O PODER DO PATUÁ
Paulo estava cansado de apanhar. De vez em quando prometia para si mesmo que não se meteria mais em confusão, mas não cumpria. Dentro dele morava uma tempestade que o catapultava compulsoriamente para a truculência. Essa era a razão por que vivia coberto de hematomas.
Que se lembre, sempre fora assim, parecia sina. Quando criança, brigava com os irmãos, partia para cima como um furacão e apanhava. Depois foi na escola; não havia um dia que não voltasse para casa todo machucado. Era um problema na escola, era-o também em casa.
A adolescência chegou, assim, tempestuosa, incerta. A fera que o dominava não lhe dava trégua e empurrava-o para as brigas, das quais saía, invariavelmente, todo arrebentado.
O tempo foi passando inexorável e Paulo crescia. Apesar de fisicamente franzino, não se continha. Bastava que alguém o olhasse atravessado para que ele atacasse e sempre apanhava.
O briguento chegou aos vinte e cinco anos com muitas marcas pelo corpo. Refletia sobre seu comportamento e revoltava-se consigo mesmo. Já virara chacota. Todo mundo gozava dele. Definitivamente estava cansado daquela vida. Nem tanto de brigar, mas de levar sempre a pior. Ah, se fosse forte...! Mas não era... se pelo menos arrumasse uma fórmula de se tornar forte... Pensou, pensou... durante muitos dias buscou incansavelmente uma solução, até que um vislumbre de esperança o acalentou. Iria atrás... e jurou para si mesmo que as coisas haveriam de mudar a seu favor. Ah, se haveriam! Não apanharia mais...
Genoveva benzedeira, moradora daquele lugar desde sempre, era famosa por resolver desde acerto entre casais em vias de separação, até casos sobrenaturais. Muitos acreditavam que a velhinha misteriosa e minguada fosse uma poderosa bruxa feiticeira e a temiam.
Era ela, a esperança de Paulo, que se armou de coragem e mesmo com um pé atrás a procurou. Contou-lhe sua história.
Genoveva ouviu-o em silêncio, examinou-o cuidadosamente, acendeu o cachimbo, deu algumas tragadas, pois a mão na cabeça do consulente, soprou a fumaça do cachimbo na cara dele e decretou:
- Teu caso é muito simples, já resolvi tantos parecidos, que até perdi a conta. Como faço? Benzo um amuleto, penduro-o no teu pescoço e ele te dará muita força e poder. Tu ficarás ligeiro como um gato e teu corpo fechado contra tudo quanto é malefício: mau olhado, inveja, língua grande, tudo. Nem bala, nem faca, nem porrete, nada mais te atingirá, ninguém mais baterá em ti. Eu garanto. Mas há uma condição: tu tens que acreditar cegamente no que estou dizendo, nenhuma sombra de dúvida pode sobrar na tua cabeça sobre teus novos poderes. E o mais importante: o amuleto não poderá sair do teu pescoço de jeito nenhum. Nunca mais. Entendes?
Procedimento realizado, Paulo entendeu tudo direitinho, pagou o que fora combinado e saiu sentindo-se um super-homem, um gigante de três metros, todo poderoso, dono do mundo, consciente de que já não era o mesmo. Um novo Paulo acabara de nascer. Tanto que nem sentia mais a mínima vontade de provocar quem quer que fosse. A fera que o dominara até aquele dia, fora-se.
Com tão grande certeza entranhada na mente, Paulo caminhava de volta para casa. Era sábado à tarde. O boteco, à beira da estrada, à frente do qual passava, estava lotado. Entrou, como era de costume, cumprimentou os presentes, como não era de costume. Pediu uma cachacinha e não provocou ninguém, nem sentiu vontade. Não precisava mais, era superior. No entanto, como já virara piada, a brincadeiras maldosas começaram. Ele não deu importância, mas a plateia queria diversão. Ato contínuo, aplicaram-lhe um pontapé no traseiro, um peteleco na orelha, gargalharam. Aí ele não aguentou, virou-se para os engraçadinhos e como um foguete, sem dizer uma palavra, acertou um chute feroz no primeiro e um direto no queixo do outro, jogando-os ao chão. Os espectadores emudeceram e Paulo saiu, silencioso, acariciando seu amuleto. Era, de fato, um novo Paulo, estava comprovado.
As notícias correram, a fama cresceu, e os valentões, de perto e de longe, foram aparecendo. Paulo vencia sempre.
“O infeliz está com o diabo no couro, ninguém mais pode com ele” - diziam.
O tempo passou e Paulo estava em paz. Não mais provocava e nem era provocado. O patuá não saía do pescoço nem para tomar banho. Era dali que vinha toda aquela força e ele sabia disso, não tinha a menor dúvida.
Certo sábado, no entanto, não se sabe de onde, apareceram no boteco três sujeitos mal-encarados à procura do valentão. Paulo estava presente, não se julgava valentão, portanto não disse nada. Os sujeitos insistiram e como ninguém se manifestasse, começaram a quebrar tudo. Paulo analisou a situação. Eram três, mas ele tinha ligeireza e o corpo fechado. Acariciou seu amuleto e, feito um raio, partiu para cima dos sujeitos. Uma luta desproporcional e encarniçada teve início. Paulo era um gato, desvia-se e atacava. Os oponentes, por outro lado, eram bons de briga, tanto que um chute terrível quase nocauteou o dono do corpo fechado; mas ele recuperou-se rápido e revidou, pondo um adversário fora de combate. “Agora só faltam dois. Acabo esta briga já, já”, pensou. De repente, porém, levou a mão ao pescoço e não encontrou seu amuleto. Perdera-o no entrevero. O efeito foi devastador... sentiu o mundo desabar sobre sua cabeça, o chão abrir-se a seus pés, esmoreceu, perdeu as forças, apequenou-se, e os adversários não perderam a oportunidade.
Recobrou os sentidos no hospital, um olho roxo, um galo enorme na cabeça e duas costelas quebradas. Sem contar os hematomas, que lhe cobriam o corpo, como nos velhos tempos.
Foi a maior surra de sua vida.