O Cachimbinho.
O Cachimbinho
Hoje, eu vejo que minha “Tereza Cristina”, a Teresina de minha época, era uma fábrica ininterrupta de acontecimentos inusitados. Dídimo de Castro é radialista esportivo das antigas e certa vez, ele disse que “Teresina era a terra do ineditismo”. Eu me arriscaria a afirmar que, por lá, o impossível é cardápio ordinário. O imponderável acontece mais de uma vez ao dia.
Não sei o nome do Sr.Cachimbinho. Ele era motorista e dono de um caminhão de marca “Internacional”, salvo engano, de fabricaçãoi norte-americana.
O caminhão: fabricado na década de 30, fora de linha. Era do tipo “toco”, ou seja, dois eixos e seis pneus. Servia para transportar material de construções. Com certeza, o câmbio só tinha três marchas: ré, primeira e segunda. A segunda marcha só engatava quando queria e para ser coerente, essa marcha não queria nunca. Assim, o câmbio ficou reduzido a duas marchas: uma para frente e outra para trás.
Dizer que o caminhão corria, é hiperbolismo. Praticamente, engatinhava. Tanto que a molecada da rua, costumava pegar “racha” contra o caminhão e acredite, nós vencíamos. Por aí, seria de se imaginar que o freio era um recurso obsoleto. Como o carro soltava muita fumaça preta pela descarga, o que na linguagem automobilística é igual a fumar, resultou daí, o apelido de Cachimbinho para o caminhão e para seu dono.
Como não é difícil deduzir, aquele caminhão tinha mais horas paradas para conserto, que horas trabalhadas. Ainda assim, era no lombo daquele carro que o Cachimbinho tirava o sustento da família. Peças originais inexistiam e para suprir tal pendência, Cachimbinho recorria, sempre, aos “ferros velhos”. A tudo isso, some-se as agruras no transporte de pedra, tijolos, areia, cimentos e hastes de ferro. O transporte de pedras causava danos inimagináveis àquela velha carroceria de madeira, que já apresentava mais buracos no lastro, que as antigas, tábuas de pirulito. Verdade que o Sr. Cachimbinho ia remendando a carroceria com tábuas e pregos. A tranca da porta do lado do carona funcionava por dentro com uma corda amarrada a uma tramela de pau.
Cachimbinho era um senhor que já tinha ultrapassado a barreira dos 65 anos de existência, mas com “sensação térmica” de 75. Dotado de grande paciência e alquebrado de forças físicas. Magro, alto, trigueiro, já curvado pelo peso da labuta, tinha naquele carro todos os desafios dos dias anteriores repetidos no dia seguinte. Não tinha como comprar um carro novo e nem poderia se desfazer daquele monte de ferros ambulantes. Vale lembrar que estávamos em meados da década de 60 e, embora eu não soubesse como eram os financiamentos, estava claro que havia muitas exigências nessas compras. Em resumo, Cachimbinho e o seu caminhão, caso morressem no mesmo dia, seria um favor dos céus tal ocorrência, isso porque, os dois não sobreviveriam um sem o outro. Além de dono, Cachimbinho era o único mecânico que poderia entender as manhas do carro.
Por mais irônico que pareça, causava risos a frase escrita no para-choque: “Ando com São Francisco”. Era axiomático e ninguém duvidava que o Santo de Assis era, de fato, milagreiro, ainda assim, o Santo já deveria estar com suas forças no limite…
Um dia, por volta do meio dia, quando Cachimbinho retornava para o almoço, à uns 50 metros de casa, quando fazia a curva para a esquerda, saindo da Rua João Virgílio para entrar na Rua Sete de Setembro, começou a subir uma fumaça branca, saindo do motor pelas laterais do capô. A cena foi estarrecedora! Depois de parado por alguns segundos debruçado sobre o volante, o motorista saiu desanimado e exausto com tantos dissabores. Subiu sobre o para-choque dianteiro, levantou o capô do veículo, colocou a cabeça para dentro…
A imagem que se formava com aquele capô comprido e bicudo, era a de um velho crocodilo engolindo sua vítima. Nesse cenário, quem estava perto ouviu o desabafo do Sr. Cachimbinho:
- Pronto! Agora, me engole, desgraça!
Não sei se era para sorrir, ou para chorar, mas eu vi e conto.