Tio Miradão

Indiada vééia do Recanto das Letra.

O personagem Steve Johnson de Almeida é uma ilha. Uma porção de memória de elefante rodeada de Tios Miradões por todos os lados!

No início dos anos 60 nossa casa numa cidadezinha do sul do Brasil era o "posto avançado da civilizaçã" onde o povo dito "de fora" ou "da coxilha" vinha de trem, ou de carona com o leiteiro e se albergava "prá fazê o que percisava sê feito na cidade". Nos primeiros dias das férias escolares eu pegava o trem e ia "veranear" na parentaia até março! Passava os dias tomando banho de açude, pescando, comendo fruta, conversando com as figueras e a noite eram os causos contados a luz do lampião: histórias fantásticas que eu ia sorvendo cada palavra e me lançando de mala e cuia num universo mágico. Sempre agradecendo a ventura de ter nascido no meio de gente tão maravilhosa! A velha tradição oral servindo de elo entre gerações, transmitindo conhecimento, filosofia de vida e na maioria das vezes o "moral da história" era simplesmente fazer todo mundo se mijar de tanto rir. Porque rir e fazer rir sempre foi e sempre será uma arte muito levada a sério em culturas saudáveis.

Estas visitas sempre eram muito aguardadas. Inesquecíveis eram as chegadas do Tio Adão Maia, que de longe já vinha se anunciando, berrando o seu característico Yarrurrúúúú já a duas quadras da nossa casa. A vizinhança corria prá janela e a gurizada se "ajuntava" na volta dele, formando um cortejo como o da chegada de um circo!

Sempre com uma mala de garupa no ombro, trazendo as "cosas" da terra que plantava e uma sagrada garrafa de vinho. (Noé ou Garibaldi, marcas da época) Porque o almoço tinha de ter vinho pros marmanjos e sanguirí prá piazada! (O vinho também preparava o clima prás histórias hilárias do pós almoço)

Certa feita, eu, um guri duns 10 anos, e o Tio Augusto, fomos passar uma semanada na casa do Tio Adão, nas bandas onde hoje fica o "Paulo Petrolino" do Triunfo. A certa altura das fulias, o Tio Augusto achou uma "cãmara" de caminhão e resolveu fazer umas fundas. Tio Adão percebendo a função se chegou meio de lado e foi dando a barbada: - "Olha Augustinho! Caçá perdiz é a cosa mais fácil deste mundo! É só acompanhá o vôo da bicha. Dispois que ela alevanta a premera vez, ela pósa e alevanta de novo só mais duas veiz, no tercero poso ela não avoa, ela saí caminhando e dá prá agarrá o bicho na unha!"

Ele falou isto com a maior seriedade explicando timtim por timtim os detalhe do processo. E lá fomos nós...

Bem, com certeza, aquele foi o dia que mais corri na minha vida. Era um tal de correr prá cima e prá baixo atrás de perdiz...E era muita perdiz levantando! E a gente perdido na contagem, nunca sabendo ao certo se a perdiz perseguida tava no segundo, no tercero vôo ou era uma perdiz de primeira viagem... E cada lance de vôo era uns 200 metros!

Bueno, resumindo: "varãmo" a tarde correndo de um lado pro outro nas longas coxilhas que se extendiam na frente da morada do Tio Adão. Na tardinha quando voltamos prá casa, com a língua arrastando no chão e sem perdiz nenhuma, já sabíamos que tinhamos caído numa das "empulhaçã" do véio.

A Tia Abrilina quando viu o nosso cansaço, perguntou:

- "Pelo amor de Deus! o que vocês andaram fazendo prá ficar neste estado!?"

Nossa Resposta: - "Caçando perdiz seguindo os palpites do Tio Adão."

E ela:- "Agora eu tô entendendo porque este véio safado ficô a tarde intera na janela acompanhando a correria de vocês e se finando de tanto rir..."

Outra criatura deste naipe era o Tio Mirabel.

Certa feita ele foi visitar o Tio Adão, eles moravam algumas "estaçãs de distânça". Viajando no trem Caxias-Porto Alegre, que no inverno sempre passava na região ao entardecer. Pois ao embarcar no trem ele encontrou um contraparente e se "atracô" de charla. (Fazia muito tempo que não encontrava o vevente!). Acabou se "intertendo na animaçã" da conversa e quando se deu por conta o trem já tava arrancando da estação que "percisava apear". Se despediu as pressa do cumpadre e saiu correndo prá descer ainda antes que o trem "garrasse" velocidade maior. Chegou na porta, desceu a escadinha e ficou em riba do estribo (o úrtimo degrau de quem desce)...Já era noite...e o trem acelerando... antes do salto ele atinou: "vou descê de frente pro rumo do andar do trem, e corrê desacelerando a marcha aos pôco prá não caí...)

Se concentrô, firmô o chapéu com uma das mãos e deu o salto.

(O legítimo "Salto no Inconcebível" no dizer do Castañeda...)

Bueno, adiantando um pouco a fita, vemos o Tio Mirabel chegando na morada do Tio Adão e causando mais um ataque de riso no véio, todo escalavrado calçando só um pé de sapato!

Na manhã do outro dia fizeram uma comitiva até o local prá tentar recuperar o sapato e o chapéu extraviado (vocês sabem que sapato e chapéu era coisa de muita estimação naqueles idos) Não foi dificil de achar o sapato, foi só refazer a rota do tombo ao contrário. Saíram a partir do ponto onde o Mirabel parou de rolar, seguiram o rumo das macégas com os galhos quebrados, a seguir encontraram algumas pegadas alternadas e separadas por largo espaço: sapato, pé, sapato, pé, culminando num furo bem no meio de uma poça de lama onde estava o sapato fincado no barro a uns 30 cm da superfície!

O chapéu jamais foi encontrado, desaparecendo no mundo da lenda...

Steve Johnson de Almeida
Enviado por Steve Johnson de Almeida em 01/03/2008
Reeditado em 21/08/2008
Código do texto: T882732