Sonho de Amor

SONHO DE AMOR

(“No sonho não existem segredos, não existem mentiras. Verdades pra que? Tem-se a vontade por guia”)

A vida inteira esperara por ele. E, inevitavelmente deparava-se com a dura realidade. Idade avançada, a beleza decaída e a saúde tendendo a degradar-se.

Começou então a ressentir-se contra a vida. Contra o tempo que passou tão depressa, e por tudo que deixara de fazer; pelas oportunidades perdidas: do diálogo, do entendimento, enfim, da reconciliação tão sonhada.

Ultimamente, dera para pensar. Perdera muito tempo na vida, estacionara, por longos anos, à beira do caminho que lhe competia percorrer – o caminho do coração. Vira passar a juventude (e como tinha sido bela!), preparando-se, a vida toda, para aquilo que nunca fizera “reconquistar o amor perdido”.

Despertada agora, de seu estado letárgico, via o estrago que o tempo lhe fizera. E, inventariava diante do espelho o seu legado.

Os contornos daquele rosto, antigamente tão expressivo e belo, agora disformes, pendentes em traços murchos e sem brilho. Mas, ainda se podia ver, vagamente, que ali houvera beleza. As peles soçobravam sob os olhos, os seios firmes e voluptuosos resistiam ainda, mas o ventre dava notícias de uma vida descuidada e sedentária.

O espelho refletia uma verdade que só agora via. Seu rosto, seu corpo, já não eram os mesmos. E, até a ilusão de antigamente, com relação à sorte, já não existia mais. A paisagem em torno de si não era mais a mesma. Tudo mudou, e já não havia mais tempo.

Queria retroceder, correr atrás do sonho, que agora observava pelo retrovisor da existência, mas não podia. Tarde demais!!!

Lamentava-se inutilmente. Por que não fez, no exato momento em que tomou consciência da necessidade de fazê-lo?

Certa vez, decidida a abrir o coração e explicar tudo, pedir perdão, declarar-se... Mas, estouvado e arrogante ele estragara tudo, com sua aparência fria e indiferente desencorajou-a completamente.

Em outra ocasião, fora a vez de ela dar o troco. Foi sempre assim, como se estivessem brincando de esconde-esconde. Quando um deles dava um passo em direção à tão querida reconciliação, o outro se esquivava, numa sucessão de tentativas frustradas.

“O coração tem sempre razões que a própria razão desconhece”, ela bem o sabia, conhecedora de seu homem amado. O orgulho! Ah, esse grande vilão das histórias de amor.Quando aconteceu a primeira briga, foram meses de agoniada espera. Amargurada, contava os dias e as horas, sobressaltando-se, a cada vez que o telefone tocava. Até que por fim, o orgulho gritou mais alto.

“Agora, morreu para mim!” - falou para si mesma, decidida.

Somente muito tempo depois, foi que o telefone tocou e, atendendo-o, ela deixou extravasar toda sua mágoa, curtida durante aqueles longos meses de espera.

“Morreste para mim, tenho outro!” - e assim dizendo, desligou o aparelho sem esperar explicações. Entretanto, jamais o esquecera.

Mas, de repente, aquilo que esperara a vida inteira, finalmente, estava ali acontecendo...

Caminhavam felizes pelo campo ensolarado, lado a lado, pisando no gramado verde e macio. Despojado do orgulho ele a envolvia pelos ombros, e ostentava publicamente o seu amor. Ela tão feliz, tão plena e verdadeira, nada tinha que esconder ou recear. Apenas saborear o prazer daquele momento, o contato daquelas mãos amorosas e protetoras que seguravam as suas. Sentir de novo aquele corpo tão querido, seu perfume, tudo muito terno e caloroso. Somando-se ao prazer que era pisar com os pés nus na grama macia, sem nomes, desembaraçados de preconceitos, medo, ou obrigações quaisquer.

Ouviam os risos das crianças que brincavam em derredor. E, tão igualmente se sentiam - crianças - desarmadas, e sem medo de amar.

Ele mesmo não se reconhecia naquele homem, livre, sereno e feliz, e nem se lembravam, se alguma vez na vida tinham sido tão felizes.

Talvez, por sentir-se assim tão verdadeira, ela lembrou-se de que aquele momento deveria ser selado, para que jamais pudessem esquecê-lo, ou duvidar. Abrir-se-ia, desnudando-se, falar-lhe-ia toda a verdade, naquela oportunidade única.

“Meu amor!” – disse-lhe -, ao mesmo tempo em que a alma se aliviava. “Se tudo isso terminar, e amanhã constatarmos que este momento não passou de sonho, se isso acontecer, quero que saibas, ‘Foste o único amor em toda minha vida’, e tudo o que fiz foi só esperar-te”.

As lágrimas cederam, pois, não podia conter a emoção de um segredo calado por toda uma existência. Ele sorria. Seu sorriso era terno e pueril, como criança, que em tudo crê e confia.

Como se o tempo houvesse retrocedido à época de suas adolescências, as mãos unidas entrelaçavam-se, e o toque era doce e mágico. Sim, aquele gosto perduraria para sempre em sua lembrança. A água da fonte que havia diante deles se espargia no ar e misturava-se com os pingos do pranto daquele amor antigo e teimoso, que finalmente se rendia. Na beleza desse quadro eram ainda dois jovens que se amavam: os risos das crianças se elevavam no ar e figuravam entre a água e os risos, os rostos do menino e da menina que foram um dia.

Assim acordou. Com as faces molhadas das águas do seu sonho. Um sonho de amor que acabava de se realizar.

Ana Maria Barreto

Maria Barreto
Enviado por Maria Barreto em 14/11/2010
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