Dias [Per]Feitos (Romance Fragmentado: Parte 2 - Capítulo 8)

Capítulo VIII

Karina estava em sua casa, conturbada com os últimos acontecimentos, procurava não demonstrar ao marido, mas cada atitude sua parecia denunciar seu segredo de traição. Na escola caminhava sempre com prudência, temendo a qualquer momento surgir tal revelação de seu crime, onde seria expulsa dos domínios públicos, por ter sido banida pela ação despudorada. Os encontros com Ruan eram frequentes, beijos escondidos em términos de aulas, era um namorico que invejaria qualquer casal de adolescentes, trocaram telefones, evitavam os tais serviços de mensagens curtas (sms), pela grande probabilidade de flagrante. Conversavam via internet em programa de bate-papo privado, tinham uma relação fértil, compartilhavam segredos. Ruan, apesar da pouca idade, conseguira um vínculo empregatício, sem as formalidades legais, justamente pelas implicações da lei em não favorecer a exploração infantil. Ajudava seu tio em um comércio varejista, uma relojoaria que expandira seus negócios, comerciando outros utensílios. Já que o barateamento de produtos contrabandeados, além das tecnologias descartáveis, favoreceram a extinção da prática em reparos de relógios. O sobrinho era fascinado por aqueles mecanismos fantásticos, seu tio Eduardo parecia desafiar o tempo, ele quem determinava à hora do ponteiro parar, poderia inclusive atrasar ou adiantar. Na sua concepção idealista, nada perdia para um Chronos de outrora, ainda modificando a persona, maculara qualquer prerrogativa temporal, feito um Zeus rebelde, se colocava como obstáculo à livre temporalização. O jovem recebia um pequeno ordenado do tio, sendo de poucos gastos, costumava guardar as quantias, uma forma de poupar para futuras empreitadas mais dispendiosas. O pai de Ruan se orgulhava do esforço de seu filho, se desdobrando em estudos, trabalho, ainda sendo tão cordial no cotidiano. O fato é que talvez por algum profetismo, tal pecúnia poupada serviu para somar a valores de Karina, fazendo com que alugassem uma modesta quitinete, que se tornou o espaço paradisíaco do casal de apaixonados.

Era uma sexta-feira daquelas em que as pessoas acordam satisfeitas, imaginando que o final de semana promete, Ruan combinou de encontrar-se com Karina após o expediente escolar. A balzaquiana tinha sua vida agitada de magistério como desculpa certa para atrasos nos afazeres domésticos, embora não colocasse nunca em jogo a atenção para com sua filhinha. Era mãe dedicada demais para deixar que, mesmo o amor de sua vida, fizesse ser negligente aos cuidados com sua pequena. O fato é que tal sexta-feira foi atípica, tudo havia sido programado para Karina retornar somente no final da tarde, ocorreria uma reunião entre docentes, que foi desmarcada, fazendo com que surgisse a possibilidade do primeiro encontro na quitinete entre os enamorados. Foram separados até o local, Ruan antecipou-se, chegou meia hora antes do combinado, Karina também viera de ônibus, escolheu uma linha com trajeto mais longo, tudo para não ocorrer uma chegada coincidente, sua ansiedade que era angustiante. O rapaz ao ver sua amada adentrando o recinto conseguido por esforço mútuo, em bairro afastado dos que ambos tinham por hábito frequentar, tudo arquitetado com as minúcias da elaboração de um crime perfeito. Karina trajava um longo vestido de cor azul, só deixando revelar os pés, calçados com sapatos de solado baixo, típico a quem tem rotina de caminhada, se beijaram ainda com mais intensidade. Um arrepio invadiu o inexperiente adolescente, que vislumbrou um olhar de malícia naquela face de uma palidez sedutora, estremeceu ao ver aquela bela mulher retirar de uma só vez o vestido, caindo ao chão em uma sutil abertura de zíper e um leve desvencilhar de alças. O corpo era belíssimo, a luz que adentrava aquele pequeno cômodo, desprovido de mobília, apenas um colchão que foi comprado à prestações, já com intuito de carícias mais íntimas, pelo incômodo de contar apenas com o chão bruto. O rapaz paralisou o ato, fez a revelação de nunca ter praticado tal ato, era “virgem”, o que fez Karina sorrir, o beijar, dizendo que ficasse tranquilo, conduzindo por verdadeira maestria professoral os prazeres da carne, concedendo ao neófito o sabor de seduções inconfessáveis. Ruan ficou admirado pelas peças íntimas, uma lingerie delicada, ao mesmo tempo provocante, que também fora deixada ao chão, por movimentos de quem está habituado a tal serviço, ficou mais resistente em despir-se, mas a baixa luminosidade favoreceu uma maior desenvoltura.

Aquela tarde estava reservada a duas figuras enamoradas, foram momentos que deixariam um Shakespeare inspirado, onde o rapaz aprendeu a utilizar ainda inexperientemente seu órgão viril, contemplando o espetáculo de perscrutar um corpo feminino, não qualquer forma corpórea, mas da mulher que desejava. Sensações nunca imaginadas invadiram seu espírito, um prazer inenarrável foi eclodindo, Karina também se sentiu amada, a inexperiência não diminuiu o encanto do espetáculo, imaginara que apenas meninas se guardavam, mas tinha para si um homem intocado. Apesar da empolgação, resistiram à gemidos mais agudos, nada que pudesse causar algum assunto na vizinhança, a prudência era mantida mesmo em meio ao êxtase libidinoso. Ruan pudera perceber o quanto macia é a pele feminina, nas suas explorações mais íntimas, gostos novos passaram a fazer parte de seu paladar, não foi invadido por nenhuma sensação de desconforto, foi algo muito espontâneo, regado a um sentimentalismo mútuo. A partir daquele dia as coisas ganharam contornos que eram óbvios nesse tipo de romance, o rapaz passara a apreciar o sexo, tornou-se mais perito na arte, os encontros aumentaram a frequência, práticas novas eram sempre acrescentadas, tudo para tornar cada instante especial. Apesar da experiência de Karina, parecia desfrutar de atos novos, pois além da pessoa recente, encontrara um amante sem reservas, poderia explorar suas fantasias mais íntimas, era a união perfeita. Fez questão de mostrar ao jovem a responsabilidade sexual, onde praticaram com preservativos, ora em um ora em outro, além de controle rígido em anticoncepcionais, embora fosse mulher precavida, já havia se prevenido durante seu casamento. Algumas vezes arriscavam, eram ousados, feito o dia que em que saíram para um piquenique, era um campo afastado da cidade, local pouco frequentado, acabaram até se beijando em alguns momentos, apesar de um público que poderia surgir a qualquer momento. Em outra ocasião, utilizaram uma sala vazia na escola, para praticarem o sexo sem medidas, ato realizado com adrenalina de quem não pode mais esperar. A mesa de professor, tantas vezes rejeitada pela lembrança que o educador causa em certas ocasiões, serviu de altar para consagrar mais um ato de amor dos imprudentes apaixonados.

Andréia estava sentada num banco de praça, no local combinado com o suposto Henry, um Celta de cor branca aproximou-se, buzinou, mas a garota manteve-se sentada, seu objetivo era tentar expor o possível facínora. O carro contornou a praça, parou em frente à garota, a porta do carona se abriu, um homem de aparência rude disse ser o Henry, pediu que a menina viesse. Ao entrar no carro o pedófilo disse que na internet ela parecia mais jovem, quando Andréia levantou o casaco, sacando uma pistola. O modelo até fazia recordar uma arma de brinquedo, o pai havia adquirido com um amigo policial, aqueles conchavos de relações sociais típicas da sociedade brasileira, onde sabendo a quem se dirigir é possível conseguir de um tudo. Leu na embalagem que era um modelo PT 138 PRO, o calibre .380, isso já impressionara a garota, que sabia da existência do artefato por ter escutado uma conversa a respeito, algo ao acaso, os pais discutiam sobre manter ou não o produto, por sua mãe considerar ser um risco muito maior à segurança. Seu pai fazia a manutenção da arma toda segunda-feira de manhã, no horário que as filhas estavam na aula, Andréia um dia faltou aula, retornou para casa, conseguiu não ser percebida, acabou descobrindo o local onde era guardada a arma, em cima do guarda-roupa que ficava no quarto do casal. Pela forma banal que o pai limpava a pistola, era óbvio que fazia aquilo rotineiramente, o que fez a garota se esconder uma vez para averiguar se repetia o dia de manutenção, e as pessoas muitas vezes com suas previsibilidades, acabam sendo alvo fácil de uma percepção mais arguta. Henry esboçou um sorriso, disse que era um artefato de brinquedo, mas a garota, sem vacilar, comentou que desejando tirar a prova, seria um prazer descarregar o cartucho na “pança” dele.

Rapidamente Ruan encostou no carro, veículo de quatro portas, Henry com o susto não trancou as travas, o rapaz se fez de passageiro no banco traseiro, apresentou uma arma parecida, a dele era realmente de brinquedo, adquiriu como presente de um amigo de sua família, embora os parentes tenham repreendido o presente pelo incentivo à violência. Ruan mesmo não era dado à armas, considerava uma ignorância a fabricação de produtos para destruição de si próprio, ainda assim guardara o objeto para uma possível exposição teatral ou algo do tipo, agora sabendo que o fim seria o teatro de um drama real. Karina estava preocupada, Ruan, lhe contara por alto o ocorrido, mas não revelara o risco em sua total extensão, não desejava preocupar sua amada, sua missão parecia sagrada, merecia arriscar a vida em nome de uma causa que considerava nobre, erradicar da sociedade uma nocividade, assim imaginava. O rapaz também apontou a sua arma na direção do motorista, fez com que visse a pistola apontada para a cintura da vítima. Retirando também um punhal do bolso, outro presente do mesmo amigo, esse bem afiado, ganhara sem corte, quando soube da aventura, foi a uma loja de amolar e deixou a lâmina tinindo, justificando necessitar algo bem cortante por seu pai ser sacrificador de porcos. Depois pensou na tolice que havia dito, não amolariam uma faca para um adolescente, ainda mais com justificativa tão inverossímil, se o pai sangrava porcos, qualquer um sabia que esses peritos em tirar vidas não humanas, sabem a arte de amolar um punhal, já presenciara tal cena, o que causou horror a tal prática. Mas a lógica do comércio na grande maioria dos casos costuma ser, faturar a qualquer custo, as perguntas só começam a importar quando alguma fiscalização está em moda, parece que naquele momento, amolar facas para garotos menores de idade era algo que não valia muita importância. Encostou a arma branca na nuca de Henry, descreveu um itinerário ao homem que estava lívido de medo. Chegaram em um local descampado, pediram que estacionasse próximo a um viaduto abandonado, Henry disse ser um bom pai de família, que poderiam ficar com o carro. Andréia não aguentou reter as palavras, disse que conhecia sua prática de aliciar jovens, que era um “maldito pedófilo”, comentou sobre o caso de sua irmã. O homem transtornado, entregou toda sua tática, feito preso novato e receoso, que fala no primeiro aumento de voz. Contou que trocou de carro, assim como de nick, era o receio pelo incidente, que era uma pessoa doente, não conseguia controlar-se, sua família desconhecia suas práticas, chorou repugnantemente.

Andréia saiu do carro, mandou Henry abrir a porta e sair também, Ruan veio junto, só retirou o punhal da nuca para desviar a mão de um pedaço do veículo que era preciso transpor, mas com movimento rápido retornou a lâmina ao destino inicial. O homem não tinha grande estatura, parecia sedentário, Ruan era um rapaz alto em comparação aos garotos de sua idade, causando impressão na vítima. Andréia abriu o porta-malas, muito pequeno por sinal, mas com gritos os garotos fizeram o homem entrar. A jovem adquiriu algemas e uma mordaça, material comprado em uma loja de produtos eróticos que atendiam o público sadomasoquista, enquanto apontava sua arma, Ruan algemou os braços, depois as pernas, por fim amordaçando a boca do prisioneiro. O homem gorducho chorava, até fechava os olhos para evitar encarar a face dos seus algozes, era uma figura ridícula toda contorcida para conseguir caber no porta-malas. Andréia em um arrebatamento nervoso, encostou o cano da arma no meio das pernas de Henry, fez questão de apertar até amassar-lhe os testículos, dizendo que castraria aquele “desgraçado”. Ruan conteve a amiga, dizendo que deveriam entregá-lo à polícia, reuniram provas que incriminariam o sujeito, além disso, haviam ultrapassado os limites da lei, uma mutilação poderia levar inclusive a um óbito. Fecharam o carro, ficaram pensativos, encostados no capô, contemplavam a paisagem de aparência abandonada.