Caminhos

Caminhos que se cruzam por entre vias que percorrem um terreno pronto a ser explorado, embora seja muitas vezes desertificado. O que faz um se tornar dois, por conta de acréscimos estendidos em abraços, carícias que não respeitam fronteiras e nem estados. Tudo é toque que faz a música do sentir tocar alto, ao ponto de muitos melancólicos taparem os ouvidos, amedrontados pelo ritmo que faz vibrar as cordas da vida. Compositores inspirados não deixam de contribuir com sua ousadia, fazendo do som um tom certo que flecha feito um bom Cupido. Traçando rodovias que fazem deslizar passageiros, em um fluxo de tempo-gente, com partida e chegada, início e fim. Um arrastar sobre o solo negro, asfáltico.

Agora saio dessa fonte, percorrendo um chão branco. Sigo o rastro dos versos que me deixas-te, feito migalhas para que eu possa me alimentar. Em cada móvel um trecho de Neruda, apoiado com algum objeto que o deixe fixo, embora a folha de papel balance, insinuando-se para meus olhos aflitos. O rodapé marcado com símbolos gramaticais, conduzindo-me ao desejo além da escrita, já que a paixão jamais será inteiramente dita. Os livros continuam ordenados, empilhados, feitos de espectadores mudos, que contribuem com o flerte literário. Até o dicionário, tímido, mostra-se solícito, deixando escapar algum adjetivo necessário.

Um par de meias pretas, com coxas erotizantes, transbordando sob vestes generosas. Quase uma Lolita, embora tenha mais idade que isso. Importam os trejeitos, que são de uma fêmea moleca, de olhar travesso. Eis as borboletas nos bordados, que demonstram a metamorfose, apesar de manterem-se fixadas no tecido, escapando pelo trançado. Calcanhares esfolados sangram, assim como os cantos dos dedos, agora com um deles adornado, com argola de aço que bamboleia para celebrar o feminino. As madeiras rangem, um novo ritmo nasce, embora os vizinhos apenas consigam se ater aos gemidos. Até que os pés descalços calem os corpos vestidos de libido. Um tabuleiro de xadrez com apenas uma cor de superfície, deixando os jogadores, díspares, transitem livres.

Ah, Sartre! Quão maravilhoso é descobrir nosso próprio Castor. Mesmo que corra o risco de roer os alicerces. Sempre vale a pena o risco, quando fazemos tocados por Eros. As canções de Elis Regina são silenciadas, sou um equilibrista sóbrio, eis a minha tristeza. Por isso chuto as hastes, despencando o corpo sem muletas, sustentado por beijos que afagam os lábios, fazendo-me desejar essas pequenas migalhas, tornando-me um rato. Sobrevivente de um gueto, onde a opressão é mais do que desejada, pois sabe-se que a recompensa será gloriosa, o que justifica a resignação. Nesse labirinto, todos os caminhos levam para um só coração, onde o Minotauro aguarda para devorar sem cessar, pois o apaixonado é um eterno alimentar.

O desejo de não mais manter segredos, faz com que as chaves se despedacem. As trancas são dispensáveis, já que o peito está escancarado. Talvez justifique a calcinha rasgada, que antes estivera molhada, agora se mantendo guardada sob travesseiros. Gatos acenam desejando boa sorte na travessia entre mundos. Os corpos são portais que se projetam no instante em que se conectam, criando uma nova via, com um fluxo de intensidade orgiástica. Assim surge a Anima, pois só nos damos conta de potência do sentir, quando diluímos em gozo. Que bom seria a vida sendo a cada instante uma gozada.