A macumba contra o macumbeiro

macumba contra o macumbeiro

Por esse tempo, eu estava fazendo o estudo topográfico para projetar a estrada CE-153, de Cedro à Mangabeiras no Ceará.

Lembro-me como se fosse hoje. Um dia, quase as 15 horas, passou por mim um fusca vermelho, parando em seguida a mais ou menos, 20 metros de distância de onde eu me encontrava. Dele desceu um homem vestido de preto, botas de couro e chapéu de boiadeiro, que ficou a observar a vegetação como quem não queria nada.

Aos poucos e lentamente, caminhava, dissimuladamente, em minha direção. Era como se eu já tivesse visto aquela encenação algum dia. Não tardou para que eu fosse abordado.

Você está curioso? Então, assunte bem que lá vai treta!

Depois de falar assuntos sem importâncias, acabou por me perguntar se eu conhecia um certo senhor N, morador de Mangabeiras. Eu estava há pouco tempo na cidade, mas a pessoa por quem ele perguntou, era muito conhecida não apenas na cidade, como na região. Foi essa a informação que lhe passei. Que ele o encontraria sem dificuldades.

Lembro-me de ter olhado a placa do carro que procedia de Imperatriz-MA. Naquele momento, isso nada me dizia.

O certo foi que o senhor N, dias depois, foi atraído pelo desconhecido, que lhe disse ter ido para lhe tirar a vida, que já tinha recebido metade do pagamento adiantado, graças a confiabilidade de seu trabalho. Que como prova do ato consumado, iria levar uma das suas orelhas. Além da ousadia, o pistoleiro era cínico.

Diante de tamanha encrenca, o candidato a defunto teve uma ideia tão inusitada quanto absurda. Propôs ao pistoleiro, pagar-lhe o dobro para que voltasse e executasse o mandante. Nem se interessou, de imediato, em saber quem lhe mandara apagar.

Foi aí que o angu embolotou de vez, pois o "quebrador de milho", nome que se dá aos assassinos de alugueis, por se sentir ofendido, disse que não era do tipo que descumpria um mandado para se virar contra seu contratante, que isso era falta de ética.

Nisso, o quase defunto teve outra proposta ainda mais descabida que a anterior e falou com voz firme ao interlocutor:

- Pois bem, tenho outra proposta a lhe fazer, só que não irei lhe pagar nada e você poderá sair ileso e de mãos limpas de sangue, além de se livrar da cadeia, pois não pense que você sairá daqui contando vantagens por aí. Eu vim preparado para esse encontro com você. A um sinal meu, você será alvejado. O plano é esse…

Eu fiquei sabendo disso uma semana após o plano ter sido concluído, no que culminou numa sinistra operação teatral.

Foi, aí, que me lembrei da placa do carro. De Imperatriz à Mangabeiras São mais de 1200 km, o que não representava uma tarefa fácil nem barata…

Junto com o agente funerário, um fotógrafo, o dono de uma pequena gráfica e pessoas contratadas para a empreitada, simularam um velório, onde o senhor N aparecia dentro de um esquife, devidamente preparado para o enterro.

Quando tudo parecia muito bem ensaiado, eis que entra o delegado e dá voz de prisão a todos os participantes do sinistro evento, inclusive para o pistoleiro, que teve a audácia de participar do velório.

O que eu soube, foi que o suposto assassino não poderia ser, legalmente, preso por um crime não cometido. Havia, sim, uma ameaça sem provas testemunhais, narrada pela suposta vitima. Na verdade, o delegado fazia parte do teatro.

Bem, no final das contas, tomaram todo o dinheiro do forasteiro, aplicaram-lhe uma bela surra, deixando-o apenas com o fusca para retornar, levando consigo uma fotografia que convencia muito mais que uma orelha do defunto e um panfleto com a notícia do trágico acontecimento.

O pistoleiro retornou para receber o restante do pagamento de seu contratante por um crime que não aconteceu e agradecendo por não ter sido lá enterrado, após ficar mais pisoteado que beirada de lagoa.

Aí, estava o segundo ato: o senhor N conseguiu descobrir, sem muitas pesquisas, quem era o mandante do crime. Em seguida, por um telefonema, fez com que esse mandante soubesse do fracasso de sua empreitada e aguardar o pistoleiro para receber o restante do pagamento. Assim, o mandante saberia da verdade, descobrindo que tinha recebido uma rasteira, ajustaria as contas com o pistoleiro picareta e o feitiço viraria contra o feiticeiro.

Como dizemos cá no nordeste: para um sabido, basta um sabido e meio.

Eu sei e conto.