Amor Cotidiano

Saem de mãos dadas pelas calçadas quebradas. Os pés em passos rápidos, na busca pela condução com horário incerto. No coletivo, sorrisos e piscadelas, com a cabeça da moça sobre o ombro do rapaz. A paisagem passa pela janela, com pessoas atravessando a catraca, a maioria se equilibra de pé. Os outros observam o carinho, no gesto de cafuné sobre os cabelos que voam com o vento. Descem e caminham pelo centro comercial, desviando de pedestres ligeiros, alcançados por olhares de quem inveja o sentimento alheio. Na lanchonete, com bancos altos, os salgados expostos na estufa. Um brinde com copo de vidro repleto de refrigerante, sorriso fechado por conta da mastigação. Parecem dançar, já que o mundo leve para quem tem o coração cheio de amor.

Nos sebos buscam livros diversos, trocam informações sobre títulos e autores, como garimpeiros literários. O dinheiro trocado, retirado e contado, que paga o livro de páginas amareladas e aroma de mofo. O sol faz suar os corpos que se abraçam e ignoram o calor. O vestido que balança, ajustando-se ao corpo, revelando curvas, moldando as formas. Do outro lado, a sobriedade de uma camisa e calça de cores escuras. As marcas das tatuagens aparecem como insinuações de algo além do imediatamente visto.

Em casa, lavando a louça, que é empilhada no escorredor. Secagem rápida no pano te prato, para ocupar o lugar na poltrona, com o notebook entre as pernas. Dedos clicando aqui e ali, com beijos nas bochechas e pescoço. Os gatos rolam pelo chão, brincando e soltando pelos. A televisão ligada, sem que se dê importância ao conteúdo que a tela inexpressiva tenta transmitir. Porta retratos que espalham memórias. Uma trilha sonora que embala a faxina da casa, com vassouras, panos de chão e rodo. A máquina lavando a roupa, o varal com peças estendidas, as conversas sobre os casos do dia, as esperanças em relação aos desejos construídos.

Na cama, a madeira estala. O colchão lançado ao solo de piso frio, com corpos quentes unidos em beijos e carícias de amor. Se olham e soltam gemidos, esquecendo da vizinhança, que escuta tudo por conta das paredes próximas e de acústica precária. Um copo de água no intervalo. Depois, deitados, abraçados, adormecendo aos poucos. Roupas íntimas em volta, sons vindo de fora, com crianças aprontando nas ruas, cães latindo na vizinhança. Um banho em seguida, antes de sair, a repetição da frase, “eu te amo”. Por mais que seja dita, existe a necessidade de ser ouvida, não por mecânica, mais por uma vontade que tende a crescer, fazendo com que cada momento seja pleno, devido a intensidade com que fora sentido.

Bruno Azevedo
Enviado por Bruno Azevedo em 17/08/2012
Código do texto: T3835730
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