Por poucas Palavras...
Um sol escaldante de uma manhã quente e quieta, e um toldo sobre as suas cabeças os protegia do calor insuportável.
Numa múltipla luta, as árvores e a vegetação baixa brigavam pelo espaço no chão.
Escutavam o som
da floresta e tudo ecoava como num grande salão. O eco parecia povoar os lugares mais remotos do silêncio. A brisa cessava, e uma atmosfera densa vinha como um fraco perfume trazido pelo ar.
Entre uma fenda verde e outra, o sol no alto deixava os pássaros livremente a voar.
O silêncio pesava sobre as pessoas, e seriam incapazes de formular qualquer tipo de pensamento.
Ouvia só as grandes folhas caírem ao chão abafado, o talantar das asas das borboletas, e poucas palavras sem sentido, ecoarem do céu incrivelmente azulado.
A surpresa veio quando o mesmo céu abriu um clarão, e as árvores totalmente musgo
acabaram e o espaço livre ficou livremente aberto com gramados plantados nas margens de um rio qualquer.
A mudança repentina daquele cenário espetacular os surpreendeu, e eles resolveram ficar ali entre as margens do rio e o gramado.
Estavam suados e cansados, tinham pouco tempo para se conhecer, talvez todo o tempo do mundo não lhes adiantasse mais, pois ainda assim, não teriam tempo necessário para tal conversa.
Neste dia as palavras não ficariam esmagadas nas frases sem dizer.
Absorvidos pela água rolando rio abaixo, ela o olhava sem que ele a notasse. Ela tirou o chapéu, e o seu rosto estava rosado como rosas no canteiro.
Tinha um corpo de ângulos perfeitos e uma aparência reservada levemente sensual.
Ele percebeu que ela estava usando um vestido de seda voal estampada com estampas florais pequenas e suaves.
Sentindo-se observada, ela, ergueu os olhos e instintivamente os dois se pronunciaram ao mesmo tempo e quando perceberam começaram a rir.
- Fale você primeiro, disse ele sorrindo.
- Bem, eu ia lhe perguntar sobre o que você faz.
- Eu sou escritor. Escrevo romance, disse ele sem rodeios.
- Romances – repetiu ela.
- Sim, romances – ele falou com olhar surpreso.
- E, agora me diga o que você faz e como você é, disse ele, curioso.
Ela foi se encolhendo e disse:
- Bem, eu sou uma moça boa, mas, às vezes, um pouquinho ruim.
Ele começou a rir dela e disse: - Como assim?
Eu sou simples, mas gosto de coisas boas. Gosto da elegância, da gentileza, da cortesia, da sofisticação sofisticada, entende?
- Não, sinceramente eu não entendo como uma pessoa simples gosta desta sofisticação.
- Gosto da educação, gosto de respeito, é isso.
E, continuou:
- Só que eu tenho uma mania!
- Ah, mania todos nós temos, ele disse desconfiado, e qual é a sua mania?
- Eu tenho mania de guardar tudo o que eu mais gosto, bem guardado. Tão guardado que quando eu quero achar eu não consigo e quando menos espero acabo encontrando assim, de repente. Só não me escondo porque não vou caber nos envelopes, nos livros, nas gavetas, nas caixas, nos baús.
Essa desordem me perturba, às vezes, mas também me impulsiona. Muita ordem impede a gente de procurar e até de pensar. Não confio muito na influencia de ordem que nos é ensinada. Sei que amanhã eu serei melhor, então não tenho pressa de me entender.
Ele concordou com ela e disse que também tem as suas manias e começou a listá-la:
- Eu tenho mania de guardar os rascunhos dos meus textos. A minha escrivaninha é cheio de papéis por todos os lados. Nunca sei o que eu já escrevi e costumo guardá-los para reler e relembrar. O que eu coloco nos rascunhos nem sempre serão os originais, e por isso eu gosto de guardá-los. Por vezes, eu mudo tanto o texto que acaba ficando outro texto bem diferente daquele que veio na minha imaginação, e em outras, eu os deixo tão igual que não sou capaz de tirar nem uma vírgula se quer.
Depende de como eu estou em cada momento, tem casos que eu sinto uma necessidade interna de mudar, então mudo facilmente, outras vezes, gosto tanto da forma com que me veio aquele texto que acabo me rendendo a ele e o deixo como está.
Começaram a se olhar repentinamente e descobriram afinidades singulares e inesperadas. Então nada daquilo tinha mais valor, e só os olhos poderiam falar novamente por eles, e se beijaram longamente.
Ela levantou-se dali rapidamente e disse:
- Precisamos voltar.
- Não, sente-se, vamos conversar mais um pouco! E, segurou a sua mão, fazendo-a mudar de idéia.
- Pense um pouco – disse ele. Eu acredito que nós estamos numa mesma freqüência.
- Como assim, freqüência?
- É eu acredito que a humanidade tem sintonias em diferentes freqüências.
São grupos de pessoas que gostam e fazem as mesmas coisas, frequentam o mesmo lugar, pensam e agem da mesma forma, enfim, se combinam tanto que chegam ao ponto de serem parecidos, por isso justifica a amizade por afinidades e casamentos duradouros. Você acha isso também?
- Sim, vendo por esses aspéctos, acredito que sempre foi assim, mas há quem diga que os opostos também se atraem.
- Pode até haver atração, mas, creio que a freqüência seja outra, uma relação conturbada, de amor e ódio. Amor por saber que não são parecidos, e ódio por serem iguais.
- Pode ser sabe que eu nunca tinha pensado desta maneira!
Disse ela ainda tentando criar novos conceitos.
Perceberam que a conversa estava muito boa mais tinham de voltar, pois já não havia mais ninguém perto deles.
E, ela disse preocupada: - e, agora você conhece o trajeto que fizemos para chegarmos aqui?
- Não, o mesmo eu não conheço, mas inventaremos outros, e quando anoitecer, já dentro de nossas casas, aparecerá todas as estrelas para contar o que aconteceu!
E, saíram sorrindo...