SONHOS EM PEDRAS
(Samuel da Mata)
(Samuel da Mata)
A casa não era grande, mas era forte, construída em concreto e pedra. Ma verdade, eu temia que lobos e linces invadissem a minha casa durante a noite. Coisa que nunca tentaram. De qualquer forma, melhor era prevenir. Paredes fortes, portas e janelas de Ipê, além de travas e um pequeno porão subterrâneo com portas de aço. O lugar era nativo, destes que a gente sonha quando assiste filmes de faroeste. Era uma linda savana, que na primavera se revestia de flores parecendo um tapete persa. O rio ficava ao lado, a uns 200 metros da casa. Preferi fazer a casa mais distante e num altiplano temendo alguma enchente. Esta nunca aconteceu, as chuvas sempre forram constantes, mas regulares. Nunca me preocupei com a beleza da casa. Na verdade nossa casa era o jardim, lá comíamos e passávamos a maior parte do tempo.
Tínhamos tudo e nada, Tudo porque não havia lugar mais belo no mundo e nada porque, exceto uma geladeira a gás, tudo o mais era desnecessário. Televisão, computador e automóvel eram coisa inconcebíveis às nossas necessidades. Alguns vizinhos, na outra margem do rio e uma aldeia onde comprávamos os nossos suprimentos, sal, açúcar, e grãos, a apenas uma hora de barco à vela. Tudo corria assim tão belo, até que um dia...
Um dia chegou Marcela, prima de minha amada. Veio da capital, por recomendação médica, passar uns dias no campo. Ela não era uma pessoa má, mas trazia no bojo o vírus da insaciabilidade. Nem ela mesma sabia, mas já estava morrendo por este motivo. Embora tivesse um bom salário vivia sempre planejando um futuro mais abastado. Seu verbo preferido era “trocar”. Trocar o apartamento, trocar o carro, trocar de cidade, trocar de emprego, etc. Coitada! A vida estava sempre longe do seu braço, embora possuísse um invejável equipamento de pesca. Um lindo corpo, bom emprego, bom salário, bom marido, lindos filhos e um ótimo apartamento de classe média, o qual acabara de ser reformado, pela terceira vez nos últimos cinco anos. Era algo compulsivo, ela vivia pra TV e a TV para ela. Tudo era bom até que um especialista da TV dissesse o contrário. Trouxe mais remédios na mala do que roupas para se vestir. Era comprimidos para prevenir celulites, para emagrecer , para amaciar o cabelo, e outros que nem ela sabia pra que, mas usava por recomendações de amigas. As vezes, o diabo veste prata, foi esta a cor da roupa que ela chegou, num salto extravagante como se fosse caminhar na passarela. Mas não o fez por mal, esta era sempre a sua indumentária. Não aguentou dois dias na nossa modesta casa. Tudo lhe era incômodo, mesmo a gente se desdobrando em paparicos. Mas estes dois dias foram suficientes para causar um estrago equivalente ao tsunami em Fukushima. Depois de dois dias, o vírus já havia se propagado.
Naquele dia eu me lembrei da caserna, lembrei-me do dia eu que eu assisti a expulsão de um tenente. Nunca tinha visto algo tão horrível. Ele estava de pé diante a tropa, quando o General mandou que rufassemm os tambores. Primeiro o Bumbo, depois o surdo, e por fim o tarol. Os toques começaram fortes e rápidos, depois foram ficando lentos e pausados, como alguém que perde o fôlego. Em um movimento brusco, o general arrancou as medalhas e insígnias do uniforme do tenente, depois dois sargentos lhe rasgaram a farda em golpes bruscos de canivete, deixando-o apenas em trajes menores. Foi quando então a corneta cortou o céu com um piado triste e fúnebre, para que o pelotão lhe virasse as costas e o tenente fosse arrastado ao calabouço pelo corpo da guarda. Assim me achei naquele dia, o tenente em seu desterro. De repente, as pradarias perderam o encanto, a casa virou tapera, a tranquilidade um tédio, os amigos uns chatos, a natureza um presídio, os filhos uns farrapos, eu um incompetente e a visão do rio apenas um pesadelo. Tem horas que a nossa alma foge da gente e ficamos inertes a imaginar que estamos em um sonho, e que logo acordaremos. Mas era real, O céu desabou sobre mim como o Vesúvio em Pompeia. Já não havia onde refugiar-me. As vezes uma montanha de sonhos traz em seu bojo um vulcão adormecido. Calei-me, fui até o rio e pensei, a enchente que eu tanto evitei pegou-me de surpresa e no seu banzeiro não me sobrara nada, quem sabe a minha dignidade.
Tínhamos tudo e nada, Tudo porque não havia lugar mais belo no mundo e nada porque, exceto uma geladeira a gás, tudo o mais era desnecessário. Televisão, computador e automóvel eram coisa inconcebíveis às nossas necessidades. Alguns vizinhos, na outra margem do rio e uma aldeia onde comprávamos os nossos suprimentos, sal, açúcar, e grãos, a apenas uma hora de barco à vela. Tudo corria assim tão belo, até que um dia...
Um dia chegou Marcela, prima de minha amada. Veio da capital, por recomendação médica, passar uns dias no campo. Ela não era uma pessoa má, mas trazia no bojo o vírus da insaciabilidade. Nem ela mesma sabia, mas já estava morrendo por este motivo. Embora tivesse um bom salário vivia sempre planejando um futuro mais abastado. Seu verbo preferido era “trocar”. Trocar o apartamento, trocar o carro, trocar de cidade, trocar de emprego, etc. Coitada! A vida estava sempre longe do seu braço, embora possuísse um invejável equipamento de pesca. Um lindo corpo, bom emprego, bom salário, bom marido, lindos filhos e um ótimo apartamento de classe média, o qual acabara de ser reformado, pela terceira vez nos últimos cinco anos. Era algo compulsivo, ela vivia pra TV e a TV para ela. Tudo era bom até que um especialista da TV dissesse o contrário. Trouxe mais remédios na mala do que roupas para se vestir. Era comprimidos para prevenir celulites, para emagrecer , para amaciar o cabelo, e outros que nem ela sabia pra que, mas usava por recomendações de amigas. As vezes, o diabo veste prata, foi esta a cor da roupa que ela chegou, num salto extravagante como se fosse caminhar na passarela. Mas não o fez por mal, esta era sempre a sua indumentária. Não aguentou dois dias na nossa modesta casa. Tudo lhe era incômodo, mesmo a gente se desdobrando em paparicos. Mas estes dois dias foram suficientes para causar um estrago equivalente ao tsunami em Fukushima. Depois de dois dias, o vírus já havia se propagado.
Naquele dia eu me lembrei da caserna, lembrei-me do dia eu que eu assisti a expulsão de um tenente. Nunca tinha visto algo tão horrível. Ele estava de pé diante a tropa, quando o General mandou que rufassemm os tambores. Primeiro o Bumbo, depois o surdo, e por fim o tarol. Os toques começaram fortes e rápidos, depois foram ficando lentos e pausados, como alguém que perde o fôlego. Em um movimento brusco, o general arrancou as medalhas e insígnias do uniforme do tenente, depois dois sargentos lhe rasgaram a farda em golpes bruscos de canivete, deixando-o apenas em trajes menores. Foi quando então a corneta cortou o céu com um piado triste e fúnebre, para que o pelotão lhe virasse as costas e o tenente fosse arrastado ao calabouço pelo corpo da guarda. Assim me achei naquele dia, o tenente em seu desterro. De repente, as pradarias perderam o encanto, a casa virou tapera, a tranquilidade um tédio, os amigos uns chatos, a natureza um presídio, os filhos uns farrapos, eu um incompetente e a visão do rio apenas um pesadelo. Tem horas que a nossa alma foge da gente e ficamos inertes a imaginar que estamos em um sonho, e que logo acordaremos. Mas era real, O céu desabou sobre mim como o Vesúvio em Pompeia. Já não havia onde refugiar-me. As vezes uma montanha de sonhos traz em seu bojo um vulcão adormecido. Calei-me, fui até o rio e pensei, a enchente que eu tanto evitei pegou-me de surpresa e no seu banzeiro não me sobrara nada, quem sabe a minha dignidade.