AMOR NO ÁRTICO
Na superfície gelada do ártico, apenas um iglu, grande em sua forma e preenchido de dois homens, pai e filho, Israel e Audrey respectivamente, homens fortes, desbravadores, que escolheram a solidão das terras geladas como moradia e destino, possuíam apenas um tipo de trenó com capota opcional, motorizado grande e forte, com um suporte para carregar compras e toras de madeira, muitas ferramentas, algumas facas e armas, combustível armazenado, muitas toras de lenha, algum gás, fósforos em profusão, , roupas quentes, mantimentos básicos, sal e o restante era oriundo de pesca e por vezes algum urso, do qual conseguiam carne e gordura, bem como, de sua pele tapete para a forração de seu gelado lar. Não tinham mais família, eram somente os dois, pai e filho amigos nessa vida rotineira e também perigosa, por causa do ataque de ursos que aconteciam de vez em quando, mas, isso era uma escolha de vida, não se importavam com isso, já estavam no Ártico há mais de dez anos, hoje Israel com quarenta e cinco anos e seu filho Audrey já estava beirando a casa dos trinta. Conseguiam combustível, em idas mensais até o povoado mais próximo, deixando o iglu sempre fechado com blocos de gelo, para não encontrarem visitantes indesejados ao retornar, pois nunca partiam sozinhos, por causa dos perigos da travessia. De quando em quando compravam farinha, água potável, algumas ervas desidratadas e às vezes, algum luxo, como chocolates, açúcar e carne de bovina seca, para variar o cardápio de peixes.
Tudo era igual naquela planície branca e congelada, a rotina era a de manter as toras de madeira secas e cobertas, pescar, observando a natureza imensamente gelada ao seu redor, os peixes eram conservados em gordura de urso e sal e armazenados. Sua alimentação era basicamente, peixe e mingau de farinha com ervas e sal, variando apenas com alguma carne de urso e quando tinham, pedaços de carne bovina salgada, não se importavam com isso, estavam bem adaptados à sua escolha de vida, eram felizes com o amor de um com o outro. Pensavam ultimamente que isso não poderia continuar indefinidamente, a idade iria chegar, se adoecessem por alguma coisa inesperada, não teriam a quem recorrer, naquela lonjura, então faziam planos, para comprar uma cabana no povoado mais próximo, para chegarem com mais tranquilidade ao final de suas vidas, pois embora ainda jovens, a vida dura no ártico lhes dava, uma aparência muito mais envelhecida, do que a idade que eles mesmos tinham. O dinheiro que mantinham guardado em um banco no povoado, era proveniente do emprego anterior de Israel como arquiteto numa cidade grande, era um homem de posses, de poucos gastos, sua esposa morrera de parto, ambos não tinham família, então, criara Audrey sozinho e o filho o seguiria até o inferno se ele assim tivesse escolhido, eram mais do pai e filho, eram parceiros, amigos e irmãos. Como sua rotina não tinha horário definido, conversavam muito sobre como seria sua nova vida na cidade, poderiam usar parte do dinheiro, para excursões programadas para turistas com cães em trenós, por áreas menos perigosas do Ártico, pois não pretendiam, abandonar aquelas terras geladas, viveriam como sempre viveram, apenas com um pouco mais de conforto e convivendo com outras pessoas, pois a solidão do ártico, só se serenava pelo o amor que um tinha pelo outro.
No fundo Israel queria uma descendência, Audrey precisava arranjar uma boa companheira e lhe dar netos, Israel sorrindo, assim projetava. Passados mais uns dois anos, depois também, de dois ataques sequenciais de ursos que quase fizeram com perdessem suas vidas, tendo se salvado apenas pela perícia da pontaria de Audrey, o que além do enorme susto, lhes rendeu bastante carne, gordura e agasalho, mas, estava ficando cada vez mais perigoso continuar naquela lonjura gelada. Começaram então, a preparar a partida, levariam apenas o necessário, deixando dentro do iglu fechado, tudo o que fosse necessário, para que algum viajante pudesse utilizar, as toras ficaram bem cobertas, o barril com peixes conservados em gordura, alguma farinha, sal, ferramentas, fósforos e duas das armas que possuíam, bem como alguma munição, também, bem protegida da umidade. Na cidade se hospedariam numa estalagem, até que tivessem comprado a própria cabana, tudo resolvido, abasteceram o trenó para a travessia, fecharam o iglu com blocos de gelo e partiram rumo à nova vida, olharam-se e observaram por alguns momentos o seu antigo lar e a paisagem gelada ao seu redor, com um pouco de saudade, afinal foram dez anos naquela planície congelada, mas, se tinham lições para serem apreendidas, com certeza isso já se concretizara, agora era enfrentar o desafio de serem pessoas mais normais e menos desbravadoras, na cabeça de Israel só existiam agora, imagens de netinhos correndo pela cabana, agasalhados, como bolinhas coloridas enchendo de mais alegria sua vida, estava decidido a arrumar uma esposa para Audrey, achava que o filho merecia uma vida menos solitária do que a dele, faria tudo para que ele fosse feliz, e claro, lhe desse netinhos, quem sabe Deus não o abençoaria em dobro e seriam menina e menino, Israel, ria silencioso por dentro, com esses seus pensamentos.
A chegada a cidade foi tranquila, não passaram por nenhum perigo, acharam uma hospedaria confortável, alugaram um belo quarto e foram almoçar regiamente num restaurante próprio para turistas, era meio carinho, é verdade, não eles não pudessem pagar, mas, tanto tempo vivendo com o mínimo, por opção própria, achavam agora, tudo caro, mas, quando os pratos começaram a chegar, fez bem até para as almas solitárias dos dois desbravadores do Ártico. Primeiro veio uma sopa de legumes com linguiça, fumegante e saborosa, acompanhada de pães com manteiga, coisa que eles já nem se lembravam mais do sabor, depois vieram enormes bifes ao ponto, acompanhados de tenras batatas, folhas de beterrabas cozidas e vagens com um molho amarronzado por cima, que deu água na boca só de pensar, mesmo antes de saboreá-los, um bom vinho pra acompanhar e finalizaram a lauta refeição, com queijo forte e café, sentiam-se estufados, há muitos anos não comiam algo tão substancioso, gostoso e farto, resolveram caminhar um pouco, para desgastar a comilança, andar pelo lugar em busca de uma cabana para comprar, ou um terreno onde eles mesmos poderiam construir como quisessem o seu novo lar. Acharam um terreno bom e a bom preço e articularam a encomenda do que precisariam para a empreitada construtora, Audrey não estava entendendo, o motivo do pai insistir que a cabana deveria ter quatro quartos grandes, se eram apenas os dois, não tinha ideia ainda, dos planos secretos de netinhos na cabeça de Israel. Como não costumava discutir as decisões de seu pai, fizeram as encomendas necessárias para a construção, bem como de eletrodomésticos e móveis necessários para a nova residência. Feito isso foram dormir o sono dos merecidos, em camas confortáveis, pela primeira vez em dez anos, e foi um sono sem sonhos, só de relaxamento, noite perfeita no Ártico gelado.
Conversando com as pessoas na cidade, conheceram em um armazém uma linda moça, com idade próxima a de Audrey, que vivia com a mãe e doze enormes cães da raça husky siberiano, que faziam jornadas pelo Ártico com turistas, ela era solteira e amável, muito trabalhadora, pelo que Israel pode perceber, com os olhares trocados com Audrey, Israel, voltou a imaginar netinhos correndo pela casa, quem sabe, já havia encontrado sua nora, estava pulando de felicidade, por dentro, nada que pudesse ser visto, é claro. Lhe pareceu que Audrey também gostara da moça, o que já era meio caminho andado.
Foram conhecendo os comerciantes da cidade, vendo onde iriam comprar as coisas para o abastecimento da nova residência, foram bem recebidos por todos, com amabilidade e cortesia, iriam se sentir em casa realmente, assim pensavam. Em duas semanas os materiais e madeiras para a construção chegou, contrataram na própria cidade pessoas para auxiliá-los na empreitada e em pouco tempo os alicerces estavam instalados e parte das paredes já estavam erguidas, fizeram um churrasco de carne de boi e bacalhau, regado à muito vinho, oferecido a todos que os estavam ajudando, foi uma tarde festiva e a moça do armazém estava presente e conversava bastante com ele e Israel, o nome dela é Margareth, tinha a voz tão suave, que parecia a de um anjo caído do céu, sobre a terra gelada, Israel estava que era só alegria e clamor de vinho, pensava com seus botões, netinhos, netinhos! Precisava se acalmar, era melhor deixar a natureza seguir seu curso, para não assustar Audrey e Margareth, mas, estava bem esperançoso. Conhecera também Dinah, a mãe de Margareth, mulher dos seus, cinquenta anos, forte e gordinha, com um sorriso encantador e bochechas vermelhinhas, tinha um bom papo e logo Israel estava todo empolgado com a conversa. Já fazia tanto tempo, que não sabia o que era a atenção de uma mulher, que seu corpo respondeu com uma energia, que ele mesmo, nem reconhecia, Audrey observou a empolgação de seu pai e pensou que ela seria uma boa esposa para ele. O destino estava alinhavando seus laços, Israel e Dinah eram viúvos, quem sabe não haveria dois casamentos naquelas terras geladas, só mesmo tempo iria esclarecer esta questão.
Os dias e semanas foram se passando, a cabana forte e espaçosa, subiu com gosto e formosura, já estava guarnecida com tudo que encomendaram, era chegada a hora da mudança da hospedaria para a nova casa, pediram para que um nativo, fizesse umas rezas para a proteção da construção, depois fizeram uma festa digna da inauguração do lar, foi uma tarde boa que se estendeu até a noite, se despediram das pessoas, e ficaram sentados em frente á enorme lareira, só admirando seu novo lar, se abraçaram e foram dormir. No dia seguinte pela manhã, receberam a visita de Margareth e Dinah com alegria, elas haviam trazido duas tortas, uma doce e uma salgada, bem como duas garrafas térmicas com chá e chocolate quentes, para que eles tivessem o primeiro café da manhã na nova casa, com cheirinho de lar, Audrey rapidamente as acomodou na grande cozinha, sorrindo de orelha a orelha, acompanhado de olhares embasbacados de seu pai, que não tirava os olhos daquela gordinha de bochechas vermelhas, é, ele estava apaixonado de verdade. Audrey também estava encantado com a doçura de Margareth, é, parece que os laços do destino estavam se apertando, a felicidade naquele café da manhã, parecia abençoada. Mais tarde elas foram embora, deixando um perfume doce e almiscarado por todo o ambiente, cheirinho bom de mulher, coisa que eles, nem mais sabiam como era, pobres homens do Ártico, estavam se sentindo estranhamente amortecidos, como peixes fisgados.
Para que Israel e Audrey, matassem as saudades de seu isolamento gelado, combinaram um passeio com trenós e cães, para a manhã seguinte, pois a temporada de turistas ainda iria demoram uns dois meses para que tivessem muito trabalho, os cães também precisavam se exercitar, então, tudo combinado e preparado, partiram na manhã seguinte, para um belo passeio pelas terras geladas, os cães logo se harmonizaram com os dois homens, eram belos espécimes da raça, fortes e bem treinados por Margareth, foi um passeio delicioso, na volta, Israel convidou as duas para almoçar em sua casa, iria mostrar para elas que era um bom dono de casa e um cozinheiro especial, combinaram um horário para que elas chegassem e Israel com o auxílio de Audrey, foi se esmerar na cozinha, queria realmente agradá-las, ô! Cabecinha sonhadora aquela. Preparou belos bifes suculentos, para grelhá-los na hora da refeição, fez uma torta enorme de massa de abóbora e recheio de vegetais com queijo, que estava deveras perfumada, Audrey depois de trazer garrafas de vinho, preparou um purê de batatas que gratinou com queijo e ervas no forno, a cozinha estava com um cheiro maravilhoso, não satisfeito, Israel, fez uma pastinha de tomates secos e pimentões vermelhos, temperada com ervas, para servir como entrada, pôs fatias de pão para aquecer e por fim fez uma torta cremosa de chocolate, que ficou digna de um grande confeiteiro, tinha suco de frutas industrializado na geladeira caso fosse preciso, pois percebeu que Dinah, não era de beber muito, e aquelas bochechinhas vermelhas estavam atiçando seu juízo, Audrey, se esmerou na arrumação da mesa da sala, estava tudo lindo, logo elas chegaram. Ao tirarem os agasalhos, ambas estavam vestidas de vestido de lã de cores neutras e botas altas, lindas de viver, quase que os dois desmaiaram de tanta admiração, não pouparam elogios, Israel até enrubesceu, parecia um menino de tanta emoção. Elas trouxeram um arranjo de plantas coloridas de presente para a nova casa, disseram que era para dar, um ar festivo à nova moradia, além de Dinah ter levado também, um enorme pote de geleia de amoras para que eles adocicassem os próximos cafés da manhã no novo lar, muito generoso da parte delas, agradeceram com grande alegria.
Depois do almoço muito elogiado por elas, foram conhecer o restante da casa, e Dinah perguntou para Israel, o motivo de terem feito dois quartos a mais do que os deles próprios, se estavam vazios, um de cortinas brancas e outro de cortinas no tom lilás, Israel meio rubro desconversou, dizendo que poderiam precisar hospedar algum turista, quando empreendessem a sociedade com elas no passeio com os cães, assunto esse que já haviam conversado e esperavam a chegada de mais oito cães nas próximas semanas, para que pudessem ser treinados em tempo da temporada turística. Aplacada a curiosidade, continuaram admirando o bom gosto deles na decoração da casa, Dinah e Israel seguiram para a cozinha para um último café e Audrey e Margareth ficaram conversando sentados à beira da cama de casal dele, as mãos se tocaram suavemente e então, aconteceu o primeiro beijo, meio tímido à princípio, depois ele se aqueceu tanto quanto os seus corações, ah! O destino, começava a atar seus nós com mais firmeza, ambos estavam letárgicos e infinitamente apaixonados, ficaram conversando por mais alguns momentos e finalmente foram se juntar a Dinah e Israel na cozinha. Era nítido o rubor em suas faces, Dinah que já percebera o interesse que um tinha pelo outro, perguntou sem demora, se haviam se entendido, disse isso com um sorriso encantador nos lábios, que deixou Israel sem palavras, só com um sorriso bobo estampado na cara, o casal então falou, que estavam apaixonados, Israel, se não tivesse se controlado, já teria dito que os quartos vazios eram para os seus futuros netos, mas, era melhor não colocar o carro na frente dos bois, correu para encher copos de vinho, que ele e Dinah distribuíram com muita alegria, dando parabéns e bençãos ao casal de namorados.
Os meses foram se passando, os cães chegaram foram treinados por algumas semanas, tudo corria muito bem, a temporada turística chegou, eles tiveram muito trabalho, Audrey e Margareth estavam muito ligados um ao outro e não era diferente a relação entre Dinah e Israel. Um dia no retorno de um passeio com os turistas, Israel e Dinah acabaram sua função mais cedo dos que os filhos e foram para a casa de Israel, fazer um pequeno lanche, sozinhos naquela cozinha quentinha, aconteceu o primeiro beijo dos dois, o que deixou Israel e Dinah sem chão, pois foi um beijo ardente, maduro e emocionante, entre muitos carinhos há tanto esperados, foram para o quarto e fizeram amor pela primeira vez, depois de muitos anos em suas vidas, foi o selo final de que logo aconteceriam dois casamentos na cidade. Israel contou para Dinah o motivo dos quartos vagos, contou seus sonhos de netinhos o que a deixou enternecida, pois sabia que em breve seriam uma só família, já estavam amadurecendo, a felicidade não podia mais esperar. Ficaram aguardando Audrey e Margareth chegar para lhes contar a novidade, notícia essa, que foi recebida com grande emoção pelo dois, a noite foi de pura celebração, e Dinah só saiu de lá no dia seguinte, sorrindo e com as bochechinhas vermelhas, mais rubras ainda, mas, de pura alegria. Como era de se esperar, o destino apertou os laços para sempre, logo, logo, os casamentos seriam marcados, fariam uma grande comemoração, as duas se mudariam para a nova casa e aquela cabana no Ártico gelado, estaria repleta de calor humano, cheirinho de família e muito amor. Os sonhos de Israel eram tão altos, que mesmo antes dos casamentos, já haviam chegado móveis infantis para os quartos vagos, o que foi motivo de muitas gargalhadas por parte de Audrey, Dinah e Margareth, como era apressadinho aquele futuro avô. E assim termina esse conto gelado de clima e repleto de muito calor de amor.
Cristina Gaspar
Rio de Janeiro, 24 de fevereiro de 2016
Na superfície gelada do ártico, apenas um iglu, grande em sua forma e preenchido de dois homens, pai e filho, Israel e Audrey respectivamente, homens fortes, desbravadores, que escolheram a solidão das terras geladas como moradia e destino, possuíam apenas um tipo de trenó com capota opcional, motorizado grande e forte, com um suporte para carregar compras e toras de madeira, muitas ferramentas, algumas facas e armas, combustível armazenado, muitas toras de lenha, algum gás, fósforos em profusão, , roupas quentes, mantimentos básicos, sal e o restante era oriundo de pesca e por vezes algum urso, do qual conseguiam carne e gordura, bem como, de sua pele tapete para a forração de seu gelado lar. Não tinham mais família, eram somente os dois, pai e filho amigos nessa vida rotineira e também perigosa, por causa do ataque de ursos que aconteciam de vez em quando, mas, isso era uma escolha de vida, não se importavam com isso, já estavam no Ártico há mais de dez anos, hoje Israel com quarenta e cinco anos e seu filho Audrey já estava beirando a casa dos trinta. Conseguiam combustível, em idas mensais até o povoado mais próximo, deixando o iglu sempre fechado com blocos de gelo, para não encontrarem visitantes indesejados ao retornar, pois nunca partiam sozinhos, por causa dos perigos da travessia. De quando em quando compravam farinha, água potável, algumas ervas desidratadas e às vezes, algum luxo, como chocolates, açúcar e carne de bovina seca, para variar o cardápio de peixes.
Tudo era igual naquela planície branca e congelada, a rotina era a de manter as toras de madeira secas e cobertas, pescar, observando a natureza imensamente gelada ao seu redor, os peixes eram conservados em gordura de urso e sal e armazenados. Sua alimentação era basicamente, peixe e mingau de farinha com ervas e sal, variando apenas com alguma carne de urso e quando tinham, pedaços de carne bovina salgada, não se importavam com isso, estavam bem adaptados à sua escolha de vida, eram felizes com o amor de um com o outro. Pensavam ultimamente que isso não poderia continuar indefinidamente, a idade iria chegar, se adoecessem por alguma coisa inesperada, não teriam a quem recorrer, naquela lonjura, então faziam planos, para comprar uma cabana no povoado mais próximo, para chegarem com mais tranquilidade ao final de suas vidas, pois embora ainda jovens, a vida dura no ártico lhes dava, uma aparência muito mais envelhecida, do que a idade que eles mesmos tinham. O dinheiro que mantinham guardado em um banco no povoado, era proveniente do emprego anterior de Israel como arquiteto numa cidade grande, era um homem de posses, de poucos gastos, sua esposa morrera de parto, ambos não tinham família, então, criara Audrey sozinho e o filho o seguiria até o inferno se ele assim tivesse escolhido, eram mais do pai e filho, eram parceiros, amigos e irmãos. Como sua rotina não tinha horário definido, conversavam muito sobre como seria sua nova vida na cidade, poderiam usar parte do dinheiro, para excursões programadas para turistas com cães em trenós, por áreas menos perigosas do Ártico, pois não pretendiam, abandonar aquelas terras geladas, viveriam como sempre viveram, apenas com um pouco mais de conforto e convivendo com outras pessoas, pois a solidão do ártico, só se serenava pelo o amor que um tinha pelo outro.
No fundo Israel queria uma descendência, Audrey precisava arranjar uma boa companheira e lhe dar netos, Israel sorrindo, assim projetava. Passados mais uns dois anos, depois também, de dois ataques sequenciais de ursos que quase fizeram com perdessem suas vidas, tendo se salvado apenas pela perícia da pontaria de Audrey, o que além do enorme susto, lhes rendeu bastante carne, gordura e agasalho, mas, estava ficando cada vez mais perigoso continuar naquela lonjura gelada. Começaram então, a preparar a partida, levariam apenas o necessário, deixando dentro do iglu fechado, tudo o que fosse necessário, para que algum viajante pudesse utilizar, as toras ficaram bem cobertas, o barril com peixes conservados em gordura, alguma farinha, sal, ferramentas, fósforos e duas das armas que possuíam, bem como alguma munição, também, bem protegida da umidade. Na cidade se hospedariam numa estalagem, até que tivessem comprado a própria cabana, tudo resolvido, abasteceram o trenó para a travessia, fecharam o iglu com blocos de gelo e partiram rumo à nova vida, olharam-se e observaram por alguns momentos o seu antigo lar e a paisagem gelada ao seu redor, com um pouco de saudade, afinal foram dez anos naquela planície congelada, mas, se tinham lições para serem apreendidas, com certeza isso já se concretizara, agora era enfrentar o desafio de serem pessoas mais normais e menos desbravadoras, na cabeça de Israel só existiam agora, imagens de netinhos correndo pela cabana, agasalhados, como bolinhas coloridas enchendo de mais alegria sua vida, estava decidido a arrumar uma esposa para Audrey, achava que o filho merecia uma vida menos solitária do que a dele, faria tudo para que ele fosse feliz, e claro, lhe desse netinhos, quem sabe Deus não o abençoaria em dobro e seriam menina e menino, Israel, ria silencioso por dentro, com esses seus pensamentos.
A chegada a cidade foi tranquila, não passaram por nenhum perigo, acharam uma hospedaria confortável, alugaram um belo quarto e foram almoçar regiamente num restaurante próprio para turistas, era meio carinho, é verdade, não eles não pudessem pagar, mas, tanto tempo vivendo com o mínimo, por opção própria, achavam agora, tudo caro, mas, quando os pratos começaram a chegar, fez bem até para as almas solitárias dos dois desbravadores do Ártico. Primeiro veio uma sopa de legumes com linguiça, fumegante e saborosa, acompanhada de pães com manteiga, coisa que eles já nem se lembravam mais do sabor, depois vieram enormes bifes ao ponto, acompanhados de tenras batatas, folhas de beterrabas cozidas e vagens com um molho amarronzado por cima, que deu água na boca só de pensar, mesmo antes de saboreá-los, um bom vinho pra acompanhar e finalizaram a lauta refeição, com queijo forte e café, sentiam-se estufados, há muitos anos não comiam algo tão substancioso, gostoso e farto, resolveram caminhar um pouco, para desgastar a comilança, andar pelo lugar em busca de uma cabana para comprar, ou um terreno onde eles mesmos poderiam construir como quisessem o seu novo lar. Acharam um terreno bom e a bom preço e articularam a encomenda do que precisariam para a empreitada construtora, Audrey não estava entendendo, o motivo do pai insistir que a cabana deveria ter quatro quartos grandes, se eram apenas os dois, não tinha ideia ainda, dos planos secretos de netinhos na cabeça de Israel. Como não costumava discutir as decisões de seu pai, fizeram as encomendas necessárias para a construção, bem como de eletrodomésticos e móveis necessários para a nova residência. Feito isso foram dormir o sono dos merecidos, em camas confortáveis, pela primeira vez em dez anos, e foi um sono sem sonhos, só de relaxamento, noite perfeita no Ártico gelado.
Conversando com as pessoas na cidade, conheceram em um armazém uma linda moça, com idade próxima a de Audrey, que vivia com a mãe e doze enormes cães da raça husky siberiano, que faziam jornadas pelo Ártico com turistas, ela era solteira e amável, muito trabalhadora, pelo que Israel pode perceber, com os olhares trocados com Audrey, Israel, voltou a imaginar netinhos correndo pela casa, quem sabe, já havia encontrado sua nora, estava pulando de felicidade, por dentro, nada que pudesse ser visto, é claro. Lhe pareceu que Audrey também gostara da moça, o que já era meio caminho andado.
Foram conhecendo os comerciantes da cidade, vendo onde iriam comprar as coisas para o abastecimento da nova residência, foram bem recebidos por todos, com amabilidade e cortesia, iriam se sentir em casa realmente, assim pensavam. Em duas semanas os materiais e madeiras para a construção chegou, contrataram na própria cidade pessoas para auxiliá-los na empreitada e em pouco tempo os alicerces estavam instalados e parte das paredes já estavam erguidas, fizeram um churrasco de carne de boi e bacalhau, regado à muito vinho, oferecido a todos que os estavam ajudando, foi uma tarde festiva e a moça do armazém estava presente e conversava bastante com ele e Israel, o nome dela é Margareth, tinha a voz tão suave, que parecia a de um anjo caído do céu, sobre a terra gelada, Israel estava que era só alegria e clamor de vinho, pensava com seus botões, netinhos, netinhos! Precisava se acalmar, era melhor deixar a natureza seguir seu curso, para não assustar Audrey e Margareth, mas, estava bem esperançoso. Conhecera também Dinah, a mãe de Margareth, mulher dos seus, cinquenta anos, forte e gordinha, com um sorriso encantador e bochechas vermelhinhas, tinha um bom papo e logo Israel estava todo empolgado com a conversa. Já fazia tanto tempo, que não sabia o que era a atenção de uma mulher, que seu corpo respondeu com uma energia, que ele mesmo, nem reconhecia, Audrey observou a empolgação de seu pai e pensou que ela seria uma boa esposa para ele. O destino estava alinhavando seus laços, Israel e Dinah eram viúvos, quem sabe não haveria dois casamentos naquelas terras geladas, só mesmo tempo iria esclarecer esta questão.
Os dias e semanas foram se passando, a cabana forte e espaçosa, subiu com gosto e formosura, já estava guarnecida com tudo que encomendaram, era chegada a hora da mudança da hospedaria para a nova casa, pediram para que um nativo, fizesse umas rezas para a proteção da construção, depois fizeram uma festa digna da inauguração do lar, foi uma tarde boa que se estendeu até a noite, se despediram das pessoas, e ficaram sentados em frente á enorme lareira, só admirando seu novo lar, se abraçaram e foram dormir. No dia seguinte pela manhã, receberam a visita de Margareth e Dinah com alegria, elas haviam trazido duas tortas, uma doce e uma salgada, bem como duas garrafas térmicas com chá e chocolate quentes, para que eles tivessem o primeiro café da manhã na nova casa, com cheirinho de lar, Audrey rapidamente as acomodou na grande cozinha, sorrindo de orelha a orelha, acompanhado de olhares embasbacados de seu pai, que não tirava os olhos daquela gordinha de bochechas vermelhas, é, ele estava apaixonado de verdade. Audrey também estava encantado com a doçura de Margareth, é, parece que os laços do destino estavam se apertando, a felicidade naquele café da manhã, parecia abençoada. Mais tarde elas foram embora, deixando um perfume doce e almiscarado por todo o ambiente, cheirinho bom de mulher, coisa que eles, nem mais sabiam como era, pobres homens do Ártico, estavam se sentindo estranhamente amortecidos, como peixes fisgados.
Para que Israel e Audrey, matassem as saudades de seu isolamento gelado, combinaram um passeio com trenós e cães, para a manhã seguinte, pois a temporada de turistas ainda iria demoram uns dois meses para que tivessem muito trabalho, os cães também precisavam se exercitar, então, tudo combinado e preparado, partiram na manhã seguinte, para um belo passeio pelas terras geladas, os cães logo se harmonizaram com os dois homens, eram belos espécimes da raça, fortes e bem treinados por Margareth, foi um passeio delicioso, na volta, Israel convidou as duas para almoçar em sua casa, iria mostrar para elas que era um bom dono de casa e um cozinheiro especial, combinaram um horário para que elas chegassem e Israel com o auxílio de Audrey, foi se esmerar na cozinha, queria realmente agradá-las, ô! Cabecinha sonhadora aquela. Preparou belos bifes suculentos, para grelhá-los na hora da refeição, fez uma torta enorme de massa de abóbora e recheio de vegetais com queijo, que estava deveras perfumada, Audrey depois de trazer garrafas de vinho, preparou um purê de batatas que gratinou com queijo e ervas no forno, a cozinha estava com um cheiro maravilhoso, não satisfeito, Israel, fez uma pastinha de tomates secos e pimentões vermelhos, temperada com ervas, para servir como entrada, pôs fatias de pão para aquecer e por fim fez uma torta cremosa de chocolate, que ficou digna de um grande confeiteiro, tinha suco de frutas industrializado na geladeira caso fosse preciso, pois percebeu que Dinah, não era de beber muito, e aquelas bochechinhas vermelhas estavam atiçando seu juízo, Audrey, se esmerou na arrumação da mesa da sala, estava tudo lindo, logo elas chegaram. Ao tirarem os agasalhos, ambas estavam vestidas de vestido de lã de cores neutras e botas altas, lindas de viver, quase que os dois desmaiaram de tanta admiração, não pouparam elogios, Israel até enrubesceu, parecia um menino de tanta emoção. Elas trouxeram um arranjo de plantas coloridas de presente para a nova casa, disseram que era para dar, um ar festivo à nova moradia, além de Dinah ter levado também, um enorme pote de geleia de amoras para que eles adocicassem os próximos cafés da manhã no novo lar, muito generoso da parte delas, agradeceram com grande alegria.
Depois do almoço muito elogiado por elas, foram conhecer o restante da casa, e Dinah perguntou para Israel, o motivo de terem feito dois quartos a mais do que os deles próprios, se estavam vazios, um de cortinas brancas e outro de cortinas no tom lilás, Israel meio rubro desconversou, dizendo que poderiam precisar hospedar algum turista, quando empreendessem a sociedade com elas no passeio com os cães, assunto esse que já haviam conversado e esperavam a chegada de mais oito cães nas próximas semanas, para que pudessem ser treinados em tempo da temporada turística. Aplacada a curiosidade, continuaram admirando o bom gosto deles na decoração da casa, Dinah e Israel seguiram para a cozinha para um último café e Audrey e Margareth ficaram conversando sentados à beira da cama de casal dele, as mãos se tocaram suavemente e então, aconteceu o primeiro beijo, meio tímido à princípio, depois ele se aqueceu tanto quanto os seus corações, ah! O destino, começava a atar seus nós com mais firmeza, ambos estavam letárgicos e infinitamente apaixonados, ficaram conversando por mais alguns momentos e finalmente foram se juntar a Dinah e Israel na cozinha. Era nítido o rubor em suas faces, Dinah que já percebera o interesse que um tinha pelo outro, perguntou sem demora, se haviam se entendido, disse isso com um sorriso encantador nos lábios, que deixou Israel sem palavras, só com um sorriso bobo estampado na cara, o casal então falou, que estavam apaixonados, Israel, se não tivesse se controlado, já teria dito que os quartos vazios eram para os seus futuros netos, mas, era melhor não colocar o carro na frente dos bois, correu para encher copos de vinho, que ele e Dinah distribuíram com muita alegria, dando parabéns e bençãos ao casal de namorados.
Os meses foram se passando, os cães chegaram foram treinados por algumas semanas, tudo corria muito bem, a temporada turística chegou, eles tiveram muito trabalho, Audrey e Margareth estavam muito ligados um ao outro e não era diferente a relação entre Dinah e Israel. Um dia no retorno de um passeio com os turistas, Israel e Dinah acabaram sua função mais cedo dos que os filhos e foram para a casa de Israel, fazer um pequeno lanche, sozinhos naquela cozinha quentinha, aconteceu o primeiro beijo dos dois, o que deixou Israel e Dinah sem chão, pois foi um beijo ardente, maduro e emocionante, entre muitos carinhos há tanto esperados, foram para o quarto e fizeram amor pela primeira vez, depois de muitos anos em suas vidas, foi o selo final de que logo aconteceriam dois casamentos na cidade. Israel contou para Dinah o motivo dos quartos vagos, contou seus sonhos de netinhos o que a deixou enternecida, pois sabia que em breve seriam uma só família, já estavam amadurecendo, a felicidade não podia mais esperar. Ficaram aguardando Audrey e Margareth chegar para lhes contar a novidade, notícia essa, que foi recebida com grande emoção pelo dois, a noite foi de pura celebração, e Dinah só saiu de lá no dia seguinte, sorrindo e com as bochechinhas vermelhas, mais rubras ainda, mas, de pura alegria. Como era de se esperar, o destino apertou os laços para sempre, logo, logo, os casamentos seriam marcados, fariam uma grande comemoração, as duas se mudariam para a nova casa e aquela cabana no Ártico gelado, estaria repleta de calor humano, cheirinho de família e muito amor. Os sonhos de Israel eram tão altos, que mesmo antes dos casamentos, já haviam chegado móveis infantis para os quartos vagos, o que foi motivo de muitas gargalhadas por parte de Audrey, Dinah e Margareth, como era apressadinho aquele futuro avô. E assim termina esse conto gelado de clima e repleto de muito calor de amor.
Cristina Gaspar
Rio de Janeiro, 24 de fevereiro de 2016