as gentes nosso encontro? Claro que não! Todos poderiam me ver com aquela loirinha de pernas grossas e lábios carnudos. Como ela estaria vestida para esse encontro? Prefiro não pensar em nada e aguardar a surpresa. Mas, a tensão crescia dentro de minha cabeça e eu a imaginava de diversas maneiras. Eu estava ali, meio bestado! – Será? – Sei não! Acho que já estou bem derretido por essa pequenina. Enquanto pensava, senti um perfume conhecido. A aproximação de um alguém fez crescer uma onda de calor rente ao meu corpo e de repente, uma energia subiu e desceu dentro de mim. É ela que se aproxima! Pensei. E o leve toque de sua mão no meu ombro descarregou a energia estática que estava em meu corpo. Quando me virei, era outra mulher! Alta, sensual, cabelos presos no alto da cabeça e nas mãos... Nas mãos, unhas brilhantes e vermelhas!
- Meu Deus, que susto você me deu! - Você está mais maravilhosa que antes!
Ela sorriu agradecida. Fiquei a olhá-la, e ela era a mulher mais perfeita entre todas que por ali transitavam. Meu Deus! – pensei - E era para mim, tão bela criatura! Caminhamos por dentro da Galeria, e entramos em um restaurante. Era sedutora; envolvente... Orgulhei-me por estar com ela! Comportava-se como uma princesa. Não falava alto; deixava-se levar, qual barco, majestosamente obedecido às mãos de seu timoneiro!
- Você me acompanha num “Porto?”
- Suave, Sim! - Não tenho hábitos de bebidas fortes! Aliás, não fomo; não bebo... Nenhum vício, graças a Deus! Eu... E confirmou – eu já te falei, não se lembra?
O garçom se aproximou de nós. Ela parou de falar e ele serviu-nos o vinho.
- Fale-me agora, sei muito pouco de você!
Mas ela preferiu erguer a taça propondo-me um brinde.
Eu pretendia levá-la até sua casa, mas, ela preferiu que eu a deixasse na Rodoviária. Protestei. – Você está linda! Todos te olharão! Não vá, por favor! Vou ficar com ciúmes dos que a virem assim, tão cheia de luz!
- Não precisa. Prometo que ninguém vai notar o que dizes que sou. São teus olhos que me veem assim!
Sua voz cravou nos meus ouvidos e ficou retida dentro do meu Chevete marrom, novinho em folha. Já passava das vinte horas. Não era tarde para quem pegava todos os dias o ônibus naquela Rodoviária. Deixei-a sair do carro e fiquei, por uns segundos, olhando-a sumir no meio das demais pessoas que passavam apressadas.
Por que ela não aceitou meu convite? Onde morava pegando aquele ônibus Central/Irajá, via Avenida Brasil? Poderia não morar naquele bairro; saltar antes por ser um itinerário mais rápido... Que fazia ela na vida? Conversamos tão pouco e nada fiquei sabendo a seu respeito. Dirigia e pensava.
No outro dia, às mesmas horas, lá estava eu a esperá-la.
Já passavam das dezenove horas e eu começava a me preocupar, quando ela apareceu. Seu sorriso foi um jato de água fria sobre mim. Ela aproximou-se graciosa e pude lhe beijar o rosto. Senti o perfume do dia anterior.
- É da “Coty. “Promessa”- Confessou. - Você gosta desse perfume? Um perfume adocicado, somente para mulheres de classe, como não gostar?
- Gosto de tudo em você. Só a sua demora é que me enlouquece!
- Tive problemas com o trânsito. - Respondeu-me, esquivando-se a cabeça, como se me mostrasse o lado que viera.
- Podemos ir a outro lugar, hoje?
- Hoje, não! Tenho de chegar cedo em casa.
- Você é casada? Perguntei e me arrependi logo a seguir. E se fosse, omo seria; se fosse, porque dera-me oportunidades de me aproximar? Eu estava me perguntando e me respondendo, cheio de pensamentos quando ela respondeu:
- Não... Deu um sorriso e completou: - Tenho... Bem, depois te conto.
- Não precisa. Em estar perto de você, fico feliz! Não quero mais saber de coisa alguma!
- Ah! Então você não se interessa por mim?
- Ah, é assim? Dando-lhe um abraço, falei: - Então, quero que me conte tudo, e agorinha mesmo!
- Vou lhe contar tudo. Mas, e você, é casado? Você tem cara de ser casado... Falava e sorria.
- Solteirismo e... Procurando!
Rimos da piada. Ela resolveu pegar o ônibus.
- Deixe-me ir contigo?
- Não... Não pode meu querido! Não, hoje.
- Então, posso te esperar amanhã?
- Sim! Te quero aqui, amanhã, sem falta, ouviu?
Ouvi e me pareceu ter recebido uma ordem. Ordem de amor. Ordem carinhosa. Ordem daquela boca... Pensei mil coisas! Entrou no ônibus junto com os demais passageiros. Sentou-se em uma poltrona ao lado da janela, para olhar-me através dos vidros grossos. Antes que o veículo desse arrancada, abriu-a e gritou:
- Amanhã. No mesmo lugar de ontem... Às mesmas horas?
Antes que a respondesse, o veículo arrastou um vento do vácuo e apenas confirmei com a cabeça. Estava marcado. Ela havia entendido o meu confirmar com a cabeça!
Naquela noite, quando desci do ônibus, pois, não era sempre que eu ia de carro para o trabalho, ao dobrar a esquina, despreocupado e feliz da vida, deparei-me com uma caixa envolta em panos, bem perto de uma lixeira. – Estranha caixa! – Pensei. Curioso, abaixei e ouvi um miado sair de dentro dela. Ora! Era uma caixa com gatinhos! Não devo levá-los, meu cachorro os matará. - Pensei. Mas, antes mesmo de erguer meu corpo, ouvi outro miado, agora, qual um choro de criança recém-nascida. Espantei-me. Abri a caixa com cuidado e lá estava uma criança vermelhinha, mexendo os braços pequeninos, tentando safar-se dos panos que a envolvia. Era uma menina, pela maneira com que a “Irresponsável” ou a desesperada a vestira - Toda em rosa! A seu lado, um bilhete que foi logo para o meu bolso. Pronto! Aquele achado tomou-me toda à noite, entre Delegacia, Hospital e depoimentos, assim como respostas aos repórteres das madrugadas! Quase não dormi. Acordei num susto tentando destravar o despertador que berrava feito cabrito preso e com fome. O Delegado, que era meu conhecido e amigo, garantiu-me todos os esforços na adoção daquela criança. Fiquei entusiasmado. Contei a todos o meu “Achado” e todos me estendiam a mão, elogiando meu ato de amor àquela criaturinha desamparada! À noite, encontrei-me com Maria e ela estava linda! Contei-lhe o fato ocorrido. Mostrei-lhe o Jornal! Eu estava entusiasmado! Ela sorriu satisfeita. Caminhamos pelo Bairro da Cinelândia e fomos ao Cinema. Foi ali, dentro daquele recinto de entretenimento, que ela ofereceu-me sua boca perfumada. “ - Sempre o Cinema! Não há lugar mais propício que o “o escurinho do Cinema” - frase bem dita por uma cantora de sucesso, para o beijo acontecer! o primeiro beijo talvez! No fim de semana, levei-a a Campos de Jordão. Lá, alugamos um Chalé onde passamos três dias felizes. Foi a nossa primeira noite de núpcias. Nada pediu. Nada perguntou. Deixou-me despi-la, entre beijos e toques das mãos! Deite-a sobre a cama e beijei por diversas vezes seu ventre, enquanto apreciava a tênue incisão do sexo, o qual se convergia para dentro de suas coxas! Fizemos amor, como dois recém-casados... Como dois principiantes enamorados! Apenas nos entregamos. Foi o que de mais lindo aconteceu em toda minha vida!
Depois que descemos a Serra, a levei à minha casa. Pronto. Passou a frequentá-la. Íamos juntos, a muitos lugares, inclusive ao Estádio Mário Filho – mais conhecido por Maracanã, pois, ela me havia dito que era Flamenguista de coração e que gostaria de ver o seu time jogar. Ficou maravilhada! Em minha cama, dormia como se fosse minha gata angorá. Era tão dócil que, até meu cão, que estranhava as pessoas que por ventura entravam no quintal, não a hostilizou. Primeiro eu o fiz ter contato de seus braços, levado por minhas mãos até seu focinho e depois, segurando-o, permiti que ela fizesse carinho em seu pelo e entramos. Quando saímos, outra vez repeti o ato anterior e ele admitiu ser ela meu grande amor! Quatro meses juntos, passaram rápidos. Estávamos esperando pelo processo da adoção à criança. Tínhamos sempre muitos assuntos a esse respeito. Tudo transcorria maravilhosamente bem, quando um dia, ao chegar a casa, eu a vi chorando. Levei um bom tempo para acalmá-la e ouvir dela uma revelação espantosa.
- Preciso que me escutes e me compreenda... E antes de tudo, quero que me prometas, que, pelo que eu te contar, terei o teu perdão?
- Você me assusta. Mas, seja o que for não vou te condenar!
Cheguei de Angra à tardinha e corri para cá. Este Terminal Rodoviário, no Centro da Cidade do Rio de Janeiro, seja dia, noite ou madrugada, está sempre cheio. As pessoas chegam e saem indiferentes a tudo e seguem seus destinos. Não param nunca. Estão sempre apressadas. Veem ou vão para diversos lugares!
Foi ontem que recebi ordens de meu chefe para uma viagem. Mas, quando vi o itinerário, percebi que não era bem uma “viagem” e sim, um passeio a Angra dos Reis! Um pé lá e outro cá – pensei. Seria bom para mim. Vou refrescar a cabeça! Trabalho para uma Seguradora. Roubos, batidas, incêndios e outras coisas mais que venham a acontecer com carros. Investigo, faço um relatório, entrego para o Advogado e saiu “de fininho” da área, para não aparecer. Assim que cheguei, de posse de uma procuração, fui a Delegacia e procurei pela Cópia da Ocorrência. Antes, porém, fui olhar o carro, - se é que se podia chamar de “carro”, aquele amontoado de ferro retorcido e queimado. Batida sem vítimas, sem sangue... Incrível! Conversei com o dono. Estava um tanto nervoso e me pareceu não querer detalhar os fatos. A princípio, ele quis saber quem eu era e o que pretendia, o que lhe dava o direitos a respostas, é claro, dentro das possibilidades. Um homem que, enquanto o inquiridor abria a boca, na dele já havia duas ou mais palavras com ou sem fundamentos. Vez por outra respondia ironicamente referindo-se já haver prestado depoimentos na Delegacia. Reclamou, dizendo que enquanto fazia a Ocorrência na DP, o ladrão, por sua vez, fazia aquele estrago todo em seu carro. – Falava e mostrava-me o estrago no carro. Alegou ter sido roubado. Será? – “Sei não!” Tive dúvidas, mas não falei nada. Abri a pasta e retirei dela uma máquina fotográfica pequena, e comecei a tirar fotos na frente do homem e anotei tudo que vi, para anexar à cópia da Delegacia. O Detetive de Plantão recebeu-me cordialmente.
Embora eu esteja meio preocupado, neste Terminal, não estou na fila... Como eu disse no começo, espero por um rostinho bonito... Tampouco atrapalho as pessoas que passam apressadas. Espero e penso: De repente sinto meus pensamentos serem desmotivados. “Acho que ela não vem. Deve ter ficado aborrecida comigo. Dei-lhe um chá de espera... E logo em que lugar! - Aqui, onde todo mundo é despejado pelos ônibus e saem apressados ou são engolidos apressadamente ao interior dos veículos de massa, para o transcurso às suas residências. Mas, só Deus sabe o quão preocupado fiquei, lá, onde achei que seria um pulo pra lá e outro pra cá, quando percebi que já se aproximava a hora de nosso encontro, aqui.”
- Estarei aqui amanhã! – ainda a ouço pedindo-me para confirmar: – Você também?
E nesse curto diálogo, sem a absoluta certeza do meu “amanhã”, porém, sendo eu o maior interessado, respondi-lhe:
- Sim. Pode me esperar!
Eu mal sabia o que estava à minha espera! Minha residência fica em Nova Iguaçu. É uma modesta casa. Solteiro, bom emprego, terminando a faculdade, procurando alguém... Já é tempo – acho até que está demorando muito! Um amor verdadeiro, - pois, os que passaram por minha vida até então, foram apenas despretensiosas namoradas -, são difíceis! Nenhuma fez até então grande jogada... Nenhuma que me deixasse atirado ao chão, sem defesa. Procuro alguém! Mas, aquele rostinho... Ah! Aquele rostinho bonitinho que vi... me fará sujeito aos seus encantos! Era para esperá-la ontem, no entanto, só agora o faço pelo imprevisto alheio à minha vontade. Digo: “ -como aparecer ao tal encontro, se ao chegar à Delegacia, o Escrivão informara-me que a cópia da Ocorrência só ficaria pronta no dia seguinte.” Quando ouvi, fiquei como que prostrado. “ - Somente amanhã? E como ficaria o meu encontro?” – Pensei rapidamente. Não tínhamos nenhuma comunicação. Apenas um “trato”. Encontraríamos aqui, neste local, - ontem - e lá estava eu, sem ter como voltar, por estar tão longe! O que me parecia um passeio, tornou-se um pesadelo. Como ela receberia minhas desculpas? E o que lhe dizer, logo no primeiro encontro? Primeiro sim. Apesar de estarmos sempre nos vendo todas as tardes, era o nosso primeiro encontro “marcado”. Que fazer? Não sei! Naquela hora, sai da Delegacia, preocupado. Enquanto o sol se despencava no horizonte, eu entrava no hotel, de onde, a contra gosto, permaneceria até as primeiras horas da manhã do dia seguinte. Quanto mais se aproximava a hora do nosso encontro marcado, - ontem - mais e mais eu ficava nervoso. Minha preocupação era com ela. Nesta hora, - eu pensava - ela deve estar naquela fila... Ficará ali, à minha espera, quem sabe, cheia de pensamentos... A pergunta rodava em minha cabeça: - Ficaria ou não até o seu último ônibus? De certo modo, não encontrava resposta. Duvidando, achava que não... Mas, na segunda-feira da semana passada, cheguei atrasado, de propósito, sem termos nenhum trato de encontro. - Aliás, nunca havíamos trocado até então, sequer palavra. Apenas nos víamos de longe... E eu, por vê-la, sentia que ela estava ali, a me esperar. Mas, por que ela me esperava?
Todos os ônibus foram remanejados para este local, destras da Central do Brasil, como Terminal Rodoviário Mário Fontenelle, mudando, com isso, os hábitos dos usuários seguirem pela Avenida Rio Branco até a Praça Mauá. Somente os de Tarifas “A” permaneceram naquele antigo terminal. Era um cordão de formiguinhas humanas... Todos nós seguíamos apressados, Avenida abaixo, e, o grande encontro era ali, naquele velho terminal que outrora pertencera aos ônibus Interestaduais. Eu mesmo quando desembarquei, voltando de Recife para um longo trabalho que exigiu até a presença de um advogado e uma audiência, desembarquei nele. Retirando dali os desembarques intermunicipais, O propósito fez centralizar todas as Empresas de ônibus num só Terminal. Assim foi feito e aqui estou, olhando para um lado e outro, - no outro dia do encontro marcado - sabendo que aquele rostinho lindo, logo, logo aparecerá.
Dias atrás, ela ficou na ponta de sua fila, um bom tempo, esperando que a minha, à sua frente, andasse para que pudesse me ver. Passei e ela apenas me olhou. Matando sua vontade de me olhar entrou no seu ônibus. Tal fato, eu só percebi depois de uns dez a quinze dias consecutivos, entrando na mesma fila, defronte à sua, no mesmo horário. O engraçado, é que somos vigiados o tempo todo por alguém ou por mais de um alguém, e nunca percebemos. Meu pai sempre me dizia: “Meu filho, nunca passes por um só caminho e procure sempre observar todos os detalhes à sua volta!” Mas, quem poderia me garantir que um alguém como ela, estaria me espreitando? Passei a vigiá-la, também.
Nunca havíamos trocado uma palavra sequer até àquele instante. Olhávamos apenas um para o outro. Eu, que até então de nada havia desconfiado, fiquei a observar. Um dia, ficamos frente a frente. Nem ela, nem eu entramos em nossos ônibus. “Está lotado!” Disse-lhe. Ela, com apenas um balançar de cabeça confirmou que “sim”, e seus cabelos louros acompanharam os movimentos imprecisos. Depois, sorri discretamente. E vi apenas sua boca franzir desenhando um leve traço, sem deixar-me ver brilho dos dentes. “-E pensar que vários nervos se contraem para nos mostrar no rosto um belíssimo sorriso!” Mas o que vi, foi apenas “um breve traço encerrando um despretensioso sorriso”. Entrei no próximo que parou na plataforma e a vi, tentando encontrar-me pelo lado direito. Escondi-me de propósito. Mas, pensei nela, todo o tempo em que permaneci dentro daquele veículo, ao longo da viagem. – Será? Não sei! Prometi a mim mesmo que arrancaria dela uma explicação. No outro dia, às mesmas horas, fiquei mudo. Tremi nas bases. – Será? – Não sei! Dizem que, é assim que o coração da gente dá o sinal ao ser flechado! – Será? – Não sei... Acho que sim! Amanhã ponho tudo em pratos limpos falando com ela. Afinal, já me lançara seu sorriso esplendoroso! Boca fechada, sim, mas, senti a penetração do dardo. No outro dia, lá estava eu. E logo eu que sempre enfrentei tudo e dei em cima de todas, - pois, não é que afrouxei! Fiquei na dúvida: Ela sempre pega seu ônibus depois de mim. E se ela espera por outro, coincidindo com minha passagem por ela? – Será? - Não sei! Amanhã, vou chegar um pouco mais tarde, e se ela estiver mesmo à espera de outro, não a encontrarei mais na fila. Foi o que fiz. Cheguei bem tarde. Eu chegava àquele Terminal, por volta das dezoito, dezoito e meia e, nessa noite, cheguei, precisamente às vinte horas e quarenta e cinco minutos. Cheguei mais tarde do que pretendia. Não vi ninguém na minha fila a esperar pelo meu ônibus. Entretanto, um ônibus estava chegando. Era o dela. E para minha surpresa, lá estava ela, pequenina à distância, ostentando uma saia rodada e pernas roliças. Estava concentrada na leitura de um pequeno livro. Calma e transparente, quando me viu, entrou rápida em seu ônibus, o qual, como num passe de mágica, roncando o motor, saiu acelerado, deixando em mim, nítida impressão de que o motorista estava só esperando que ela entrasse. – Será? – Não sei! Mas, senti que havia nascido na minha pobre cabeça um montão de caraminholas. Ao passar por mim, deu tempo apenas de voltar-se para o lado e olhar-me através dos vidros grossos da janela. Entrei no meu ônibus, arrependido do que havia feito. Para ela, talvez, tenha sido uma prova dura! Ficou a esperar-me e nada me disse. Ficou apenas para me olhar? O que é que ela quer afinal, comigo? – Será? – Não sei! Tenho certeza de que ela não me conhece! Amanhã, vou falar com ela.
No outro dia, cheguei com uma amiga. Assim que ela me viu, deu um sorriso e minha amiga percebeu dizendo-me em tom harmonioso:
- Xiii! Acho que estou sobrando... Até amanhã!
Entrou em seu ônibus e ficou me olhando. A fila em que eu estava moveu-se, dando-me oportunidade de ficar frente a frente com ela, há uma distância de uns... dois metros, talvez. Sua cabecinha loura brilhou. Muitas pessoas transitando por entre as filas e um festival de ambulantes cruzava a nossa frente. Nossas cabeças ficavam procurando de um lado a outro, uma maneira de nos olhar. Eu queria vê-la e um vendedor abaixava-se para pegar alguma coisa no recipiente de isopor, impedindo-me. Espichava o pescoço e tombava a cabeça e ela, seguia meus movimentos. A cena era engraçada. Quando ela me via, eu a perdia. Resolvi dar cabo em tudo aquilo. Afinal, sou bicho caçador! Vou lá e pronto. Antes de eu dar o primeiro passo, bateu forte meu coração. Fiquei nervoso. Afinal, quem estava sendo caçado, era eu. Isto explica ser o homem a própria caça. Nenhuma mulher é caçada... Essa conclusão chegava-me naquele instante, posto que, jamais havia pensado nessa possibilidade! – Mas, enchi-me de coragem... – Sou ou não sou – convenceu-me o lado machista - bicho caçador? Sai da fila e aproximei-me. Mas, o que devo lhe dizer? E muito perto, sem ter tempo de criar um rápido diálogo, arrisquei:
- Oi! – Mas quanta gente, não é?
Ela apenas deu um sorriso.
Aquele sorriso... Aquele sorriso poderia endereçar uma flecha bem mais certeira do que saíra das mãos de “Diana” à caça pretendida. Como qualificar aquele sorriso de flecha? Que sim... Que... eu a estava sendo inoportuno? Será que ela não entendeu que aquela era a minha primeira cantada? Ou ela seria muda? Sei lá. Fiquei olhando seus pequeninos olhos e, entre milhões de pensamentos em um milésimo de segundo, viajei ao infinito que, de tão infinito, é além do além e voltei. Enchi-me de coragem outra vez e falei:
- Eu estava te olhando... Mas, aquele vendedor ali... Culpei-o.
- Eu também te olhava! Cortou-me a palavra enquanto eu agradecia a Deus por não ter que recorrer a mais nenhuma. Naquele instante, todo o repertório que eu havia criado, escrito e decorado, que estava dentro de minha cabeça, havia se deteriorado; derruído... - sei lá - e fiquei sem nada para lhe dizer. Mas, protegido por alguma deusa do amor naquela hora, disse-lhe:
- Então, você estava me olhando enquanto eu te olhava?
- Sim! Respondeu-me, rápida, deixando visível na boca o colar de pérolas alvíssimas ao sorrir. Seus lábios eram carnudos. A boca, um tanto grande para aquele rostinho redondo!
- Estás aborrecida comigo? - Ah, me vinha à cabeça cada coisa – arrependi-me.
- Eu teria razões? Respondeu-me, encenando um espanto.
Que burrada a minha! Não ter o que perguntar! A razão foi ficar a minha espera, mas, acho que ela não entendeu. Ainda bem que, o obvio para mim, não o foi para ela.
- Não. Claro que não!
- Então, não estou! Respondeu-me categoricamente. Ao falar, seus pequeninos olhos se fecharam, deixando à vista o rigor extremado da pintura em tons azuis, à sua volta.
Aquele diálogo, sem nexo algum estava me deixando nervoso, pois, eu deveria aproveitar aquela oportunidade. Afinal, sou caçador! Porém, essa caça está me dando nos nervos! Um pequeno silêncio se fez e ela o quebrou dizendo:
- Preciso entrar nesse ônibus. Amanhã te vejo por aqui?
- Sim. Respondi-lhe meio sem graça, porque minha intenção era conversar um pouco mais. Mas, ante o convite, fiquei maravilhado. Não o esperava assim, vindo dela.
- Então, até amanhã? Perguntou-me acenando com a mão como quem espera pela confirmação.
- Até amanhã! Confirmei. Era nosso primeiro encontro “marcado.”
Seu ônibus partiu e eu voltei à minha fila. No outro dia, lá estava ela. Fui direto a seu encontro. Num breve espaço de tempo, disse-me chamar-se Maria, já que nos conhecíamos de vista. Conversamos por um bom tempo. Coisas sem nenhuma importância. Foi assim que lhe pedi para que ficasse à minha espera no dia seguinte pois, não queria tomar-lhe muito o tempo, ali, naquele terminal. Ela aceitou. Meu coração pulou de alegria. Fui aos céus e voltei num piscar de olhos. Acho até que ela percebeu minha alegria. Só que, no outro dia, recebi a danada da missão. Mas, pensando que seria apenas ir e voltar, antes mesmo de secar meu cuspo no chão, por lá fiquei. Agora, aqui estou e, o que é pior, ela ainda não apareceu. Estou a esperá-la e o ponteiro menor do meu relógio estacionara no número nove ( vinte e uma hora ) e o maior, já indicava vinte minutos a mais da bendita promessa. Preocupo-me por ela. Meu ônibus estava para sair e ela não aparecia. Dava-me o troco? - Será? – Não sei! Entrei no veículo, sentei-me e adormeci de cansaço, só acordando no ponto final.
Eu morava perto do ponto final. Era só dobrar a primeira esquina, seguir uma rua iluminada e lá estava meu portão à minha espera. Quase defronte a uma Clínica “Centro Médico Geriátrico”. Não é o meu caso, é claro. Tenho apenas vinte e oito anos. Solteiro, procurando por alguém!
No outro dia, cheguei mais cedo. Fiquei afastado para vê-la passar. Queria vê-la andando. Meu coração batia forte, quase descompassado e eu, parecia um menino a espera de sua primeira namorada.
O Terminal Rodoviário tem cerca de quatro pistas de embarques, com, aproximadamente, quatrocentos metros cada. O rumor forte, a fumaça de descargas, bem como as buzinas, tudo se espalha por seu interior. Vendedores ambulantes, gritos e até prostitutas, desde o começo da tarde, varando a noite a emendando com o dia seguinte. Algumas casas de entorno – antigas casas que o Estado tentava desapropriar - estavam sendo demolidas, porém, o processo de indenização, vinha de encontro aos protestos dos proprietários. Um degringolar de progresso inesperado, por assim dizer, aos usuários, não acostumados com a passagem estreita daquela Rodoviária recém-inaugurada. E as “famosas meninas” transitam pelas imediações da Central do Brasil, onde fazem seus pontos. Todas, sem exceção, quando chegam de outros localidades dessa imensa Guanabara, se fixam, sentenciando assim, suas decadências como última estremadura! Não abordam a nenhum homem. Eles é que chegam e elas os atendem. Nunca ultrapassam a linha imaginária do Terminal, misturando-se aos familiares moradores dessas casas. Suas órbitas eram em volta da Central, pelas calçadas e algumas, recém-chegadas, voavam, às vezes, pelas adjacências.
As casas velhas eram derrubadas de um dia para o outro. Subia uma poeira pegajosa, quando não, uma infernal lama nos dias de chuvas. Mas, que fazer? - “Todo progresso exige um pouco de sacrifício...” Foi o que falei a uma amiga, quando ela reclamou daquela passagem estreita. Naquele instante, esperando como estava, a um canto, sem entrar na fila, vendo quem passava ou quem retornava, tive a infelicidade de, ao erguer os olhos, tentando ver quem eu pretendia ver, deparar-me com dois olhos azuis na multidão. Eram tão azuis, que mais pareciam dois faróis acesos. De repente, percebi que a dona daqueles olhos que tanto me impressionaram a distância, vinha em minha direção. Magra, alta, cabelos maltratados... Um espectro delido de gente, talvez! A deslanchada vida destruiu, de seu rosto, a beleza peculiar e a seguir, fez murchar todo seu porte, tornando-o macilento, contrastando, com seu passado, quiçá, altiloquente. Calmamente, ela aproximou-se e fez-me sua proposta:
- Quer fazer amor comigo, querido?
Assim. Na lata. Sem nenhum pejo, já que não seria capaz de se encontrar pejo algum naquela pobre criatura. Surpreso, pois, nunca em minha vida havia deparado com tal situação, olhei-a com o coração partido.
– Não, obrigado! Respondi-lhe preocupado com o que ela poderia falar... Retornar o diálogo, pois, eu não sabia o que mais conversar. Faltava-me folego. E foi o que aconteceu.
- Mas, você me olhou! – Deu um sorriso malicioso, como se revelasse: “Não tem escapatória!”.
- Sim. Olhei-a, mas, não para a senhora. Perdoa-me! Olhei e seus olhos estavam na direção em que eu olhava.
- Ah! Entendo. Olhou-me, mas, não olhou para mim, estou certa?
- Sim. Não quis espichar a conversa. - A Senhora está certa!
- Não me chame de Senhora. Resmungou. Meu nome é Maria. E então, você quer ou não fazer amor comigo? Sorriu, deixando à vista os dentes bem conservados, apesar do tom amarelo, provocado pela nicotina de algum tabaco, sabe-se lá Deus!.
- Não. Obrigado, Dona Maria!
Ela saiu de perto de mim, como se nada houvesse acontecido, à procura, - talvez, de outro qualquer. Eu menti para ela. Eu a olhara sim. Olhara para os seus lindos lindos olhos azuis. Mais encantado do que atinado a atenção! Eu sabia que era uma mundana. Mas seus lindos olhos fotografaram-me, como se dizia. Só não poderia adivinhar que ela viesse até a mim para oferecer-me seu corpo. Não foi uma imprudência. Eles apareceram justamente para onde eu havia olhado. Bem no instante em que um apontador do “Jogo do Bicho” bateu com sua régua sobre a mesa, gritando para chamar a atenção dos passantes adeptos a aquela espécie de aposta. Minha cabeça se voltou e lá estavam aqueles olhos azuis... Por um instante, os fitei admirado. Agora, tento imaginar o porquê daquela vida? Como teria ela chegado a tal decadência? Que pecado cometera, se um dia, gozara dos mesmos direitos de todas as crianças! Meu Deus, que penso eu? Mas, quem a empurrara para tão profundo abismo? Como podemos, nós, desta sociedade medíocre, resgatarmos desse lodaçal, pessoas infelizes - como ela?
Virei, e lá estava o meu alguém esperando por seu ônibus. Havia passado por mim, sem dirigir-me uma palavra. Enquanto me preocupava com estas coisas que me partiam o coração, lá está o alguém que terá o prazer emendá-lo, de agora por diante, com seu jeitinho de mulher!
Aproximei-me, não tão eufórico como sempre me aproximei das outras. Ela sorriu. Quebrou o gelo e começamos a conversar. Aproveitei para pedir-lhe desculpas por não ter comparecido ao encontro do dia anterior. Ela sorriu e revelou:
- Fiquei te esperando... Disse-me como se me cobrasse uma explicação.
Eu estive trabalhando em Angra! Confirmei o nosso encontro, mas sou subordinado ao trabalho que faço. Às vezes, chega uma ordem da qual não estou esperando... Quer dizer, ordem que me tira o itinerário do dia a dia... Você entende?
- Claro que sim! Lá é bem melhor que isto tudo aqui, não é?
- Sim. Mas, bem melhor seria se eu tivesse voltado ontem mesmo e te encontrado aqui, como hoje o faço! Não pude regressar a tempo!
Ficou a ouvir minhas lamentações. Nada falou. Nada pediu. Nada reclamou. Achei estranho, mas, enquanto eu falava, seus olhinhos procuravam os meus, como se quisessem buscar uma interrogação. Assim, fez-me parar de falar com uma pergunta afiada:
- Você estava conversando com uma mulher... Eu os vi!
Será que era uma cobrança? Espantei-me com tal pergunta.
- Sim. Ela se aproximou de mim pedindo-me um cigarro.
- Mas você não fuma, não é?
- Claro que não! Foi o que lhe disse. Faz mal à saúde!
- Eu também não fumo! Revelou-me como se houvesse obrigação em me falar de seus vícios. Depois, sorriu e adiantou:
– Amanhã, aqui, as mesmas horas?
- Claro que sim!
- Então, até amanhã?
Terminou o nosso curto diálogo como quem corta uma batata. Mandou-me um olhar sorridente que me enlouqueceu por uns instantes. O motorista arrancou com o veículo ainda de portas abertas, assim que ela entrou. Tive a impressão de que o tal motorista estava esperando o fim de nosso diálogo para, ao vê-la entrar, sair em desabalada correria. A cisma cresceu em minha cabeça. Cisma passageira... Cisma que se apodera de alguém roubando-lhe a autoconfiança. Alguém como eu. Então, porque deixei que ela partisse? Odeio quando posso fazer algo e não o faço, para depois, sentir esse turbilhão de incompetência. Ainda a vi, de pé, dentro do veículo em movimentos, procurando um lugar seguro, acenando-me a mão, tentando fixar seus olhos nos meus. Perdemo-nos. Fiquei só, desolado e entristecido com a perda dela e da oportunidade de arrastá-la para outro lugar. Deixei-a escapar! - Pensei - Entrei no meu ônibus e segui viagem, tão desolado como uma nau sem rumo.
Todos os dias eu tinha uma missão. Algumas por perto, já outras mais distante, como as cercanias dos Subúrbios e outras, como a de Angra... No outro dia, assim que deixei o elevador no terceiro andar da Firma, ainda no corredor, recebi a recados de que meu Chefe já me aguardava. Uma pequena e rápida reunião, talvez. Era o advogado. Ele vivia anunciando a todos sobre meu trabalho bem feito, incluindo minha sagacidade. Dizia-me: “– Assim que você colar grau, será o chefe dessa repartição!” Eu apenas ouvia. Nada de dar pulos para o alto antes do tempo! Por enquanto, sou apenas o “investigador”, como me apelidaram! Nem me deixou entrar em sua pequena sala. De pé, estendeu-me uma procuração. Fui para o Bairro bem afastado do Centro. Bem perto da famosa Invernada de Olaria – Batalhão de Polícia. Acho que é por isso que não tenho nenhuma namorada fixa. Estou sempre ocupado! Vou aqui, sigo para ali, volto tarde e às vezes, nem volto à repartição, tomando outro destino que sempre termina na Faculdade. Porém, agora estou de férias e, nesse vai e vem, não tenho ninguém. Empenhado em minha labuta, resolvi o que estava pendente até àquele momento e voltei direto para a Rodoviária, pensando encontrar-me com aquele rostinho lindo. Meu coração bate forte todas as vezes que penso nela. Será por quê? - Não sei! Fiquei esperando-a bem na parte da entrada, agora, acabrunhado em não olhar muito para os lados, pois, poderia outra vez encontrar olhos verdes, azuis... sei lá! Não demorou muito e a vi pisar no corredor da plataforma e eu, ansioso, apresentei-me. Ela sorriu sem demonstrar surpresa. Deu a entender de que sabia que eu a esperava! Por isso aquele “ar” de superioridade!
- Espere, por favor. Não passe agora! Segurei-lhe o braço. Pareceu-me estar segurando em um... Delicado buquê de flores! Suavemente, ela virou-se para mim.
- Aqui, não é um bom lugar para se conversar, você não acha?
- Não sei... Disse-me, duvidosa em aceitar qualquer convite posterior. Existem lugares bons para o que você disse?
- Ora... Você sabe que sim! – sorri. - Posso te esperar amanhã em outro lugar?
- Você tem certeza de que quer se encontrar comigo, mais uma vez?
Mas porque aquela pergunta tão inesperada? Senti um zumbido no ouvido. Fiquei tonto. Porque eu tinha que ter certeza? Olha só... Eu, o caçador, sendo testado pela presa?
- E por que não? - Respondi-lhe espantado com sua pergunta repentina.
- Está bem! Exclamou rápida, tentando desvencilhar-se do meu espanto. E surpreendeu-me com outra pergunta: - Em que lugar, por exemplo?
- Bem... Entre um esbarrão e outro, fiz força para lembrar-me de um lugar discreto. Não descobri. Mas, existem tantos! Não. Levá-la no primeiro encontro para um Motel, pode espantar a caça! E num átimo feliz lembrei-me depois de mil pensamentos: - Você conhece o Edifício Central? – Perguntei-lhe?
- Sim. É lá que você quer que eu te encontre? E você acha lá um bom lugar?
- Isso mesmo. Porque não? Estarei a tua espera lá pelas dezessete horas, defronte a uma Lanchonete, do lado esquerdo, pode ser?
- Claro que sim! Mas, agora sem a interferência de “Angra”, pois não? Sorriu ao dizer. Depois, repentinamente ficou calada. Alguma coisa a preocupava, impedindo-a de falar comigo. Talvez, tenha ficado embaraçada por ter aceitado a proposta tão de repente. – Sei lá. O certo é que ela aceitou! Subimos juntos os primeiros degraus da Plataforma.
- Fique calma, que desta vez, não haverá nenhuma interferência!
Entrou em sua fila e antes que desse o primeiro passo no degrau do seu ônibus, segurei-a pelo braço e ela, leve com uma pluma, deixou-se abraçar. Foi assim que a beijei no rosto e nos despedimos. Sorriu meio envergonhada. Olhou-me por uns segundos e desejou-me “Boa-noite!” Que doçura no falar! Que voz melodiosa! Porque ela tinha que se ir assim, sem mim? Eu poderia conversar um pouco mais com ela, mas, estava tenso e meu coração batia forte. Poderia até jurar que naquele instante, voltava a ser menino e que conquistava de sua primeira namorada. Mas, isso que não. Eu sou “Bicho caçador!” Jurei, naquele instante que ela seria a mulher de minha vida!
Quando cheguei a casa, eu irradiava uma satisfação tão grande que até meu cachorro sentiu enorme diferença. Não que o tratasse mal, claro – Mas chegando tarde, pouco lhe acariciava. E desta vez, chamei-o pelo nome, deu-lhe carinhos por sobre a cabeça e compartilhei com ele a mesma alegria. As pessoas me olhavam com outros olhos! Sorriam para mim, como se compartilhassem da minha alegria. Eu via a diferença nos olhos de todos... Sou um homem apaixonado! Eu estava mais alegre, mais remoçado! Nada comentei com minha amiga, - a que nos viu juntos, lá na Rodoviária, instantes depois de ela ter-se ido, enquanto eu fazia um lanche, naquela hora da noite. No outro dia, tudo parecia lento... As horas não passavam. Eu contava os minutos e os ponteiros pareciam parados. É sempre assim... Se você olhar o relógio, verá que a ansiedade trava os ponteiros e o tempo se arrasta! Porém, eu que sempre foi lesto nos meus movimentos, não senti que meus passos eram maiores que os da minha ansiedade. E antes mesmo do horário combinado, cheguei e procurei um lugar seguro. Mas, por que um lugar seguro? Eu deveria ocultar a todas as gentes nosso encontro? Claro que não! Todos poderiam me ver com aquela loirinha de pernas grossas e lábios carnudos. Como ela estaria vestida para esse encontro? Prefiro não pensar em nada e aguardar a surpresa. Mas, a tensão crescia dentro de minha cabeça e eu a imaginava de diversas maneiras. Eu estava ali, meio bestado! – Será? – Sei não! Acho que já estou bem derretido por essa pequenina. Enquanto pensava, senti um perfume conhecido. A aproximação de um alguém fez crescer uma onda de calor rente ao meu corpo e de repente, uma energia subiu e desceu dentro de mim. É ela que se aproxima! Pensei. E o leve toque de sua mão no meu ombro descarregou a energia estática que estava em meu corpo. Quando me virei, era outra mulher! Alta, sensual, cabelos presos no alto da cabeça e nas mãos... Nas mãos, unhas brilhantes e vermelhas!
- Meu Deus, que susto você me deu! - Você está mais maravilhosa que antes!
Ela sorriu agradecida. Fiquei a olhá-la, e ela era a mulher mais perfeita entre todas que por ali transitavam. Meu Deus! – pensei - E era para mim, tão bela criatura! Caminhamos por dentro da Galeria, e entramos em um restaurante. Era sedutora; envolvente... Orgulhei-me por estar com ela! Comportava-se como uma princesa. Não falava alto; deixava-se levar, qual barco, majestosamente obedecido às mãos de seu timoneiro!
- Você me acompanha num “Porto?”
- Suave, Sim! - Não tenho hábitos de bebidas fortes! Aliás, não fomo; não bebo... Nenhum vício, graças a Deus! Eu... E confirmou – eu já te falei, não se lembra?
O garçom se aproximou de nós. Ela parou de falar e ele serviu-nos o vinho.
- Fale-me agora, sei muito pouco de você!
Mas ela preferiu erguer a taça propondo-me um brinde.
Eu pretendia levá-la até sua casa, mas, ela preferiu que eu a deixasse na Rodoviária. Protestei. – Você está linda! Todos te olharão! Não vá, por favor! Vou ficar com ciúmes dos que a virem assim, tão cheia de luz!
- Não precisa. Prometo que ninguém vai notar o que dizes que sou. São teus olhos que me veem assim!
Sua voz cravou nos meus ouvidos e ficou retida dentro do meu Chevete marrom, novinho em folha. Já passava das vinte horas. Não era tarde para quem pegava todos os dias o ônibus naquela Rodoviária. Deixei-a sair do carro e fiquei, por uns segundos, olhando-a sumir no meio das demais pessoas que passavam apressadas.
Por que ela não aceitou meu convite? Onde morava pegando aquele ônibus Central/Irajá, via Avenida Brasil? Poderia não morar naquele bairro; saltar antes por ser um itinerário mais rápido... Que fazia ela na vida? Conversamos tão pouco e nada fiquei sabendo a seu respeito. Dirigia e pensava.
No outro dia, às mesmas horas, lá estava eu a esperá-la.
Já passavam das dezenove horas e eu começava a me preocupar, quando ela apareceu. Seu sorriso foi um jato de água fria sobre mim. Ela aproximou-se graciosa e pude lhe beijar o rosto. Senti o perfume do dia anterior.
- É da “Coty. “Promessa”- Confessou. - Você gosta desse perfume? Um perfume adocicado, somente para mulheres de classe, como não gostar?
- Gosto de tudo em você. Só a sua demora é que me enlouquece!
- Tive problemas com o trânsito. - Respondeu-me, esquivando-se a cabeça, como se me mostrasse o lado que viera.
- Podemos ir a outro lugar, hoje?
- Hoje, não! Tenho de chegar cedo em casa.
- Você é casada? Perguntei e me arrependi logo a seguir. E se fosse, omo seria; se fosse, porque dera-me oportunidades de me aproximar? Eu estava me perguntando e me respondendo, cheio de pensamentos quando ela respondeu:
- Não... Deu um sorriso e completou: - Tenho... Bem, depois te conto.
- Não precisa. Em estar perto de você, fico feliz! Não quero mais saber de coisa alguma!
- Ah! Então você não se interessa por mim?
- Ah, é assim? Dando-lhe um abraço, falei: - Então, quero que me conte tudo, e agorinha mesmo!
- Vou lhe contar tudo. Mas, e você, é casado? Você tem cara de ser casado... Falava e sorria.
- Solteirismo e... Procurando!
Rimos da piada. Ela resolveu pegar o ônibus.
- Deixe-me ir contigo?
- Não... Não pode meu querido! Não, hoje.
- Então, posso te esperar amanhã?
- Sim! Te quero aqui, amanhã, sem falta, ouviu?
Ouvi e me pareceu ter recebido uma ordem. Ordem de amor. Ordem carinhosa. Ordem daquela boca... Pensei mil coisas! Entrou no ônibus junto com os demais passageiros. Sentou-se em uma poltrona ao lado da janela, para olhar-me através dos vidros grossos. Antes que o veículo desse arrancada, abriu-a e gritou:
- Amanhã. No mesmo lugar de ontem... Às mesmas horas?
Antes que a respondesse, o veículo arrastou um vento do vácuo e apenas confirmei com a cabeça. Estava marcado. Ela havia entendido o meu confirmar com a cabeça!
Naquela noite, quando desci do ônibus, pois, não era sempre que eu ia de carro para o trabalho, ao dobrar a esquina, despreocupado e feliz da vida, deparei-me com uma caixa envolta em panos, bem perto de uma lixeira. – Estranha caixa! – Pensei. Curioso, abaixei e ouvi um miado sair de dentro dela. Ora! Era uma caixa com gatinhos! Não devo levá-los, meu cachorro os matará. - Pensei. Mas, antes mesmo de erguer meu corpo, ouvi outro miado, agora, qual um choro de criança recém-nascida. Espantei-me. Abri a caixa com cuidado e lá estava uma criança vermelhinha, mexendo os braços pequeninos, tentando safar-se dos panos que a envolvia. Era uma menina, pela maneira com que a “Irresponsável” ou a desesperada a vestira - Toda em rosa! A seu lado, um bilhete que foi logo para o meu bolso. Pronto! Aquele achado tomou-me toda à noite, entre Delegacia, Hospital e depoimentos, assim como respostas aos repórteres das madrugadas! Quase não dormi. Acordei num susto tentando destravar o despertador que berrava feito cabrito preso e com fome. O Delegado, que era meu conhecido e amigo, garantiu-me todos os esforços na adoção daquela criança. Fiquei entusiasmado. Contei a todos o meu “Achado” e todos me estendiam a mão, elogiando meu ato de amor àquela criaturinha desamparada! À noite, encontrei-me com Maria e ela estava linda! Contei-lhe o fato ocorrido. Mostrei-lhe o Jornal! Eu estava entusiasmado! Ela sorriu satisfeita. Caminhamos pelo Bairro da Cinelândia e fomos ao Cinema. Foi ali, dentro daquele recinto de entretenimento, que ela ofereceu-me sua boca perfumada. “ - Sempre o Cinema! Não há lugar mais propício que o “o escurinho do Cinema” - frase bem dita por uma cantora de sucesso, para o beijo acontecer! o primeiro beijo talvez! No fim de semana, levei-a a Campos de Jordão. Lá, alugamos um Chalé onde passamos três dias felizes. Foi a nossa primeira noite de núpcias. Nada pediu. Nada perguntou. Deixou-me despi-la, entre beijos e toques das mãos! Deite-a sobre a cama e beijei por diversas vezes seu ventre, enquanto apreciava a tênue incisão do sexo, o qual se convergia para dentro de suas coxas! Fizemos amor, como dois recém-casados... Como dois principiantes enamorados! Apenas nos entregamos. Foi o que de mais lindo aconteceu em toda minha vida!
Depois que descemos a Serra, a levei à minha casa. Pronto. Passou a frequentá-la. Íamos juntos, a muitos lugares, inclusive ao Estádio Mário Filho – mais conhecido por Maracanã, pois, ela me havia dito que era Flamenguista de coração e que gostaria de ver o seu time jogar. Ficou maravilhada! Em minha cama, dormia como se fosse minha gata angorá. Era tão dócil que, até meu cão, que estranhava as pessoas que por ventura entravam no quintal, não a hostilizou. Primeiro eu o fiz ter contato de seus braços, levado por minhas mãos até seu focinho e depois, segurando-o, permiti que ela fizesse carinho em seu pelo e entramos. Quando saímos, outra vez repeti o ato anterior e ele admitiu ser ela meu grande amor! Quatro meses juntos, passaram rápidos. Estávamos esperando pelo processo da adoção à criança. Tínhamos sempre muitos assuntos a esse respeito. Tudo transcorria maravilhosamente bem, quando um dia, ao chegar a casa, eu a vi chorando. Levei um bom tempo para acalmá-la e ouvir dela uma revelação espantosa.
- Preciso que me escutes e me compreenda... E antes de tudo, quero que me prometas, que, pelo que eu te contar, terei o teu perdão?
- Você me assusta. Mas, seja o que for não vou te condenar!