Entre Lençóis

Calor forte, sol que agride a vista com astigmatismo. O olha lacrimeja, enquanto a pele arde, a secura invade a boca e seca a saliva, que se torna espessa. Os olhos, um par deles, no centro de um rosto moreno, que fitam o ir e vir de passos sem pousada. A geladeira refrigera apenas uma porção ínfima do espaço, por um tempo diminuto, em um abrir e fechar, após um cadeado se desprender.

Aquela caixa de aço de números cor de sangue, letras com números em seguida, terminando com a sensação gerada pela força da estática. Dois pares de pés seguem a trilha de pisos, até pararem diante de uma vertical de madeira envelhecida. O número 304 indica um símbolo. Entre quatro paredes, um colchão de molas que fazem o corpo ser arremessado para fora de suas acomodações. Sobre o simulacro de cama, aqueles lençóis que convidam os visitantes.

Os corpos sobre os lençóis modificam a matéria, criando ondulações que movem no mar de prazer entre amantes. Os sons fora do recinto são uma trilha sonora de fundo que não se busca prestar atenção. Calçados ao lado fazendo companhia a vestimentas emaranhadas, que imitam os movimentos ondulantes dos lençóis, só que menos criativas, já que ficam resignadas ao estado em que foram abandonadas. Enquanto nas águas dos tecidos, os corpos navegam, velejando com as poucas peças que ainda adornam a pele seminua.

Os cabelos longos são movimentados pelo vento artificial. As hélices rodopiam causando movimento de pelos, de tecidos, de visões que contemplam o ato circulatório. O fluxo sanguíneo segue o ritmo, aumentando a excitação cardíaca, diante de lábios trêmulos que se degustam, com línguas aveludadas, umedecendo a carne da cama, que é de lençol misturada com fronha, envolve ao mesmo tempo se descobre. Uma dança com trajes móveis, que tentam velar a nudez proibida.

O riso sai feito nota musical, assim como os gemidos em tons descompassados. A busca por pelos, encontra fios perdidos, agora encontrados, em meio a imensidão de uma cama amorosa, onde o sexo dilui em prazer, o amor é apaixonado a ponto de enlouquecer, os cinco sentidos são mais do que um simples pentagrama, mas é algo que abre em diversas dimensões, sento octógono, quem sabe eneacontágono, já que é polígono, ou seja, poli, diversificado ao infinito.

Um arrepio percorre a trama de tecidos, fazendo a pele da cama eriçar, enquanto o quarto vibra feito um tremor centrípeto que promove orgasmos, já que esse ápice do prazer é o terremoto da libido, jorrando um magma de secreções, que corre fertilizando os apaixonados. Deixando apenas na sacada, pernas debruçadas sobre o parapeito, em uma vaginação que se abre para o vento, numa possessão de espíritos alados, que adentram a genitália como se fossem inccubus aéreos.

Nas vestimentas o aroma dos lençóis amarrotados, que acolheram os corpos de pele estriada, enrugada, amada, sexuada, acariciada, explorada, sugada, tocada, alisada, beijada, vivenciada, aromatizada, arrepiada, degustada, desejada, aliciada, adornada, agitada, atada a outra pele em uma relação semelhante a de anelídeos, em uma troca de benefício mútuo. Envolvidos com lençóis que formam outra epiderme, que se desprende e volta a compactar, um casulo móvel que abriga e liberta os amantes no ato de amor. O cordão umbilical que une e o nó górdio que aguarda o momento alexandrino de vigor na separação. As tranças escaladas pelo herói rapunzelco, bem como a corda que serve aos enforcados que sufocam de amar.