O furto da Santa.

O furto da santa

O que vou contar aqui, é um causo oriundo de um caso verdade e eu não tenho o menor compromisso com a verdade científica, já que ouvi da boca do povo, contada à boca da noite, à boca pequena. Por esse motivo, declinarei de citar os nomes dos envolvidos. Perdoe-me por qualquer desvio, contudo a essência dos acontecimentos estão preservadas.

Correia, salvo tropeço da memória, o ano de 1998/99, quando um ato desatinado veio à luz do conhecimento público, em Propriá, cidade sergipana do Baixo Vale do Rio São Francisco.

Conta-se que um cigano que estava acampado na região, juntou-se com dois outro moradores da cidade para furtarem uma imagem de Nossa Senhora do Rosário, padroeira da igreja de mesmo nome, localizada no alto da Av. Augusto Maynard, no centro de Própria.

O objetivo maior nem era a imagem em si, mas uma coroa de ouro sobre a cabeça da estatueta. Assim, dois ladrões entraram, sorrateiramente, à noite, no templo e realizaram seus intentos, enquanto o terceiro ficou dando cobertura do lado de fora..

No dia seguinte, a notícia, como qualquer má notícia que se preze, tomou conta da cidade. Era voz corrente que nem os lugares sagrados estavam a salvo da ação dos bandidos. Assim, os devotos revoltados despejaram uma saraivada de imprecações, pragas, maldições, xingamentos e maus agouros contra os ladrões, que até o diabo temeria que acontecesse. Por seu lado, a polícia não tendo pistas, fazia o que lhe era possível. Uma coisa era certa: a justiça dos homens era lenta e a divina mais ainda, mas Nossa Senhora do Rosário haveria de mostrar àqueles hereges empedernidos como era que “cu de cotia assobiava ao meio dia”! Aquela profanação não iria ficar barata.

O furto só foi desvendado, tempos depois, em razão de um outro acontecimento paralelo: na hora de dividir o dinheiro arrecadado com a venda do ouro da coroa, o cigano, no exercício de sua especialidade favorita, resolveu “passar a perna” nos comparsas. Com a notícia circulando na cidade e vendo que poderia ser descoberto, o cigano, na calada da noite, levantou acampamento com sua trupe, atravessou o “Velho Chico” e caiu no bredo! fugindo para Alagoas. Dessa forma, o cigano se livrava, a um só tempo, das investigações policiais e dos cúmplices.

Um dos ladrões ludibriados não gostou nada da trapaça do, agora, ex-amigo e resolveu partir para a desforra. Seguiu no rastro do fujão até encontrar o acampamento em Arapiraca-AL., a 74 km de Propriá.

Ficou à espreita, analisando os passos do ingrato e com uma informação muito importante para seu plano de vingança.

Sabendo que a "ciganada" se recolhia às suas tendas às 18 horas e que de lá não saia nem que o mundo acabasse, não lhe custava nada esperar e esperou com a paciência de quem lambe leite em pó pegado no céu da boca.

Não deu outra! Depois que tudo silenciou, ele entrou na tenda do inimigo e o assassinou sem muitos esforços e “capou o gato” de volta para Sergipe.

Foi com a solução desse crime que a polícia desvendou os autores do furto da Santa.

O assassino do cigano foi preso e conduzido ao presídio em Porto Real do Colégio, cidade alagoana, às margens do Rio São Francisco, de frente à Propriá.

Como, no Brasil, crime de roubo além de não dar cadeia a ninguém, ainda é incentivado pelo Presidente da República, crime de furto e sem registro de flagrante torna-se irrelevante. Com essa atenuante, o bandido que deu cobertura aos executores, ficou em liberdade para responder às acusações que ficaram marcadas para o dia de São Nunca.

Ainda assim, tanto esse copartícipe quanto o assassino do cigano contrataram para suas defesas a mesma advogada criminalista em Propriá.

O tempo gasto para a conclusão do inquérito policial sobre o furto da imagem foi rápido, o mesmo acontecendo com o homicídio do cigano. Nesse meio tempo, em maio do ano 2000, outro fato terrível e de extraordinária comoção, aconteceu em Propriá.

Um dia, a advogada estando em seu escritório com seu cliente, o ajudante do roubo da imagem, foi convencida a se deslocar até um povoado em Alagoas, estado limítrofe. Como a advogada tinha agendado um compromisso pela rota indicada, não foi difícil aceitar. Na verdade, isso foi uma emboscada armada com requintes de malvadezas. Nesse deslocamento,pelo menos três pessoas estavam no carro, sendo uma delas o ajudante do roubo. Resultou disso que todos foram assassinados com uma chuva de balas de todos os calibres. Assim, morria o segundo participante do assunto desse causo.

Eu, por esse tempo, trabalhava em Propriá e vi a convulsão social causada pelos cortejos das três pessoas no mesmo dia, em horários diferentes.

Quando ao assassino do cigano e participante direto do furto, misteriosamente, foi encontrado na cadeia, sujo, espumando, dentro de uma poça de vômitos. A priori, pensou-se que estava desmaiado, depois, viu-se que estava morto, com indícios de envenenamento.

Afora o caso da advogada e de seu marido, que estavam no carro emboscado, que nada tinham a ver com o roubo, os devotos de Nossa Senhora do Rosário estavam vingados, visivelmente, satos e não deixavam por menos. Todos os envolvidos não viveram para contar o caso.

É verdade que nada disso encontra respaldo teológico. Nossa Senhora é mãe de todos, até mesmo daqueles que a detestam. Ademais, penso que ela tenha mais o que fazer, que ficar emboscado ladrões.

Sobre os praguejamentos dos devotos, como bem diz o cantor Chico Cesar: “Deus me livre da maldade de gente boa!”

Nota:

Hoje, 24/01/2024, enquanto eu escrevia esse causo, recebi uma diabólica e coincidente notícia, dando conta de que, em Porto Real do Colégio-AL. ladrões entraram na igrejas de Nossa Senhora Aparecida e roubaram a coroa da imagem. Já vou convocar o pessoal de minha paróquia para começarmos uma sessão de descarrego e praguejamento de todos eles… Não vai sobrar nem o indês.