O Sonho de Ellisa

A tarde parecia não querer ir embora. O sol descia preguiçoso, cumpria a determinação das horas. Preguiçoso também, batia o antigo relógio de madeira do salão.

Elisa, debruçada no parapeito da varanda, com os olhos e o pensamento longe, aparentava tão preguiçosa quanto o relógio e a tarde. Gostava de debruçar-se na varanda depois da lida da casa, mas aquele dia era diferente. Seus olhos, ora se estendiam planície afora acompanhando o gado que subia a encosta, ora deleitavam-se no céu. Um céu de intenso anil que ganhava cor e movimento com o revoar dos pássaros ao despedirem-se do dia, ocupando os ninhos nos galhos das gameleiras que ladeavam a entrada da fazenda. Lá longe, a estrada sumia à vista dos olhos de Elisa. Ela suspirava... já antecipando a saudade que sentiria daquele lugar encantado, testemunha de sua vida desde seu nascimento. Estava se despedindo de tudo ali.

Elisa não era criada da Fazenda. Era uma espécie de filha adotiva. A mãe, Maria Conceição dos Anjos, empregada de Dona Soledade, “Dona Dade”, como era conhecida, e do Senhor Adalberto Sant’Ana, grande criador de gado instalado na região por volta dos anos 60. Maria Conceição, carinhosamente alcunhada pela família por “Ceição”, havia acompanhado o casal de fazendeiros desde o casamento e a mudança do Paraná para a Fazenda Rio Jordão, no município de Uberaba, interior de Minas Gerais.

Ceição, nunca se casou. Quando moça, apaixonou-se por um peão que apareceu na fazenda, Lindoval, rapaz trambiqueiro, paraibano, cheio das manhas do mundo e nada queria com Ceição, a não ser dormir no seu quarto às escondidas de Dona Dade. Era do mundo e lá se foi para o mundo logo ao saber da barriga de Ceição.

O patrão, homem austero, sistemático, como dizia os peões, pensou besteira. Chegou marcar reunião com a peonada para tramar emboscada e acabar com Lindoval. Mas Ceição pediu pelo amor de Deus e de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, Santa da devoção da patroa, que nada fizessem com Lindoval não, que fosse ele quem fosse, era o pai do “fio” dela.

Nasceu a rejeitada! Nessa ocasião, os filhos do Senhor Adalberto, cinco homens seguidos, por insistência de Dona Dade, que repetia a cada gravidez: dessa vez, será uma menina, a minha Elisa. Cinco barrigadas sem nascer nenhuma menina. Ao nascer o quinto, Adalberto ordenou ao Dr. Vitório, médico da família, uma laqueadura. Dona Dade, só veio saber, depois que os filhos já estavam todos nas cartilhas.

Não existia melhor ocasião para nascer a rejeitada. Dona Dade, fez as honras da casa para Ceição que durante o resguardo trocou de papel com a patroa. Dona Dade, fez questão de fazer os ensopados de galinha gorda, escolhida a dedo no terreiro para a ocasião, assim como havia sido os cuidados recebidos de Ceição, quando dos cinco partos que tivera. Em troca de tão calorosa manifestação de amizade, Ceição disse dar a filha para Dona Dade batizar e que lhe desse o nome que tanto queria dar a filha que não teve: Elisa.

Depois do resguardo, Ceição retornou ao seu posto de criada, mas Elisa cresceu com certas regalias na casa grande. Algum desconhecido ao visitar a fazenda, não fazia nenhuma distinção entre a garotinha, sempre mimada no colo de dona Dade e os outros meninos que ali estavam a brincar. Achavam todos serem irmãos.

Aos sete anos de Elisa, morreu Ceição, vítima de uma epidemia de febre desconhecida que assolou a região. Desde então, ficou de vez a pequena Eliza sob os cuidados dos padrinhos. Cresceu na fazenda, viu os filhos de Dona Dade crescer e ir embora um a um assim que a idade chegava para ir estudar na cidade grande em escola boa para lhes ensinar profissão. Senhor Adalberto, dizia: “Filho meu, tem ser doutor! Estudar o que o pai não pode estudar”. Forram-se todos! Na casa grande, lentamente, só os padrinhos e Elisa.

Obs. Esse conto tem continuação e conclusão na próxima postagem.