Meu Padim Félix - I
Meu Padim Félix - I
Era um homem meio afogoiozado, pele amarela, sem muita escolaridade. Ferreiro de profissão e músico de “ouvido”. Tocava pífano de taboca que ele mesmo fazia, ao embalo de uma rede de tucum, semelhante a rede de pescarias.
Na sua forja de serralheiro era mestre. Fabricava de tudo, inclusive suas armas de fogo, tais como cartucheiras, espingardas lazarinas e outros apetrechos.
Ele era meu “padrinho de fogueira”. Isso é uma celebração feita sobre achas de fogo da fogueira junina.
- “São João disse e São Pedro
confirmou, o senhor é meu padrinho que Jesus Cristo mandou”.
Isso era uma celebração pétrea, realizada com formalidades e respeito.
Por esse tempo, nós morávamos, no que é hoje, a Rua Magalhães Filho, entre Praça Mário Basílio e Rua Darci Bastos, em Teresina, numa época em que sequer havia arruamento, isso lá para 1955.
Meu Padim era um homem alegre, de fácil convivência, com mulher, três filhas pequenas e um garoto. Colocando-me nesse bolo, éramos nós, as poucas crianças daquele ermo lugar.
Félix Alencar quando se espalhava, fedia tanto, que era do tipo que nem com dois sabugos se ajuntava. Morava com a família numa casa modesta e de um quintal muito grande, plantado com mandioca e macaxeira, de onde ele tirava parte do sustento.
Uma noite, ele acordou apavorado com um rumor no quintal. Era uma porca grande com oito bacuris, fuçando o mandiocal. Foi uma luta danada para colocar a porca pra fora. Nos dias seguintes, aconteceu o mesmo incômodo, só que, ele já tinha batido pernas pela redondeza, procurando saber a quem pertence o animal. Já puto da vida, ele comentou com minha mãe, certas manhã:
- Comadre, amanhã o dono dessa porca vai aparecer…
Não deu outra. À noitell, ele carregou a espingarda cartucheira e esperou. Esperou pouco. Quando a porca passou para dentro do quintal, nós ouvimos o estampido.
No dia seguinte, por volta das 9 horas, um praça da polícia civil foi intimá-lo a prestar esclarecimentos do ocorrido na delegacia de polícia.
- Sr. Félix Alencar, inquiriu o delegado de polícia: é verdade que o senhor abateu uma porca de nome Catita, deixando órfãos oito leitões em fase de amamentação e que a referida porca pertencia ao Sr. Policarpo Pereira Pedrosa, aqui presente?
- Seu delegado, primeiramente, que eu não sabia que Catita era porca. Na minha terra catita é filhote de rato. Segundamente, eu estive na casa desse tal Policarpo não sei das quantas, e ele me disse que não tinha porca alguma. Eu varri aquela cercania toda, procurando o dona da porca que estava invadindo meu cercado para comer minhas mandiocas e ninguém se disse dono dela. Terceiramente, eu não matei porca alguma. Quem matou foi minha espingarda…
- Sr. Félix Alencar, a sua cerca é boa, nova, ou bem feita? Perguntou novamente o delegado, querendo colocar meu Padim numa sinuca de bico.
- Seu delegado, a cerca e velha e não presta, só serve mesmo para delimitar o terreno, mas posso lhe garantir uma coisa: minha espingarda é nova e boa, minha pontaria é melhor ainda, não teve outra igual no Exército, quando eu servi ao governo. E tem mais: se invadir minha terra, morre Catita, dono de Catita e o diabo que se meter a besta… e eu quero saber quem vai pagar o meu dia de serviço por vir prestar conta dessa chateação? Não sou vagabundo para ficar perdendo tempo com catita de ninguém.
Como nenhum dos dois tinha razão, o delegado deu o caso por encerrado e mandou que cada um fosse cuidar de sua vida, que ele também tinha muito o que resolver.
Ao chegar em casa, meu padim falou:
- Eu não disse, comadre, que o dono da porca iria aparecer?!
São coisas da minha terra.