ROSÁLIA, ADAUTO E DIRCE

Adauto madrugou naquela manhã de terça-feira de março de 1999 e tão logo pôde sentar-se à cama, chamou por sua empregada. Dirce, de pronto, entrou trazendo-lhe a bandeja de café-da-manhã e providenciou a cadeira de rodas para que ele pudesse se ir à varanda.

Todas as manhãs, Adauto dirigia -se ao terraço, para de longe, olhar a figura esbelta, a elegância radiosa e os passos indecisos e voluptuosos de sua mulher Rosália.

Adauto amara Rosalia desde a meninice entre uma e outra brincadeira pelas ruas do cafezal.Lembrava-se da primeira ocasião em que seus primitivos desejos viris se manifestaram em resposta ao toque sensual dos corpos adolescentes, latejantes de vida e erotismo.

Pertencentes à mesma classe social, a ideia do casamento foi aclamada com visível satisfação pelas famílias dos nubentes.

Na noite de núpcias, Adauto receava constranger excessivamente a jovem esposa com as práticas sexuais: achava- a deveras recatada como as demais moças de sua época. Constatou com surpresa o contrário pois, desde o princípio Rosália entregou-se com ardor aos prazeres carnais.Por todos os cantos da casa as recordações do casal se amiudavam em fotografias, que comprovavam o amor recíproco havido entre os cônjuges; alegria esta incontestável, mas pretérita.

Quando o sinistro ocorreu, furtando para sempre os movimentos de Adauto,tornando-o paraplégico, este pensou em por termo à vida. A visão idolatrada e inesquecível da mulher amada, entretanto o convenceu a continuar vivendo.

Sempre que Adauto observava os olhos de Rosália, via estampado neles a ternura, o carinho, a resignação, mas não mais os lampejos da paixão.Sabia que, mais dia menos dia, a atenção brejeira de sua esposa seria dispensada a outro homem.

A hipótese logo se concretizou e Adauto, desprovido de qualquer sentimento egoístico, assentiu embora seu íntimo se corroesse ante a existência dos novos amores de sua consorte.

Dirce, ao lado de seu patrão,captava,discretamente cada sentimento dele, mesmo não olhando diretamente para seu rosto. Amara-o desde os áureos tempos de fazendeiro bem sucedido e seu amor sobrevivera incólume ao acidente.

Dirce, todavia,sempre cuidou de ocultar o seu amor e jamais atreveu-se a um olhar mais demorado, imprudente, que fosse idôneo a denunciá-la.

Certa feita, o casal recebeu uma importante e elegante visita: Paulo publicitário garboso, de fala mansa e persuasiva.Todos perceberam a atração imediata, fulminante que surgiu entre Rosália em sua provocante maturidade e Paulo em sua juventude arrebatadora.

Pouco tempo depois,os amantes inebriados pela febre que esquenta o corpo e faz delirar a alma entregavam-se a uma paixão avassaladora, flamejante, ainda que proibida.Desejosos apenas em aplacar o turbilhão dos sentidos ,passaram a desdenhar todas as convenções sociais, tornando, pois a situação insustentável.

Adauto, em sua sala de estar, olhava ao léu, procurando adivinhar os caminhos trilhados pela sua esposa e seu belo e jovem amante.

Dirce, vendo seu adorado homem ser consumido pela tristeza,acabou por libertar seu amor, tanto tempo encerrado no catre dourado da castidade.

Olhando para Adauto, enfim, declarou-se:

_ Adauto, você é ainda é homem para provocar muitas paixões. Olhe para mim, Adauto! Eu sempre o amei!

Adauto, tomado de surpresa, triste apenas balbuciou:

_ Um homem como eu, Dirce, só consegue inspirar pena e caridade. Você bem sabe que não posso mais amar uma mulher de forma concreta.

_ Adauto, se você me der uma chance, nós poderemos juntos, reverter essa situação.Lembre-se que meu amor é tão grande que basta para nós dois!

Lágrirmas brotaram na face cansada de Adauto, que decidiu encerrar legalmente o casamento, providência esta que o desterro conjugal há anos, já havia cuidado de fazer.

Rosália ao retornar de suas andanças, encontrou o marido e o advogado que a esperavam ansiosos. Sem nada dizer, a mulher concordou com todos os termos da separação,pois sabia que sua atitude faltosa fora a responsável pela dissolução do matrimônio. Um olhar incrédulo de adeus surgiu dos olhos azuis de Rosália, que, fútil e vaidosa, acreditava, sinceramente na possibilidade de uma reconciliação.

Muito tempo se passou, e um novo casal começou a frequentar com assiduidade as reuniões da cidade: o ex- patrão e sua antiga empregada.

Seguidos pelos olhares preconceituosos da terra, o par vivenciava momentos de intenso,concreto e inexprimível amor; o amor verdadeiramente consentido fruto do encanto e da paixão!