Rainha Branca
Numa noite sufocante, a lua o banhava com seu beijo brilhante enquanto caminhava sozinho.
Olhava o céu e no fundo sabia que algo aconteceria para aplacar sua tristeza. Parou ainda absorto em seus pensamentos, quando notou que alguém se aproximava espantando a escuridão. Continuou encoberto pelas sombras esperando que a hora passasse e com ela toda a sua melancolia.
Eis que a pessoa que se aproximava apareceu e seus olhos não podiam se dispersar daquela visão. Com cabelos louros e longos, de vestido branco esvoaçante, sua face era tão alva que refletia a luz da lua. Caminhava lentamente e seus olhos eram tão tristes, sem esboço de um sorriso. Havia dor naqueles olhos e isso partiu seu coração.
Assim que a moça desapareceu, seguindo seu caminho, as lágrimas aqueceram seus próprios olhos, e seu peito parecia captar a angústia daquela visão, que passaria a chamar de sua Rainha Branca.
Nas noites que se seguiram, na mesma hora e no mesmo caminho ele a via. Estava enfeitiçado pela beleza triste de sua rainha. Numa dessas noites, decidiu descobrir onde se abrigava, onde ficava seu castelo. Seguiu-a por entre as sombras sem que ela o notasse.
Entrou tranqüila numa enorme casa de dois andares e minutos depois, no segundo andar uma luz se acendeu.
Passou a observá-la todas as noites, protegido pela escuridão, um sentimento muito forte o impelia a olhá-la, procurá-la. Era como se não conseguisse respirar se não a visse. Dormir era impossível se seus olhos não se deitassem sobre ela.
Ele a adorava, a amava, mas não tinha coragem de se confessar. Não tinha coragem sequer para que deixasse que ela soubesse de sua existência sobre a terra.
Certa noite, ela não passou. Ele achou estranho e, com o coração aos pulos, seguiu para a casa dela. A luz estava acesa, mas ele nada conseguia ver, não havia silhueta dançando em frente à janela. Voltou para seu próprio lar, desconsolado, com o peito queimando. Deitou-se na cama e era como se estivesse deitado em brasa. Rolava para um lado e para o outro e o ar com dificuldade chegava aos pulmões. Tinha que falar, que se declarar ou morreria sufocado em suas próprias palavras.
Levantou-se e decidiu que seria essa a noite. Decidiu que o fim de sua agonia tinha que chegar e talvez assim também aqueles olhos se alegrassem. Seguiu pela noite escura o caminho de sua amada. Entrou no quintal e subiu por uma escada que lá havia até a janela que estava aberta.
Lá estava ela, adormecida, linda e mesmo assim com uma expressão triste. Pensou por um momento em desistir daquela loucura, mas se não o fizesse morreria.
Entrou no quarto e se sentiu um pecador por profanar o santuário de uma deusa. Aproximou-se mais e a tocou. Suas mãos estavam frias e seu peito não se movia pela respiração. Ao lado, um vidro sem rótulo jogado. Não conseguia acreditar que seu sonho morrera. Sua deusa se privara da própria vida.
- Minha deusa, escute meu medo mais escuro. Falo tarde demais. Eu sempre a esperei. – Beijou-lhe a testa e voltou pelo mesmo caminho que viera.
A dor que o tomara foi tanta que pegou uma caneta, um pedaço de papel e escreveu um bilhete:
“Queridos amigos, adeus.
Sem lágrimas nos olhos
Tão triste termino
O que tão triste sequer começou.”
"1999"