Que se finde a vida quando acaba o amor II

O cenário era quase o mesmo do outro apartamento, não fosse os papéis jogados ao chão com algumas palavras rabiscadas. Passara seus dias sentados na cadeira, sob café e nicotina, consumiu as últimas folhas de seu bloco dedicado a poesias. As palavras iam e vinham, e tudo que ele conseguia escrever se resumia a "amor, que coisa tola que tantos adoecem e enfraquecem."

Não saíra para ver o sol ou nenhum de seus amigos. Sua vida se resumia àquela dona do apartamento do outro lado da cidade e desde que ele se fora, tudo perdera o interesse. "Eu devo voltar. Não, preciso deixá-la feliz, preciso ser forte." Nenhum dos dois sabiam ser fortes separados.

"Está me sufocando toda essa sua necessidade de mim [..]. Engula tuas poesias ultrarromânticas e acabe de vez com esse pessimismo, a vida não acaba quando eu não estou contigo."

Ela estava errada, tinha de estar. Sim, a vida dele acabou desde que ele pegara suas coisas e deixara aquele apartamento. "Vida?" Viver não era aquilo. Manter-se vivo não era viver, isto era sobrevivência, sobrevida. Viver era sorrir por vê-la dormir serena. Viver era sentir o toque das mãos macias sobre o corpo dele. Viver era estar junto à ela.

20 andares. Estava no topo do edifício e seria uma queda rápida. Ele era poeta, não físico ou matemático, mas sabia que cairia com impressionante velocidade, e ainda sendo poeta e não médico, sabia que findaria sua vida. Não, ele não poderia entregar uma morte nas mãos delas só porque ela não o amava.

Ele não contestara nenhuma das palavras agressivas dela. Na verdade, em nada a atitude dela o surpreendeu. Sempre a considerou livre demais para que acabasse aprisionada à um poeta. Sabia que qualquer dia ela se cansaria dele, como tudo o mais em sua vida. Cansou-se da mobília, ele trocou; cansou-se do bairro em que morava, eles mudaram; cansou-se da padaria da esquina, passaram para àquela duas ruas abaixo; cansou-se dele. Ele a amava, como a fonte de toda a dor e amor que inspiravam seus poemas.

"Eu vou até ela. Vou dizer que não, eu não consigo. Sou fraco, eu amo, sim! E como todos que amam, eu sou tolo. Eu faço poesias porque não sei amar de outra forma, gosta da melancolia porque me trás conforto que é só o sorriso dela que me faz feliz, nada mais. Não, eu não posso. Fazer-me de infeliz é uma coisa, torná-la infeliz comigo é outra. Sem o sorriso que desperta a primavera, nem mesmo eu conseguiria ser feliz."

A dor o atingia de tempos em tempos. Se lembrava da face dura com que sua amante locutora lhe dizia todas aquelas palavras. Era impossível não se lembrar o quão bela ela ficava, mesmo irada. Toda aquela postura de dona-da-própria-vida, aquela certeza no olhar que só ela tinha. Nenhuma outra mulher sabia ser tão autêntica ou decidida como ela. Só por isso, só por aquelas palavras sinceras, que ele não insistira. Que ele não lutara. Ele gostava de tristeza, mas sabia que ela amava ser feliz. Não seria ele que a tornaria assim..Era melhor ele deixá-la.

20 andares. Tudo que tinha que fazer era se jogar. A vida se acabaria em poucos segundos. Chega de dor, chega de tristeza. Ele a amava ainda... "Uma semana. Se dentro de uma semana essa agonia não passar ou ela me aceita ou eu morro. Das duas opções, ambas são mortes. Morrerei de amor: com ela ou por ela."

Paula L O
Enviado por Paula L O em 03/01/2012
Código do texto: T3420446
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