Cheirosa, a jumentinha do mascate.

Cheirosa., a jumentinha do mascate.

Antes de colocar qualquer

palavra, quero dividir cré-

ditos com o Poeta Solano

Brum, que escreveu a Tro-

va: O Mascate. Sem essa

lembrança, o meu caso

demoraria muito mais

tempo para emergir.

Estávamos na metade exata da década de 50. Em Teresina, muitas das coisas que hoje são ordinárias, nem sequer se imaginava. Não tínhamos, por exemplo, táxi com taxímetro, caneta esferográfica, lotéricas, televisão, roupas feitas, cartão de crédito, supermercados.

Como não tínhamos supermercados, as comprar diárias eram feitas em quitandas, mercearias e similares…

Então, desliga a televisão que lá vem causo!

Nos municípios do interior, as carências eram ainda maiores e, muito especialmente, nas povoações longínquas. Por sorte, havia um personagem que era aguardado com ansiedade pelas populações: o mascate.

O mascate era um vendedor ambulante, que transportava em carroças de tração animal, todo tipo de mercadorias e em muitíssimos casos, sob encomenda. A sua chegada era motivo de euforia.

Havia em Teresina, um desses personagem que andava pelos bairros mais distantes, com sua jumentinha com dois jacás pendurados na cangalha, abarrotados de bugigangas. Que eu me lembre, tinha:brilhantina a granel, que ele dizia ser “Glostora” e de Glostora não tinha nada. Talco Cashmere Bouquet, espelhos, tesouras, pratos de estranhos esmaltados, lamparinas, talheres Sesan, cordões de ouro com pingentes, sabonetes Lever e Phebo, rouge, pó compacto, pulseiras femininas, presilhas para cabelos, esmalte para unhas, cortes de tecidos, mamadeiras, biotônico Fontoura, pílulas de vida do Dr. Ross, creme dental Colippe, colônia de alfazema, leite de rosas ( vendia como água), pentes de tartaruga, pentes para catar piolhos, fitas para laços de cabelos, agulhas de crochê, aguardente alemã, óleo capilar Oxford, Emulsão Scott…

Gente, aquilo era um bazar a céu aberto sobre quatro patas. De extraordinário, era a indumentária da jumenta. Essa, sem saber para que tanto zelo, pois era mais ajaezada que a burra de Faraó. Usava um maracá na pata dianteira, colares no pescoço, batom e uma saia que ia até abaixo dos joelhos traseiros, como mandava os costumes da época e creia, usava água de colônia, o que justificava seu nome. Isso era um motivo a mais para atrair os fregueses. Se naquela época, tivéssemos câmeras fotográficas como hoje, a jumenta seria mais fotografada que a Brigitte Bardot.

O mascate usava uma chibata feita com fitas de seda coloridas e tangia, açoitando-a suavemente gritando pelas ruas: .

- Cheirooosa! Olha o cheiro Cheirooosa! Não precisa empurra, empurra que tem mercadorias para todos…! Cheirooooooosa…!

Um dia, o mascate parou na nossa porta a pedido de minha mãe e logo ajuntou um moi de gente, pelo menos umas oito pessoas entre senhoras e moças, nossas vizinhas.

Como se diz lá no Piauí: o diabo é moleque! Para aprontar das suas não muda de camisa…!

Foi aí que um grande segredo veio à tona. Saído, sabe-se lá de onde e a mando, sei lá de quem, outra jumenta veio, lentamente, no rumo do mascate e pelo “arranca rabo” que se formou, ela estava no cio. Neste momento, a Cheirosa do mascate deu um upa, jogando toda a mercadoria no chão e partiu pra guerra. Todos ficamos assustados com a ação intempestiva do animal, já que parecia ser muito dócil. Também ficamos sabendo que era um macho. Usava saia para enganar os trouxas… foi um espetáculo espetaculoso! As moças correram para suas casas tapando os olhos com as mãos, eu peguei uma lapada para entrar “pá dendicasa” e ainda hoje não sei qual foi a minha culpa.

Na linguagem de hoje e que ninguém se sinta melindrado, foi o primeiro e único caso de jumenta trans, da história da medicina veterinária do mundo.

Eu agradeço aos céus, o fato dos muares não possuírem o “bulbos glandis”, aparato anatômico peniano dos caninos; aquilo poderia ter durado uma eternidade à nossa porta.

Depois que tudo se acalmou, juntar a mercadoria espalhada em nosso terreiro deu uma bela mão de obra!

Cheirooosa! Cheirosa era uma tamanca!

São coisas da minha terra.

Eu vi e conto

***********************************************

O Poeta Solano Brum, amém da ideia, ainda fez essa bela participação. Muito obrigado.

👇

Brilhantina no cabelo

Untado de hora em hora.

Penteado com muito zelo

Com o produto Glostora! ******

Culpa foi pela curiosidade;

Argumento igual, ninguém inventa!

Sainha curta da jumenta,

Mas de baixo, viu a maldade!****

Cheirosa e a tamancada

Cena igual parecendo festa...

Por muito tempo, guardada

Na memória d Poeta!"