O peru de Natal

O peru do Natal

Lá em casa, nos comemos peru no Natal por superstições (o peru cisca paras trás as coisas ruins) e comemos pernil de porco no Ano Novo por crendices ( porque porco fuça pra frente, procurando coisas novas )

A casa estava cheia de gente. Deus me prometeu uma família grande e eu fiz minha parte. A ceia estava pronta aguardando a meia noite, bebida correndo sem cabresto e assentado, as pessoas contando vantagens. Alguns lorotas já contadas em Natais passados.

De súbito e nem sei o porquê, senti falta da Panda. Panda era uma cadela (SRD) sem raça definida, peluda, negra, sonsa e nada disciplinada. Então, fui levado pelo meu instinto à cozinha. O meu susto não foi pequeno! Alguém esqueceu uma cadeira afastada da mesa, onde estava a travessa com o peru assado.

A cadela subiu, postou-se com as pernas traseiras sobre a cadeira e as dianteiras sobre a mesa, numa elegância de fazer inveja, até supus que estava fazendo poses para fotografias. Só faltou uma câmera interna para gravar para a posteridade! Até guardanapos de tecidos tinha a seu lado. Já tinha feito o reconhecimento do banquete, pois a vi lambendo os lábios com uma cara de extrema felicidade! Os olhinhos marejavam de contentamento. Decerto, que agradecia a São Lázaro por um jantar, prolepticamente, descoberto. Quando ela ia dando a primeiro mordida, eu gritei e só tive tempo de gritar a primeira sílaba do seu nome:

- Pan…!

Ela me olhou constrangida, mas o freio bucal não funcionou! Arrancou o melhor pedaço da ave e desceu desconfiada.

Sambiquira, triângulo, gramuchim, uropígio são os nomes regionais do brasileiríssimo sobrecu. Panda deixou o jantar suru e uma imensa responsabilidade sobre meus ombros.

E agora, José? Dizer que a cachorra indisciplinada lambeu o peru?! Eu jamais delataria a minha Panda. Eu preferia morrer, a trair sua confiança. Não existe animal mais fiel e amoroso que os cães. A culpa não lhe pertencia na integralidade. Não tinha sido um ato premeditado e ela não tinha consciência do que seria "iter criminis".

Ajeitei a cadeira e voltei à sala "pagando geral", acusando literalmente a todos:

- Alguém foi lá na cozinha e comeu o sobrecu do peru. Aqui nesta casa, não se pode confiar em mais ninguém nem na noite de Natal!

De repente, eu vi uma avalanche de gente descendo rumo ao crime. Depois de algumas averiguações, eu que estava de ouvidos atentos e alisando o pelo da cadela, ouvi alguém sentenciar:

- Gente, isso foi armação do papai!

- Foi mesmo! E ele é bem capaz de colocar a culpa no Panda!

- Mas se tivesse sido a cachorra, não teria sobrado nada! Foi papai mesmo.

Nesse instante, comentei baixinho ao ouvido da Panda: você está salva!

Depois de algum momento…

- Pai, fale sério, foi o senhor? Não foi?

- Eu? Oxente! Se não foram vocês, foi a Panda!

- Eu não disse que ele iria colocar a culpa na cachorra? Painho, o senhor não existe!

Passados mais de dois decênios, ainda sentimos falta da Panda! Revelar esse segredo não lhe imputará mal algum.

Que são Lázaro a tenha, com sobrecus de perus!

São coisas de minha família.

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Do Poeta Joaquim Garcia, recebi essa participação honrosa.

Confirmei o julgamento

Que há muito tempo foi feito

Quem tem tal procedimento

Só pode ser um bom sujeito

Quem ama os animais

Já mostra sua bondade

Nem precisa fazer mais

Pra ganhar minha amizade.