O amor de Rita

Rita não tinha perdão. Mulher de alguns amores e muitos caprichos, não se deixava levar por qualquer lábia. Pouco ouvia o que os homens falavam. Mas era daquelas de prosa fácil, sempre com um sorriso cerrado na boca, disposta a tudo por uma conquista. Deixava-se responder naturalmente às investidas masculinas, ainda que não correspondesse, tudo pelo prazer da ilusão. Gostava de imaginar seus ávidos pretendentes como pequenos animaizinhos para quem se dá de beber e de comer, alguns até mesmo com coleiras. Até que um dia conheceu Adão.

Adão se apaixonou por ela com poucas conversas. Era o típico rapaz vulnerável a palavras femininas, e tinha particular preferência, ainda que desconhecida, pela dor. Talvez por isso se declarava tanto à Rita, que ouvia atenta, com uma falsa expressão de fada, mas com intenções de mágico. Buscava tão-somente um divertimento, mas não pretendia dizê-lo ao homem. Ele lhe fora aos poucos conhecendo a falsidade, mas na ânsia de um amor sofrido, costumava pensar que era questão de tempo até ela se entregar de todo.

Com o tempo, Rita lhe foi chegando mais perto. Sempre interessada e muito falante, envolvia o tenro Adão com a sutileza da mulher que acarinha. Falava-lhe sobre o emprego na editora e até cansava-o com tanto falatório, mas o fazia para se libertar um pouco, e também porque sabia que assim o enfraquecia, sugava-lhe energias positivas para pôr em prática seu vil caráter. Rita era daquelas que vestia a roupa conforme a necessidade, e não admitiria sofrimento na empreitada. Por isso, revestira o armário com peças de plenitude acolchoadas com muita, muita covardia. Nos pés, sapatos de descaso, daqueles que giram sob os calcanhares quando nada mais lhes interessa. Só o queria para algumas noites, em que estivesse em casa, solitária. Sabia que quando ligava, de pronto ele a atendia e ia depressa a seu encontro, pois que já lhe fora posta a coleira.

Sempre, ao fim dos encontros, ela fechava a porta atrás de si e se sentia bem a ponto de encarar algumas noites em claro se fosse preciso, enquanto ele ia para casa com um desconforto aparentemente sem razão, às lágrimas. Porém, já no outro dia, dispunha-se a ela, pronto para largar do mundo e ir a seu encontro forjar um pouco de felicidade. Rita não se importava, pois que, infelizmente, não podia dizer-lhe que logo se retiraria de cena, pronta para conhecer outro vagabundo e levar-lhe à miséria também. Era isso o que melhor fazia. Então, sem culpa, deixava-o sofrer.

Mas quando menos esperava, viu-se apaixonada também. Não que lhe fosse difícil lidar com o sentimento, mas evitava-o ao máximo. Seus planos não tencionavam fazer com que se envolvesse. Num dia comum acordou, pensou nele pela primeira vez com carinho, e desistiu. Já era tempo de se ausentar, de sair à francesa como gostava, de espreitar escondida a dor de mais um homem. Adão, nesse dia, telefonou-lhe uma centena de vezes, todas sem resposta. Deitado em sua cama, sem comer o dia inteiro, Adão era puro desespero e aflição. Rita, deitada em sua cama, com uma barra de chocolate em mãos, fingia se importar para se sentir mais humana, visto que até seus demônios começaram a lhe incomodar. Mas não havia jeito. Era má, por natureza.

Transcorridos alguns dias, ele parou de lhe telefonar, de lhe enviar correspondências eletrônicas. Cogitou de ir à casa de Rita vê-la dançar pelas frestas da cortina, como sabia que ela fazia quando chegava em casa. Ela não lhe respondera uma vez, não lhe retornara uma vez, não lhe sentira uma vez. Estava satisfeita pela desilusão, e cada ligação não atendida era um troféu a mais para expor aos interessados. Cantava a todos os ventos que havia um sujeito a seus pés, e se enchia de orgulho com tal feito.

Rita, sem dúvida, sabe o que é amor.

Girardello Filho
Enviado por Girardello Filho em 05/02/2011
Código do texto: T2773512